Do blog para a TV: um astro em plena ascensão

“Eu não tenho hora para morrer, por isso sonho”. A célebre frase de uma das músicas da cantora Rita Lee parece ter embalado o seu passado. Na infância, ele já se mostrava fascinado por televisão, mas não tinha ainda a menor ideia de como conseguiria chegar ali. Sonhava, mas não passavam de sonhos compartilhados em seus cadernos de escola. Era ali que seus personagens ganhavam vida e onde depositava suas fantasias e o desejo de um dia fazer parte de tudo aquilo. Nessa época, nem passava pela sua cabeça que um dia ganharia o maior prêmio mundial da TV: o “Emmy”, pela colaboração no remake da novela “O Astro” (TV Globo -2011), escrita pelo autor Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro em parceria com Tarcisio Lara Puiati. “Foi um verdadeiro sonho”, resume o escritor e roteirista Vitor de Oliveira, o entrevistado especial de hoje do blog “Desejo de viver”, sobre um dos momentos mais mágicos de sua carreira.
Nascido e criado em Petrópolis, no interior do Rio de Janeiro, ele conta que entrou na faculdade de Letras com o intuito de dar vasão a esse impulso criativo que sentia desde a infância, mas que ao contrário do que imaginava, o curso não estimulava isso. “Você pode estudar Machado de Assis, mas nunca será Machado de Assis. Mesmo assim, gostei muito de estudar, pois pude ler muitas coisas e conhecer autores, que sem dúvida vou carregar para a vida toda”. Depois de formado, ele diz que chegou a dar aulas e já estava terminando o mestrado quando decidiu participar de um processo seletivo na Oficina de Autores da Globo. Acabou sendo um dos selecionados e ao final de quatro meses lhe ofereceram um contrato como roteirista. Era o passaporte que lhe faltava para entrar definitivamente no universo que há tantos anos almejava.
De lá para cá, apesar de ainda muito jovem, Vitor já coleciona sucessos na bagagem. É um workaholic assumido e sempre está envolvido em novos projetos. Além de “O Astro”, seu primeiro trabalho na TV, escreveu ainda as novelas “I Love Paraisópolis”, “Jesus”, publicou dois livros, roteirizou a versão internacional da novela “Tieta” para o México, dentre outros. Atualmente, é o redator chefe do programa “Vai que Cola” (Multishow), e para os próximos meses, Vitor deve lançar dois novos projetos: a versão teatral da novela “A Viagem” (sucesso absoluto da TV em todas suas versões), e uma nova série na Record TV, “Estranho Amor”, em parceria com os autores Ingrid Zavarezzi e Inácio Ramos, e que discutirá a violência doméstica. Os episódios serão baseados em histórias reais. Além disso, acaba de finalizar um texto teatral e está terminando outro. Sobre os seus planos para o futuro diz que gostaria de escrever seus próprios projetos autorais. “Acho que é a tendência natural do ponto em que se encontra minha carreira”, prevê.
Mas antes de acumular tantos trabalhos importantes, Vitor teve projeção com a escrita do seu blog “Eu Prefiro Melão”, onde teve a oportunidade de entrevistar grandes autores da nossa teledramaturgia, como Gilberto Braga, Manoel Carlos, Ricardo Linhares e Aguinaldo Silva. Dessa época, guarda com extremo carinho aquela que considera a sua entrevista mais importante e que foi justamente a do lançamento do projeto: com o autor Alcides Nogueira, o “Tide”, como é conhecido no meio artístico, e com quem viria trabalhar anos depois em outras duas novelas. “Foi o meu querido Tide que me abriu as portas para as outras entrevistas. O blog me trouxe muitas alegrias e conquistas, e uma delas foi ter publicado o livro Eu prefiro Melão”.
Nesta entrevista exclusiva ao blog Desejo de viver, abro um parêntese para dizer que sou muito fã do trabalho e da trajetória do Vitor, e que o seu antigo blog serviu de inspiração para a criação deste, pois eu acompanhava suas postagens e o passei a admirá-lo desde ali. Em 2013, tive a oportunidade de entrevistá-lo pela primeira vez para uma reportagem sobre TV para um jornal de SP. Por isso, fiquei muito feliz e honrado quando Vitor aceitou o meu convite. Ter o precursor de um dos blogs de TVs mais famosos que o país já teve serve como um batismo para este projeto que está só começando e que já tem me proporcionado tantos encontros felizes com pessoas que admiro nesta área, como Mauro Alencar e Eduardo Nassife.
