Criada por roteiristas negras,”Encantado´s” chega à Globo na próxima semana com a proposta de dar voz, protagonismo e pluralidade aos negros na TV depois do enorme sucesso no streaming

Há 25 anos seus caminhos se cruzaram ainda na adolescência e a conexão entre ambas foi imediata. Desse encontro surgiu uma amizade que dura até hoje, mas naquela época tanto Renata quanto Thais nem imaginavam que seus destinos seriam entrelaçados profissionalmente no futuro e que as duas iam criar juntas um projeto inovador, que tem feito toda a diferença no cenário artístico brasileiro: a série “Encantado´s”, sucesso de crítica e de público no canal pago Globoplay, e que a partir do dia 2 de maio também poderá ser vista pelo grande público na TV aberta em sua estreia na Globo. “É muito bom saber que a nossa história agora vai atingir milhões e milhões de pessoas. Estou ansiosa e animada. A expectativa é que mais gente se identifique com a nossa história e com os universos que estamos retratando”, justifica Thais. No caso de Renata, ela ressalta que o feedback positivo da exibição no Globoplay foi “muito bacana”, e que a ansiedade pela exibição na Globo também é enorme. “Mal posso esperar para assistir ao mesmo tempo e de ver os feedbacks em tempo real. Estou bem ansiosa”. Nesta entrevista exclusiva ao blog “Desejo de viver” tive o prazer de falar com as roteiristas Renata Andrade e Thais Pontes sobre o surgimento do projeto “Encantado´s” e da importância dele ser precursor no país por ser um projeto audiovisual produzido predominantemente por pessoas negras. “Muitos dos profissionais que fazem o Encantado´s são negros e isso só potencializa esse projeto. Potencializa tanto a história como o mercado, afinal, é fundamental a inserção de cada vez mais profissionais negros na engrenagem do audiovisual. Não só por uma necessidade de diversidade, mas porque somos bons. É importante dizer que para além das pautas de diversidade, o Encantado’s é uma comédia. Queríamos fazer rir e acho que o sucesso veio porque conseguimos isso”, destaca Thais.
Como vocês se conheceram e o que recordam dessa época?
RENATA: Éramos adolescentes que cresceram amando televisão e quando nos encontramos, imediatamente identificamos esse ponto em comum. Ficávamos horas a fio ao telefone falando de novelas. Íamos ao teatro juntas, enfim, entendemos que a nossa ligação era essa. A amizade se fortaleceu a partir disso. Hoje, somos melhores amigas. Eu fui uma criança e uma adolescente muito tímida que encontrou na leitura um hábito prazeroso e na escrita também. Sempre fui muito observadora, gostava de relatar tudo o que via e vivia. Com as redes sociais, isso passou a se tornar público. Eu tinha prazer em contar para todo mundo, familiares e amigos, e sempre me senti atraída pelo lado torto da vida (bem mais interessante, na minha opinião). Eu compartilhava essas histórias sempre com o viés do humor e transformava tudo em crônicas. Entendi que era esse o meu barato, mas achava praticamente impossível realizar. Negra, de origem simples, sem contatos… a chance de trabalhar como roteirista era muito remota e, durante um bom tempo, eu escanteei esse sonho. Fui para outro caminho. Cursei Publicidade e Propaganda, trabalhei na área, mas nunca deixei de alimentar o sonho de um dia viver como roteirista. Foi aí que pintou a oportunidade da Globo e o que me levou a ela foram justamente as minhas crônicas de redes sociais.
