Diário de um imigrante- Cap 1

Tomar a decisão de pegar uma mochila, botar nas costas e sair desbravando o mundo não é algo fácil de ser feito. Até esse ponto existem muitos degraus a serem vencidos. Há o desejo e o sonho acalentado por muitos anos, mas também existe a insegurança, as incertezas, e principalmente o medo. Esse sentimento, muitas vezes, nos persegue e nos impede de tomar decisões e por causa dele deixamos de viver novas aventuras, e com isso surge a sensação de impotência. Eu quero, mas não dou o primeiro passo. E é justamente sobre isso que quero falar hoje, ou seja, da importância de guiarmos nosso próprio destino tomando as regras do jogo. Falo por experiência própria por ter saído do Brasil há muitos anos e por estar vivendo no meu quinto país.
Minha primeira vez foi no susto e movida por uma questão pessoal. E isso já faz tempo, pois foi em 2001. Há exatos 22 anos saí do Brasil pela primeira vez. Fui para Portugal. O frio na barriga e a angústia me perseguiram durante toda aquela viagem. E para piorar era literalmente o meu début em tudo: em viver fora de casa sozinho, em compartilhar habitação com pessoas diferentes, em viver numa outra cultura- engana-se quem pensa que por ser português tudo são flores-. A adaptação leva tempo e muitos desistem logo nos primeiros meses- esse foi meu caso, mas não por não ter me adaptado- (em outro post explicarei esse ponto).
Mas voltando à viagem, foi tudo muito diferente. Por azar, peguei a última poltrona do avião. Foram muitas horas de viagem até Paris (onde faria conexão). Como marinheiro de primeira viagem e com vergonha de fazer tudo errado fiquei sentado durante todo o voo. Nem para ir ao banheiro tive coragem. Quando me lembro disso dou gargalhadas. Como a insegurança nos bloqueia. Eu cheguei a recusar a comida porque achei que teria que pagar extra e as comissárias falavam só inglês e francês porque era uma companhia francesa.
Tirando a sensação de frustração por não ter aproveitado minha primeira viagem internacional num avião, posso dizer que o voo transcorreu bem. Isso até a proximidade da hora da conexão. Eu tinha receio porque estaria por algumas horas num país onde não falavam meu idioma e já tinham me avisado que o aeroporto Charles de Gaulle era imenso. Por sorte, assim que desci do avião ouvi um sotaque familiar e me agarrei aquele grupo de brasileiros como um náufrago se agarra em uma jangada em alto- mar. Eles eram a minha garantia de que eu chegaria vivo até Portugal- meu destino final- onde um amigo estaria me esperando.
E como foi bom encontrar esse grupo de brasileiros! A conexão era longa- seis horas- e esse tempo foi bom para fazer amizades e não se sentir tão sozinho. É que por trás de tudo isso ainda havia uma série de sentimentos me atormentando e ao mesmo tempo questionamentos que insistiam em perseguir minha mente: “Tomei a decisão certa?”, “Como vai ser agora?”. “Eu nunca trabalhei fora da minha área. Como será isso?”. “Eu estarei ilegal. Será que isso vai ser um problema para achar trabalho?”. Ah eram tantas questões que parecia que minha cabeça ia explodir. Sempre fui de pensar muito nas coisas, mas isso também nunca me impediu de voar rumo aos meus sonhos.
As seis horas de conexão passaram mais rápido com a companhia de “meus amigos de viagem”. Os chamo assim porque cada um estava ali esperando outras conexões e eu sabia que essa amizade era algo que não sairia dali. Não porque não éramos pessoas sociáveis, pelo contrário, mas sim porque todos estavam na mesma situação: angustiados com o que viria pela frente. Éramos um grupo de seis aventureiros imigrantes: três rapazes e duas meninas. E cada um ia para um destino diferente. Dois deles iam para Portugal, mas eu sabia que quando chegassem no aeroporto cada um tomaria seu rumo até porque existia o medo de sermos detidos pela imigração. Era a primeira vez de todos também, por isso, nos unimos temporariamente e desejamos sorte para cada um em suas novas jornadas.
