Caminhos do coração e da alma

Há momentos nas nossas vidas que recebemos sinais e, muitas vezes, não entendemos o significado ou a mensagem implícita no subtexto ou nas “entrelinhas”, e só depois de um tempo é que as coisas se revelam diante de nossos olhos. E foi exatamente um sinal de alerta seguido de um sonho que fez a terapeuta, atriz e dançarina brasileira Katia Pattaro a deixar o Brasil há muitos anos e a traçar uma nova caminhada no exterior. Com a mudança de país ela reescreveu sua história e descobriu uma nova missão de vida. Há mais de 20 anos morando na Espanha, ela desenvolve atualmente o projeto do “Círculo Consciente”, que é a integração da mente, corpo e alma (nossas três dimensões), por meio da psicologia transpessoal.

Katia é a sétima entrevistada da série especial “Lentes Brasileiras na Espanha”, que conta a trajetória de mulheres empreendedoras. Natural de Campinas, interior de São Paulo, ela define sua vinda à Europa como um “chamado”, pois foi justamente no ano de 2000 que aconteceram muitas coisas em sua vida e que a levaram a se questionar sobre sua caminhada neste plano. “Nossa alma pega caminhos que nem sempre entendemos, mas hoje sei que meu resgate aqui é muito maior”. Segundo ela, uma frase que representa seu atual momento atual é a de Carl Jung que fala sobre as diferenças entre a predominância do amor e do poder. “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor.”

O que te fez sair do Brasil e imigrar para a Espanha?

Katia: Fui assaltada com uma arma na cabeça saindo do teatro, com todo o material gráfico. Levaram meu carro, o material e o dinheiro de patrocinador. Vi naquele momento que claramente eu necessitava romper com toda a estrutura que tinha. Meses depois estava fazendo minhas malas e embarcando. Sempre quis conhecer o velho mundo, viajar e escolhi a Espanha como minha base porque passei três anos envolvida com a obra de Federico García Lorca, “ A Casa de Bernarda Alba”, e dois anos com “Divinas Palavras” de Valle Inclán. Então, esse universo espanhol já estava muito presente no meu cotidiano.

Fora a literatura, você havia tido algum outro contato com a Espanha?

Katia: Minha avó materna era filha de espanhóis. Hoje sei claramente a razão de ter vindo para Espanha, mas o que me fez ficar foi ter conhecido o pai dos meus filhos no trem que ia de Madrid a Paris, e que considero um dos outros chamados que tive no passado. Seis meses depois de conhecê-lo eu estava casada e vivendo aqui. Jamais havia pensado deixar o Brasil, principalmente pelo teatro.  Só que a vida tinha outros planos prá mim.

Como foi sair do Brasil e se mudar para Madrid e o seu processo de adaptação?

Katia: Saí pela primeira vez sozinha. A sensação foi de perder todos os meus pontos de referências e ficar à deriva. Por outro lado, foi uma das experiências mais incríveis que pude viver. Era uma época onde não havia redes sociais e nem essa facilidade que temos hoje pra se comunicar com quem tá do outro lado do mundo. Eu me vi sozinha e foi potente, desafiador e ao mesmo tempo transformador. Recomendo prá todo mundo!

Logo me casei e entrei pra uma família atípica. Minha ex-sogra era suíça e meu ex-sogro espanhol. Demorei pra sair do contexto em que vivia e olhar para Espanha com meus olhos, mas me identifico muito com esse país.  É muito familiar e amo a Espanha. A única dificuldade que tive no início era porque não falava o idioma e tive muitos desentendimentos por conta disso, mas sempre me senti muito acolhida.

Você voltaria a viver no Brasil?

Katia: Nestes anos todos que estou aqui sempre tive a oportunidade de voltar ao Brasil a passeio. Em 2013 até fiz uma tentativa de voltar a viver, mas eu senti que não era mais o meu lugar. Amo o Brasil, mas acabo de me mudar pra perto da serra de Madrid, e nesse momento, me sinto em casa.

Você se define como uma terapeuta especialista em psicologia transpessoal e em terapia sistêmica através de constelações familiares e facilitadora em teatro e dança. Qual a sua ligação com cada uma destas áreas?

Katia: Meu caminho começou com a dança que me levou ao teatro, onde fiquei por 15 anos, e que foi minha grande base. Eu me aproximei das filosofias orientais, tai chi, meditação, i ching, yoga. Além disso, passei pelo CPT (Centro de Pesquisa Teatral), de Antunes Filho, e ali conheci mais de perto uma literatura que carrego comigo até hoje, sobre mitologia, psicologia arquetípica, universo holográfico, simbologia, a psicologia de Carl Jung. Eu nem imaginava que um dia esse mundo terapêutico me chamaria a atenção. Anos depois comecei uma formação em psicologia transpessoal aqui em Madrid, na “Escuela Española de Dessarrollo Transpersonal”. Então, tudo fez sentido pra mim e me ajudou a completar o quebra-cabeças, a entender minha trajetória e a começar uma nova caminhada profissional.