THAIS :Nos conectamos muito rápido porque éramos adolescentes meio estranhas. A gente gostava das festinhas, claro, mas nosso barato mesmo era ir ao teatro e ficar comentando os programas da TV pelo telefone. Éramos jovens noveleiras. Fora isso, de cara a gente entendeu que tinha o mesmo ponto focal. A gente sempre olhava para as mesmas situações e sempre enxergava alguma coisa engraçada mesmo nos perrengues. Nosso olhar para o mundo sempre foi bem parecido. Eu sempre gostei muito de escrever, mas quando era jovem não imaginava isso como profissão. Esse era apenas meu jeito de extravasar as coisas que via, ouvia e vivia. Meus diários eram cheios de textão. Fui crescendo e comecei a fazer das redes sociais o meu diário. Eu escrevia tudo o que acontecia comigo, mas sempre com as tintas fortes do humor e os amigos que liam começaram a dizer que era engraçado e que eu deveria investir nisso. Confesso que eu achava que eles estávamos apenas sendo legais. Demorei a botar fé nas possibilidades e no meu talento. Foi aí que eu e Renata começamos a fazer cursos de roteiro e um mundo se abriu. No nosso primeiro curso conhecemos o Maurício Rizzo que era o professor e, tempos depois, ele nos indicou para a seleção de roteiristas do humorístico “Zorra”. A partir daí, tudo começou a acontecer…

Vocês despontaram para o sucesso depois de uma oficina de dramaturgia para pessoas negras na TV Globo. Gostariam que esse projeto se expandisse dando oportunidade para novos talentos? Como foi o processo dessa oficina?
RENATA: Quanto mais oficinas como a que participamos acontecerem, mais espaço será dado para novas pessoas e novas narrativas. Sou muito feliz por ter chegado até aqui, por ter furado a bolha e estar conseguindo realizar o meu trabalho, mas não me contento com isso. Quero que mais pessoas negras tenham a mesma oportunidade que eu tive. E é importante que pessoas brancas entendam que é preciso criar essas oportunidades. A oficina foi um convite. Eu tinha acabado de passar na seleção do “Zorra”, tinha recém-chegado à equipe, e fui convidada pelos meus chefes na época (Celso Taddei e Gabriela Amaral) a participar da oficina, que foi um projeto deles e da Márcia Lins. Eu, uma então roteirista iniciante, tive ali a chance de assistir aulas de gente incrível que eu sempre admirei: Rosane Svartman, Adriana Falcão, enfim, uma turma que eu já acompanhava há muito tempo. Foi um privilégio participar. A partir dessa oficina tudo aconteceu. E “Encantado’s” nasceu ali.
THAIS : Com certeza. Acho que esse tipo de iniciativa deveria se expandir e ser frequente nos canais e plataformas. As ações afirmativas devem virar, de fato, ações e não só falas. O processo da oficina foi muito rico. Nós tínhamos dois encontros presenciais semanais com profissionais incríveis do mercado audiovisual. Tínhamos aula de estrutura, diálogo, ferramentas de roteiro, formatos… tudo. Foram três meses de encontros e de uma convivência enriquecedora. Dos 16 integrantes da oficina mais da metade foi contratada pela Globo e um projeto apresentado foi produzido (Encantado’s). Estou falando esses dados para dizer o óbvio: nós somos bons e talentosos. A gente precisa de oportunidade.
Como surgiu a ideia do seriado e qual a expectativa, agora, que ele irá para o canal aberto? Como é a rotina de trabalho de vocês?
RENATA : A ideia de “Encantado’s” nasceu ao final da oficina para autores negros e/ou periféricos realizado pela Globo em 2018. Nós nunca tínhamos sentado para pensar numa ideia. Aquela foi a nossa primeira oportunidade. Nós a apresentamos em um pitching e já ali a receptividade da empresa e dos colegas foi bastante animadora. De lá para cá, tudo aconteceu bem rápido.
THAIS: Quanto à rotina de trabalho, ela é bem puxada, mas é deliciosa. Nossa sala de roteiro da primeira temporada era formada por quatro pessoas: eu e Renata e os maravilhosos Antonio Prata e o Chico Mattoso (que também são os redatores finais). O nosso trabalho era super colaborativo e integrado. O Chico e Prata entraram no projeto em 2020 e foi ótimo porque eles são profissionais incríveis e abraçaram de cara o projeto e a história. O talento e experiência dos dois só potencializou o Encantado´s. Cada sala de roteiro tem o seu método, claro, no nosso caso, as etapas eram pensadas e realizadas em quarteto. Todo mundo escreveu para todos os personagens. Eram horas e horas em reunião por videoconferência pensando as tramas e levantando a escaleta, depois os quatro abriam as cenas, depois o Chico e o Prata faziam a redação final do episódio base e os quatro faziam mais uma leitura para melhorar diálogos e resolver algum possível problema. Foi um processo bem prazeroso e em sintonia tanto na redação quanto com a direção. A parceria com o diretor Henrique Sauer fez toda a diferença no produto final.