Horas depois quando finalmente cheguei à Lisboa meu coração pulsava firmemente. Neste momento tive dor de barriga, vontade de chorar e como senti falta de minha mãe . Ela era meu porto seguro e a pessoa que me dava coragem. Fazia poucas horas que eu estava distante, mas já sentia muita falta dela. Fui um dos últimos a deixar o avião e segui o fluxo para buscar as maletas. Eu levava duas malas de 32 kg. Mal cabiam no carrinho do aeroporto. Estavam muito pesadas. Também havia levado minha vida ali dentro. O que mais pesava eram as roupas de frio (se eu tivesse pesquisado antes saberia que no exterior existem muitas lojas low coast e que não deveria ter levado tanta bagagem). Era só sofrimento para carregar, mas, enfim, eu tinha que passar isso para as minhas próximas vezes (apesar que até hoje ainda tenho dificuldade para fazer malas).
Primeira e segunda parte concluídas com relativo sucesso. Havia viajado bem de São Paulo à Paris, passado pela conexão e chegado à Lisboa. Com êxito consegui recolher minhas maletas, e agora vinha a parte que mais me afligia: passar pela imigração. Eles não podiam desconfiar que eu estava indo para ficar. Meu amigo me havia orientado: “qualquer coisa você diz que está indo a passeio porque não podem te barrar”. O turista brasileiro pode ficar até três meses na Europa desde que comprove ter dinheiro para a estância.
Apesar das dicas, eu não queria passar por essa experiência. Então, decidi seguir o fluxo e aproveitei para colocar-me atrás de um casal de estrangeiros. Eles tinham cerca de 60 anos e eu passaria tranquilamente por um dos seus filhos. Creio que por isso não me pararam para fazer perguntas. Quando eles param te pedem o passaporte, comprovante de hotel, dinheiro, etc.. Eu passei com frio na barriga, mas fingi que não era comigo. Meus 15 anos de teatro serviam para isso também: disfarçar sentimentos.
Passado o susto inicial, assim que cruzei a porta do aeroporto eu realmente senti que estava em um outro país. O meu coração e a minha mente fervilhavam. Era tudo muito complexo, estranho e diferente. Eu havia chegado em um outro país e a partir daquele minuto eu teria que viver por mim mesmo.
Estando fora de casa sozinho eu sabia que eu seria o único responsável pelas minhas ações e que não teria os meus pais por perto para me ajudar. Nessa hora o medo voltou ainda mais forte e bateu um certo arrependimento. Me senti muito desprotegido, mas eu sabia que o motivo que havia me levado até ali era algo muito mais forte que qualquer medo.
Eu estava viajando para curar cicatrizes, algo que me atormentava e me impedia de viver livremente. Quando muitos souberem a razão poderão achar um absurdo, criticar, ter pena, se identificarem, mas no final das contas cada um sabe a dor de seus problemas e dor não se mede. Cada um tem a sua e há que respeitá-la. Por isso, costumo dizer que a minha primeira experiência internacional, sem dúvida, foi a mais importante de minha vida- depois dela vieram muitas outras-. Eu a coloco nesse patamar porque ela foi um divisor de águas na minha vida e serviu para me tornar mais forte e preparado para as novas aventuras que viriam em seguida, e quantas histórias para contar, mas isso ficará para um segundo post.


4 Comments
Patricia Vieitez
muito legal André! eu sempre acalentei o sonho de me aventurar no exterior, mas sempre tive outras prioridades e agora acho meio tarde kkkkk. beijo e sucesso
André Luis Cia
Paty, minha querida amiga,
Vc foi uma das pessoas que me deu uma das primeiras oportunidades profissionais em comunicação. Entrei para substitui-la em sua licença- maternidade. Era um jovem ainda com pouca rodagem profissional, mas com muitos sonhos na bagagem e foram eles que me empurraram a viver tantas histórias que vivi. Nunca é tarde para viver novas experiências, ainda mais você que sempre teve esse espírito jovem! E agora vc está numa profissão super valorizada aqui: de veterinário. Eles amam os animais aqui na Espanha, e os cachorrinhos fazem parte da cultura espanhola e estão em todos os lugares. Está convidada a vir me visitar. Ficarei feliz de receber o seu feedback na série. Tenho muitaaaaaaaa coisa para contar e o retorno de vcs, a divulgação deste trabalho para que outros o vejam, é fundamental. Saudades!! Hj saiu o 3 episódio!
Karen Alves Felix
Vou dizer como se estiversse na minha frente: “André do céu, continua escrevendo! Quero saber tudo!!!”
De verdade André, estou adorando! Vou ler todos, com certeza!
Claudia Karina Nunes
Tive o prazer de trabalhar com você, por pouco tempo no JP. Voce sempre gentil e educado no meio daquelas “feras” hahaha
E desde então, te sigo nas redes sociais… Amo sua histórias, suas vivências.
Sucesso sempre Cia! ❤️