Como nasceu o blog “Eu Prefiro Melão”?
VO: O blog surgiu do desejo de partilhar minhas memórias afetivas e conhecimentos televisivos com outras pessoas admiradoras do gênero. Além dos textos sobre diversas novelas que gostava, passei a entrevistar profissionais do ramo. Não penso em resgatar o blog. Todo o conteúdo dele permanece disponível para quem quiser consultar e ele já foi eternizado em livro, cujo prefácio foi escrito pelo autor Alcides Nogueira (a quem Vitor considera como seu padrinho artístico).
E como surgiu sua amizade com o Tide e o convite para ser um dos seus colaboradores?
VO: Ao final da oficina de autores e quando já havia assinado o contrato com a Globo fui chamado para trabalhar em “O Astro”. E essa estreia não poderia ter sido mais feliz. Ajudar a recontar um clássico de Janete Clair ao lado do Tide, Geraldo Carneiro e Tarcísio Lara Puiati foi um verdadeiro sonho, uma delícia do início ao fim. Um grande aprendizado com muito amor envolvido, e com final feliz, já que a novela foi premiada com o Emmy Internacional. Após isso, repeti o trabalho com Tide em “I Love Paraisópolis”, novela que ele escreveu em parceria com Mario Teixeira. Nesse trabalho posso afirmar que foi o que mais cresci como profissional, devido o volume de trabalho e a rotina estressante, mas sempre prazerosa. Tenho muitas saudades dessa novela.

E como foi sua colaboração na novela Jesus (Record TV)?
VO: Colaborei em “Jesus”, de Paula Richard. Foi uma experiência completamente diferente das anteriores, mas igualmente prazerosa. Paula é uma profissional muito criativa e generosa e a equipe era incrível. Sempre o que fica no final desses trabalhos longos é o afeto que se cria com os colegas de trabalho, que carregamos para toda a vida.
Você é tão jovem e já tem no currículo o prêmio mais consagrado da TV mundial: o Emmy. Antes de escrever a novela, você chegou a ver alguma coisa da trama original? Ou reviu agora pelo streaming?
VO: Nem tão jovem (risos). Assistimos a algumas cenas da novela original e tivemos acesso à sinopse e aos roteiros, mas a ideia era de uma nova novela, que mantivesse a essência da original, mas com o frescor da atualidade. E deu muito certo. Tide e Geraldo foram muito felizes nessa nova adaptação. O processo de escrita não foi tão extenuante quanto às novelas tradicionais, pois eram menos capítulos de duração menor com exibição de apenas quatro dias por semana, o que tornou o processo mais calmo e prazeroso.

O fato de “Todas as Flores” ter ido para o streaming lhe permitiu uma liberdade maior de temas e cenas sexuais. Você tem acompanhado a novela? Acredita que as telenovelas farão sucesso na plataforma ou é somente uma fase?
VO: Sim, acompanho “Todas as Flores” com empolgação. Um novelão como há muito tempo não se via. E acho muito bem-vindo esse novo formato do streaming para novelas. O brasileiro é apaixonado por novelas, tanto que são os programas mais assistidos em muitos streamings. Acho ótimo que tenha essa nova possibilidade com mais liberdade e mais campo de trabalho para nós, profissionais. Que venham muitas outras.
Você também fez a adaptação da novela “Tieta” para o México. Como foi esse trabalho? Vocês tiveram algum contato com o Aguinaldo Silva (autor da versão brasileira) ou a adaptação foi totalmente livre e inspirada no livro do Jorge Amado?