Na opinião de vocês, o que fez da série um grande sucesso? O apelo popular, a questão da diversidade ou qual outro fator? Como vocês analisam o fato da maioria da equipe (atores, roteiristas e direção) do projeto ser negra? Vocês creem que isso é um ponto importante para abertura do mercado para os negros também na teledramaturgia em diferentes frentes? O que esperar dessa segunda temporada?
RENATA : Acredito que um pouco de tudo. Parece clichê, mas a gente trouxe muita verdade às histórias e aos personagens. Às pessoas se identificam, se reconhecem e enxergam pessoas de seu convívio nos personagens e eu acho que é justamente isso o que faz com que se conectem tanto com o universo da série. O fato de termos um elenco predominantemente negro nos deu também a oportunidade de falar sobre o aspecto racial, ainda que não tenhamos necessariamente feito disso uma pauta. São questões que estão no dia a dia de pessoas negras, vivências que eu e Thais conhecemos muito bem e que não queríamos deixar de fora. Acho que isso também contribui muito para essa identificação. Acho que quanto mais produções encabeçadas por pessoas negras ou que contem com muitos de nós estiverem no ar, melhor para o acesso de outras pessoas negras, sem dúvida. Nossa segunda temporada tem a mesma essência da primeira, com a diferença que agora a gente já conhece mais os personagens e a forma com que o elenco dá vida a eles. Foi ainda mais saboroso criar as histórias.
THAIS : Acho que a identificação é um dos principais pontos do sucesso do Encantado´s e essa identificação passa pela questão racial, mas não só por ela. Quando eu e Renata pensamos nesse projeto, um dos nossos primeiros questionamentos foi sobre quem queríamos falar e quem queríamos ver. A resposta foi que a gente queria se ver na tela. Apesar da história ter as tintas fortes do humor, todos os personagens e histórias são muito identificáveis. Todo mundo conhece alguém mal-humorado como a Ana Shaula, tagarela como a Pandora, sem noção como a Maria Augusta, por exemplo. Fora isso, a questão da diversidade é um ponto importante também, claro. São 14 personagens negros com tipos e características completamente diferentes e isso é importante pra mostrar que somos muitos e diferentes. Somos plurais e não precisamos falar só sobre nossas dores e mazelas. Tenho certeza de que há poder nesse tipo de identificação e esse poder também vem da equipe que foi formada. Temos uma equipe muito potente, talentosa, unida e conectada com a história.
A partir de maio, a TV Globo, que é a maior produtora de teledramaturgia do país, estará com protagonistas negros nos 3 principais horários de novelas. Vocês acreditam que isso pode ajudar na diminuição do racismo? Até pouco tempo atrás os negros só tinham papeis secundários e agora têm a oportunidade de ser protagonistas do programa mais assistido da TV: a telenovela. Como veem esse avanço e como acreditam que isso pode impactar positivamente na sociedade?
RENATA: Vejo com otimismo, mas acho que ainda estamos dando os primeiros passos. Acho que a TV deve sempre estar atenta ao que o público diz e ao que ele quer ver. E ele quer se ver. Pessoas negras querem se ver em outros lugares e as produções atualmente no ar dão, literalmente, protagonismo a elas. Fugir do lugar-comum tão explorado ao longo dos anos pelo audiovisual é o melhor e é o que esse público, ávido em se reconhecer e em se ver em outros perfis, espera. É melhor também para o próprio audiovisual, que ganha muito com isso. O racismo é um problema muito complexo e há muitas questões a serem combatidas ainda, mas acho que a TV, ao explorar novas representações, ao investir em representações positivas, sobretudo, já contribui para chamar a atenção para o debate, tão urgente e necessário, além de mostrar quão plurais nós somos e podemos ser. Eu acho isso muito importante.