Então, foi como uma redescoberta do caminho que você seguiria dali por diante?

Katia: Durante essa formação em Madrid, conheci várias outras ferramentas terapêuticas relacionadas à psicologia transpessoal, mas foram as constelações familiares que me fizeram sentir pela primeira vez um lugar diferente, e me apaixonei primeiro pelo trabalho pessoal que ela me possibilitou até me especializar nesse tema. Hoje, o trabalho que realizo com as constelações realmente me possibilita exercer minhas habilidades em todas essas áreas, e me realizo com cada constelação, que nada mais é do que a representação mais pura da vida acontecendo e se ajustando.

Como surgiu a ideia do Círculo Consciente/ Constelações Familiares?

Katia: Sempre amei grupos, eu mesma venho de grupos. Já trabalhei em organização de eventos, e a vontade de ter um espaço acolhedor para reuniões e encontros, sempre foi meu sonho.  O Círculo Consciente nasceu dessa vontade e da fusão de várias técnicas terapêuticas dentro da psicologia transpessoal. E desde essa perspectiva, busco proporcionar encontros que estejam relacionados com essa necessidade de integrar todas as nossas esferas, sair da mente e levar nosso sentir desde o coração. Trabalho com Círculos de Mulheres, Constelações Sistêmicas em Grupo, Meditação Integrativa, Clown Terapêutico e Retiros Urbanos de um dia.

Você já realizava esse trabalho terapêutico especializado no Brasil?

Katia: Tanto no Brasil como aqui até 2008 eu só havia trabalhava com teatro. Foi a partir de 2015 que mudei totalmente o rumo. Assim como o teatro, a terapia me chamou, claramente, num desses momentos em que soltamos o controle e nos deixamos conduzir por um sentir maior.

Como foi a recepção do público espanhol ao seu trabalho?

Katia: Minha formação toda foi aqui e isso fez com que a recepção pelo público espanhol fosse ainda maior. Pelo fato de ser brasileira muitos me procuram justamente pela língua porque qualquer processo terapêutico passa pelo coração e queremos alguém que abrace a nossa língua materna. Atendo tanto homens como mulheres, embora a procura pelas mulheres seja maior. Tenho projetos futuros para integrar pais e filhos em encontros onde possamos reunir toda a família.

Você se definiria como uma mulher empreendedora em sua área? Seu projeto foi baseado em algum outro modelo já existente?

Katia: Estou empreendendo pela primeira vez com esse espaço e tenho aprendido muito. Ainda estou engatinhando como empreendedora, mas gosto dessa organização que pede um espaço como esse e de pensar numa equipe trabalhando para facilitar esse acompanhamento humano que hoje se faz tão necessário. Estou aberta a parcerias para que isso aconteça da melhor maneira possível. Centros como esse existem, não é algo novo no mercado, mas a forma como abordamos nossas propostas terapêuticas é diferente. Hoje tenho minha maneira de trabalhar com meus grupos e essa criação é a parte mais apaixonante desse caminho.

Como você vê a posição da mulher atualmente na sociedade, principalmente com relação à entrada dela em projetos empreendedores?

 Katia: A mulher já teve que brigar muito para se posicionar no mercado de trabalho e ainda segue brigando porque seguimos vivendo desigualdades em muitas áreas, mas chegou um momento em que nos perdemos no extremismo e num feminismo tóxico, que é um movimento natural. O pêndulo sempre vai oscilar para o outro extremo até que se ajuste no centro. Vivemos um momento em que muitas mulheres estão se dando conta desse extremismo e buscando resgatar esse feminino sagrado, que fomos perdendo por conta da nossa história de luta contra o patriarcado, porém, é absolutamente necessário esse resgate, para que a mulher volte a se conectar com sua parte intuitiva e reconheça o seu poder feminino sem necessidade de diminuir o poder masculino. A grande beleza está justamente no equilíbrio dos dois.

Você parece ser muito mística e espiritualizada. Acredita que esse seu projeto faz parte de alguma missão que você tem aqui na terra?

Katia: Acredito que somos seres espirituais vivendo uma experiência humana, tal como já dizia o padre jesuíta e teólogo Pierre Teilhard de Chardin, e todos temos um caminho de aprendizado a percorrer, cada um dentro da sua esfera, com programas e propósitos. Sempre me senti chamada para as coisas que fiz, e sempre fiz caso a essa voz interna que vem do coração, aos sinais do Universo e não me arrependo. Penso seguir vivendo desde essa perspectiva e falar sobre isso realmente se tornou uma missão.  Tenho um canal no YouTube: Círculo Consciente, onde apresento um material interessante pra quem quiser se aventurar por esses caminhos transpessoais.

CONTATOS KATIA PATtARO 

https://www.katiapattaro.com/ (site)

https://www.youtube.com/@CirculoConsciente (youtube)

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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