VO: Infelizmente, a novela nunca chegou a ser produzida embora Rodrigo Ribeiro e Virgílio Silva (os ouros colaboradores) e eu tenhamos entregue os 190 capítulos que nos foram encomendados. Mas tenho esperança de que ainda seja produzida. Na época ficamos temerosos a respeito da reação do Aguinaldo, mas ele nos escreveu uma mensagem super carinhosa nos chamando de “meus cabritos” e nos desejando sucesso. Não se trata de um remake da novela da TV Globo, mas de uma nova adaptação do livro e tivemos total liberdade para isso.
Como tem sido a experiência de escrever comédia no seriado Vai que cola?
VO: Eles precisavam de alguém que tivesse o pique de novelas para atender ao grande volume de roteiros que são escritos, muitas vezes, com prazo muito curto. Tem sido uma experiência maravilhosa. Já estou entrando em minha quinta temporada como um dos redatores finais. No início não foi fácil me adaptar ao processo de trabalho e ao dinamismo constante que o “Vai que cola” tem, afinal é algo muito incomum, diferente do que é feito tradicionalmente. É praticamente teatro na tevê, já que cada episódio é gravado ao vivo, com plateia e inteiramente no mesmo dia. E o redator final fica responsável por qualquer modificação que, porventura, precisa ser feita muitas vezes, instantes antes de gravar. E é um exercício constante escrever um roteiro em que 90% dos diálogos precisam ser engraçados, saber o tom e o tipo de humor de cada personagem e continuar sendo original mesmo depois de tantas temporadas. No final, é uma delícia. Acho que, pra um roteiro de humor funcionar, quem precisa rir com ele primeiro somos nós mesmos, os autores.
Em sua carreira televisiva você tem transitado por diferentes temáticas. Esse é um bom exercício para o roteirista?
VO: Quando comecei a carreira, nunca pensei que tivesse jeito pra isso, mas quando trabalhei em “I Love Paraisópolis” comecei a desenvolver bastante esse lado, pois a novela era basicamente uma comédia. Ceio que o bom profissional deve estar preparado para qualquer desafio, por mais diferente que ele seja. Eu, por exemplo, fui de uma novela bíblica à uma sitcom de humor. Tudo soma, tudo é aprendizado.
Qual a sua opinião sobre o cinema nacional e que filmes nacionais você destacaria?
VO: Trabalhei pouco em cinema. Tenho um longa escrito que ainda está em processo de captação e escrevi alguns curtas para a Thais de Campos dirigir. Além disso, escrevi um roteiro em parceria com Carlos Fernando Barros chamado “Operação Orquídea”, estrelado pela Norma Blum, que ganhou menção honrosa no Festival Brasil de cinema internacional. Amo cinema e adoro muitos filmes nacionais, como “Romance da empregada”, “Central do Brasil”, “Pequeno dicionário amoroso” e “Aquarius”. Estes são alguns dos meus favoritos.
No teatro você escreveu peças de repercussão, como “Bruta Flor” e “O que terá acontecido a Nayara Glória”? No caso de Bruta Flor, o espetáculo abordava a homofobia e o Brasil continua, infelizmente, líder mundial na morte da população LGBTQIA. Você acredita que um espetáculo pode ajudar na discussão deste tema em sociedade?
VO: Tenho muito carinho pelos meus textos teatrais. Acabei ficando um pouco marcado por ser um autor que aborda temática LGBTQIA+ por conta do sucesso de “Bruta Flor” e “Angel”, ambos escritos com Carlos Fernando Barros. Mas também já escrevemos uma peça infantil chamada “A bola mágica” e também tenho duas comédias já encenadas, “O que terá acontecido a Nayara Gloria?” e “Antes que amanheça”. Quando escrevemos “Bruta Flor” ficamos com receio de ser muito didático e de não contar nenhuma novidade que a comunidade gay já não soubesse. Mas a repercussão foi tão bacana, tanta gente se identificou e se emocionou, ouvimos relatos de pessoas que declararam o quanto o espetáculo foi importante na vida delas que acho que, mesmo sendo um trabalho de formiguinha, valeu a pena lutar para um mundo melhor, mais inclusivo e com mais amor e respeito.
Como está o processo de adaptação da novela “A Viagem” para o teatro? Como condensar cerca de 200 capítulos em duas horas? Creio que este deve ter sido o grande desafio?