THAIS: Eu acho que a televisão tem um papel fundamental na construção de novos imaginários, sim. Antigamente, a gente só via negros na TV como empregadas, prostitutas ou escravizados. As possibilidades eram muito limitadas e limitantes. O espelho da sociedade estava quebrado. Colocar pretos, indígenas, PCDs e gays em papéis de destaque impacta positivamente, tenho certeza. Há que se naturalizar a nossa presença. Quero muito que daqui a uns anos isso não precise ser mais pauta. A diminuição do racismo envolve muitas e muitas camadas e, na minha opinião, a construção do imaginário também é uma delas.
Ainda pegando o gancho da pergunta anterior, somente 3 novelas, até hoje, tinham tido protagonistas negras com posições de destaque e todas protagonizadas por Tais Araujo: “Amor de mãe”, “Viver a vida” e “Da cor do pecado”. No entanto, “Xica da Silva era a trajetória de uma ex- escrava. Vocês viram estas tramas? Como avaliam a condução das personagens em relação ao racismo?
RENATA : Eu sempre levo em consideração a época em que essas produções foram realizadas. Embora considere algumas questões problemáticas não acho justo analisar com os olhos de hoje o que foi feito num tempo em que sequer (ou muito pouco) debatíamos essas representações. Prefiro entender que tudo é aprendizado e que esse lugar de representação positiva é um lugar de conquista nossa, pessoas negras do audiovisual que, apesar de todas as barreiras, batalhamos para que chegássemos ao lugar que chegamos hoje. O debate sobre o racismo era um ontem, é um hoje e eu espero que a gente avance ainda mais. Acredito que as novelas e séries têm um papel muito importante nisso e eu acho que nós, no “Encantado’s”, abraçamos com muita satisfação esse compromisso.
THAIS : Acho que as novelas são, de alguma forma, o reflexo do seu tempo e sociedade. Foi muito importante ver uma mulher preta fazendo uma Helena do Manoel Carlos, por exemplo, mas imagino que se fosse hoje a condução da personagem seria diferente. Na minha opinião, um dos fatores importantes da sua pergunta é se perguntar: por que só a Taís Araújo? Por que durante tanto tempo a Taís Araújo era a única possibilidade de mulher preta na TV? E, óbvio, que o talento dela é inquestionável. Acho a Taís uma das atrizes mais incríveis do país e merece todos os melhores papeis e destaques. O fato é que, por muito tempo, o mercado só enxergava possível uma única mulher preta nesse lugar e isso é muito sintomático, perigoso e até cruel com a própria Taís que era o que a gente chama hoje de “negra única” dos espaços de poder. É fundamental dar espaço para cada vez mais atores e atrizes negros brilharem e mostrarem seu talento. Temos exemplos no próprio “Encantado’s”: Vilma Melo é uma das atrizes mais talentosas que já vi, foi a primeira atriz negra a ganhar o Prêmio Shell de teatro e só agora vai ter o destaque que merece na TV (e ainda é pouco para o que ela é e merece). Há uma infinidade de atores negros incríveis que poucas vezes eram vistos ou cogitados para TV. Tudo isso pra dizer que as mudanças acontecem também para além das tramas.
Qual a opinião de vocês sobre o merchandising social na TV? Que tramas vocês acompanharam na TV que tiveram bons exemplos sociais e que ajudaram na discussão?
RENATA: “Vai Na Fé” é um exemplo de produção que promove muito bem merchandising social. Está tudo ali, todos os debates necessários e todos feitos à serviço da dramaturgia. Nada é gratuito. Tudo é apresentado e debatido de uma maneira muito respeitosa e coerente, tanto em relações às questões colocadas em pauta, quanto em relação ao público, que segue fiel à história contada. Não à toa é o sucesso que é. “Vai Na Fé” é uma novela que sabe a que veio, que conquistou o público com verdade sem deixar de lado sua função principal: a de entreter.
THAIS : Vou citar um atual: “Vai Na Fé”. Acho a novela um acerto em todos os sentidos. A trama é incrível, o texto é maravilhoso, o elenco, direção… tudo. Sou uma grande fã de “Vai Na Fé” e acho que a novela cumpre não só os quesitos dramatúrgicos como os sociais: fala de fé, racismo, ascensão social, família e tudo isso de forma natural. Acho legal quando a gente vê essas questões por vários prismas. A gente já teve “Mister Brau”, que mostrava um casal preto famoso e rico (aquilo que falei anteriormente sobre criar novos imaginários); o especial “Quando a Magia Acontece” que era uma história linda e pegava pela parte lúdica de um papai noel negro; a gente já teve “Cidade dos Homens” que mostrava a realidade nua e crua. Temos agora “Encantado’s” que mostra o cotidiano, sem focar na dor. O legal é isso, explorar todos os caminhos possíveis e mostrar as infinitas possibilidades de histórias que podemos contar. E não só histórias sobre isso, né? Autores negros não precisam falar só sobre negritude. Queremos e podemos falar sobre o que quisermos.
Que trabalhos lhe inspiraram como roteiristas? Novelas e filmes (nacionais e internacionais).
RENATA: Tudo um pouco: novelas, filmes, séries, nacionais ou internacionais. Sempre fui noveleira. Lembro de rever “O Dono do Mundo”, há poucos anos, no “Viva”, e de ficar chocada por ter assistido originalmente em 1991 àquela novela que considero meio inadequada para uma criança de 9, 10 anos. O fato é que sempre amei. Amo tanto, que revejo clássicos no Globoplay (atualmente, “Vale Tudo”), agora já como uma roteirista que pensa em um dia escrever sua própria novela ao lado de sua maior parceira de trabalho. Amava também programas de humor e eles, de alguma maneira, influenciaram na minha maneira de enxergar a vida, de sempre me interessar mais pelo caótico, que foge ao que é lido como normal.
THAIS : Ah, muitos. Vou dizer então o primeiro. Lembro do impacto que “TV Pirata” teve em mim. Lembro de assistir e pensar como devia ser legal fazer aquilo e como aquelas pessoas eram maravilhosamente loucas. Acho que ali, mesmo inconscientemente, eu entendi o que eu queria fazer. Lembro também que desde jovem eu era do tipo que olhava os créditos para saber o nome das pessoas que tinham escrito as coisas que eu gostava. Por exemplo, sabia o nome dos roteiristas do “Sai de Baixo” e o mais legal foi me ver trabalhando com alguns deles tempos depois. Mas citando outras coisas que gosto de ver: “Curb”, “The Office”, “Insecure” e as novelas… ah, novela é meu xodó, eu vejo tudo.
Falando em teledramaturgia, qual cena de novela ou série vocês mais gostaram e creem que foi um acerto: texto, interpretação e direção?
RENATA: Todas as falas ásperas de Odete Roitman na chegada dela ao Brasil. Em um jantar, Odete, pedante que só ela, critica o Brasil e destila preconceitos sem cerimônia alguma diante de familiares e amigos. “Vale Tudo” é incrível. É impressionante como tudo ali, todas aquelas discussões continuam muito atuais. E o texto de Gilberto Braga é impecável, né? Os de “Vale Tudo” são de um tempo em que as cenas eram mais longas, a gente saboreava mais as trocas, os diálogos dos personagens, e todos os momentos da personagem são verdadeiras aulas de roteiro. Era delicioso odiá-la. Tudo ali deu muito certo. Uma novela atemporal que continua tocando na ferida.
THAIS : Nossa, são muitas. Poderia citar mil, mas vou citar três clássicas: a chegada da Tieta, a cena do café da manhã de Charlô e Otávio em “Guerra dos Sexos” e a cena da revelação da vilã de “A Favorita”.
Além de Encantados, vocês já têm outros projetos em mente, como filmes, novelas, teatro?
RENATA: Temos. A nossa ideia é dar continuidade à nossa parceria. Escrevemos “Mãe Baiana” (com as atrizes Léa Garcia e Luana Xavier), que teve uma primeira exibição como cineteatro e que deve ir para os palcos em breve. No momento, estamos escrevendo uma nova peça e estamos amadurecendo um novo projeto para TV também. Esses últimos, por enquanto, não podemos falar ainda.