VO: Solange Castro Neves, Thalma Bertozzi e eu já terminamos de escrever o texto e o espetáculo está em fase de captação. Não é a primeira vez que uma novela ganha adaptação teatral. Já tivemos “Vamp”, “Roque Santeiro” e “O bem amado” e acho que é um formato muito bem-vindo. Foi um desafio enorme condensar tantos capítulos em apenas duas horas de espetáculo, ainda mais sendo um musical, por isso mesmo convidei a Solange para embarcar nessa empreitada comigo, já que ela escreveu o remake com a Ivani em 1994. Seria muito bacana ter alguém do elenco da novela em nossa montagem, mas ainda não estamos em fase de escalação. Os atores, além de serem bons, também precisam saber cantar.
Que trabalhos na TV você destacaria como seus preferidos? Você consegue eleger apenas uma cena como a mais especial de todas?
VO: “Tieta”. Todas as cenas de Betty Faria como Tieta. A chegada dela em Santana do Agreste sempre me arrepia. Mas também amo a cena de “Vale Tudo” em que Raquel rasga o vestido de Maria de Fátima. Aquilo lá é uma verdadeira aula de roteiro e de interpretação.
Você acompanha a teledramaturgia em outros países? Que obras você destacaria? E no cinema mundial, algum filme que te marcou recentemente?
VO: Não costumo acompanhar telenovelas de outros países, mas destaco a Espanha que tem produzido séries muito bacanas na atualidade como “Merli”, “La casa de papel”, entre muitas outras. Já cinema mundial, acho que renderia um papo de horas, tem tanta coisa boa…. Um filme que me marcou recentemente foi “Close”, de Lukas Dhont. De uma tristeza tão bela e genuína…
Como você avalia as novelas no ar atualmente e o fato do SBT investir na linha infanto juvenil e a Record no segmento evangélico?
VO: Algumas temáticas soam um pouco repetitivas, como heroína começando a trama sendo presa injustamente e tentando provar a inocência. Minha preferida do momento é “Vai na Fé”, história atual e personagens humanos e envolventes. É uma pena essa segmentação. Sinto falta de quando as produções eram mais diversas. Ambas as emissoras já produziram novelas primorosas como “Éramos Seis” e “As pupilas do senhor reitor” no SBT, e “Essas mulheres” e “Vidas Opostas”, na Record. Que elas possam voltar a apostar na pluralidade de temas.
Você pensa em escrever outro livro? O tema seria ligado à teledramaturgia ou gostaria de escrever outros estilos, como a biografia de alguém?
VO: Eu tenho dois livros publicados: uma seleção de textos do meu blog “Eu prefiro melão” e o texto de minha peça “Bruta Flor”. Tenho alguns contos escritos que penso em publicar algum dia. Não sei se tenho talento para escrever biografia, mas se tivesse que escrever sobre alguém seria sobre Betty Faria ou Gilberto Braga, quem sabe…
PING PONG
Novela : Tieta
Filme : “O baile”, de Ettore Scola
Cantor : Maria Bethânia, Gal Costa e Ney Matogrosso.
Cidade : Paris
País: Brasil
Frase de sua vida : “Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho.” (Rita Lee)
Bordão de personagem inesquecível – “MIstéééério…” (Dona Milu em “Tieta”)
Casal de protagonistas inesquecível: Marcos e Lurdinha de “Anos Dourados”.
Melhor vilã de todos os tempos: Perpétua de “Tieta” e Odete Roitman de “Vale Tudo”.
Melhor vilão de todos os tempos : Leoncio de “Escrava Isaura”
Ator dos seus sonhos (protagonista) : Tony Ramos
Atriz dos seus sonhos (protagonista): Betty Faria


2 Comments
Patricia Borges
Excelente entrevista André! Eu assisti a novela “O astro”, mas confesso que o nome de quem trabalha por detrás das câmeras geralmente passa batido.
Parabéns ao Vitor pela brilhante trajetória.
Karen
Comecei a leitura despretenciosamente e fui até o fim com emoção! Linda trajetória do Vitor e que texto envolvente do André! Estou vendo as produções artísticas com outros olhos.