No caso de uma telenovela, por exemplo, onde a maioria dos temas já foi abordado, como se reinventar e atrair a atenção do público que cada vez tem mais opções de entretenimento?
RENATA : A TV sempre se reinventou, sempre se adaptou a novos cenários, novas formas de contar histórias, novos públicos e continua sendo muito forte no Brasil. Acho que manter-se atento às questões mais atuais é um caminho para quem pretende botar no ar um produto forte o suficiente para atrair a atenção de um público que, hoje, tem uma oferta maior de canais e produtos. Muitos temas já foram abordados e contados de formas diferentes, mas surge pelo menos um novo todos os dias.
THAIS : Acho que o olhar que lançamos para os temas faz com que eles se reinventem. Existem mil maneiras de abordar ideias. Acho que o público quer ver, principalmente, novos olhares e isso atrai. Inventar novas rodas é bom, mas acho que nem sempre é necessário. O importante é encontrar o público certo para a história que está sendo contada.
Vocês já declararam em entrevista que têm o desejo de escrever uma novela juntas. Algum tema em especial ou merchandising que gostariam de incluir?
THAIS : Temos muita vontade de escrever novelas, sim. O melhor é saber que hoje isso é um sonho possível. Temos ideias, conversamos bastante sobre temas, universos e já temos esboço, mas se eu contar a Renata me mata (risos). Tomara que um dia aconteça e a gente possa vir falar sobre isso aqui.
Vocês fizeram sucesso no streaming, mas, infelizmente, não são todos que têm condições de assinar um plano. Por outro lado, os serviços de streaming passaram a investir em novelas que sempre foram o carro chefe da TV aberta. Como vocês avaliam essa mudança de comportamento? Vocês creem que a novela na TV aberta pode acabar?
RENATA: Eu acho que o investimento no streaming é um investimento natural, adequado ao nosso tempo. Assim como eu vejo o Globoplay como um novo canal muito interessante e forte para que novas obras tenham vez, ainda acredito muito na força da televisão. Tudo é estratégico e sintonizado com o hoje. O público muda e as formas de oferecer conteúdo a ele mudam também. Ou se adaptam. Ainda assim, acho que não devemos esquecer da força da TV aberta que, apesar de estar sob o impacto do streaming e apesar de ter que se tornar mais competitiva, segue sendo o principal canal de conteúdo de massa do país.
THAIS: É, o Encantado’s foi bem no streaming, mas essas plataformas ainda são de acesso reduzido. A gente acha que todo mundo está vendo por que a nossa bolha está vendo. Esse fenômeno é importante de se analisar, principalmente, para responder sua última pergunta. Por isso, eu acho que não, a TV aberta não vai acabar. A parcela da população que pode pagar canais fechados ou serviços de streaming está aumentado, mas ainda é muito pequena. Acho que a TV aberta está mudando sua forma de se comunicar com o público porque o público também está mudando. Essa constante mudança é fundamental e entender as demandas e anseios do público também é. Acredito que haverá público para as novelas do streaming (na minha opinião, um acerto) e sempre haverá público para as novelas da TV aberta.
O que pensam sobre a produção de remakes? Creem que isso é prejudicial para o surgimento de histórias originais?
RENATA: Não, acho que há espaço para tudo. Adoro produções originais, mas duas das novelas do meu top 10 são remakes: “Mulheres de Areia” (1993) e “A Viagem” (1994). Além disso, os remakes sempre ganham um novo toque no tempo em que vão ao ar, o que as deixa sempre atuais, não uma mera reprodução do que foi ao ar originalmente.
THAIS : Não acho prejudicial para novas histórias, não. Gosto da ideia das novas versões. Como disse em uma resposta acima, as histórias mudam de acordo com o olhar que lançamos para ela. Pantanal foi um sucesso na Manchete e refletia o olhar daquele autor, naquele tempo, naquela sociedade. O remake de Pantanal foi um sucesso e, seguindo o rumo do arco original, refletia o olhar desse autor, nesse tempo e nessa sociedade. Os remakes vão sempre atingir públicos diferentes e isso é interessante. Claro que acho que a base da programação deve ser de tramas novas, mas salpicar remakes vez ou outra eu acho bem interessante.

