Um cigano pelo mundo

Muitos já me disseram que tenho alma cigana. Na verdade, acho que tenho mesmo! Eu me orgulho por nunca ter tido medo de ousar, de viver aquilo que tive vontade de viver sem ficar pensando se o caminho tomado me levaria à felicidade ou se seria um erro. Nossa vida é muito curta para ficarmos adiando sonhos e desejos.

Um dia talvez, amanhã, quem sabe um dia, daqui alguns anos…Estas são afirmações que não fazem parte do meu vocabulário, ou melhor, até fazem, mas tento evitá-las em meu cotidiano. 

Se eu tenho vontade de fazer alguma coisa eu vou lá e faço independente das consequências. Riscos? Eles sempre vão existir nas nossas vidas, mas se não arriscarmos nunca saberemos se poderia ter dado certo, não é mesmo?

Acho que por isso sempre odiei a palavra rotina. Sabe aquela síndrome de domingo quando você ouve a musiquinha do Fantástico (TV Globo) e se recusa a pensar que a segunda-feira está próxima? Sempre padeci desse mal. Nunca gostei de domingo porque sabia que a segunda-feira seria novamente igual à anterior, e assim sucessivamente. Isso até que decidi quebrar essa síndrome e viver coisas novas.

Talvez isso explique minha identificação com os ciganos e com os artistas de circo. Infelizmente como jornalista ainda não tive o prazer de entrevistar o povo cigano, mas eu mesmo já os pautei para o futuro.

Mas já que o tema dessa crônica é falar sobre viagem, vamos lá! Ah, como é bom viajar! Pegar a mala ou simplesmente a mochila e sair pela estrada sem hora e nem rumo para voltar. Há quem adora planejar tudo. Eu vou na contramão. Compro a passagem e viajo sem pensar muito; aliás, penso sim, mas em curtir aquele momento.

E foi assim em 2008, quando decidi fazer meu primeiro intercâmbio estudantil. Eu estava morando e trabalhando em Florianópolis (SC). Amava minha vida, a cidade, o trabalho como repórter num jornal local, enfim, não tinha motivos para sair de lá, mas minha alma cigana me atormentava há muito tempo. Foi então que fui à uma agência de viagens e falei para a agente: “Quero viajar para o exterior e fazer um intercâmbio”. Ela me ofereceu as opções tradicionais: EUA, Canadá, Inglaterra, e Cape Town (África)… Apesar de ter desejo de conhecer esses países, eu queria algo diferente. Nunca quis coisas muito comuns. Então, ela me ofereceu Dublin, na Irlanda, e essa me pareceu a melhor opção porque meu visto de estudante permitia o trabalho de até 20 horas semanais.

Confesso que já tinha ouvido falar da Irlanda, mas de Dublin, tenho que ser verdadeiro: eu não sabia absolutamente nada daquela cidade. Voltei naquela tarde animado para minha casa. Comecei a pesquisar tudo que achei e fui me encantando pela “ilha da esmeralda”- nome carinhosamente como é conhecida a Capital- O que mais me fascinava era que a agente havia me dito que tinha poucos brasileiros no país e a cultura era totalmente diferente da nossa. Pronto! Eu já havia decidido meu destino.

Foram apenas dois meses de espera (longa espera para um canceriano de corpo e alma) até desembarcar em Dublin, em 23 de setembro de 2008. Pedi demissão do trabalho e me joguei literalmente nesse sonho.

O frio na barriga, o medo da imigração – mesmo estando totalmente legal como estudante; as primeiras palavras em inglês; a felicidade de cruzar os portões do aeroporto e de ver um país diferente de tudo o que eu já tinha visto até então foram sensações únicas, lembranças que nunca sairão da minha mente.

Lembro-me como se fosse hoje do abraço que dei em meu companheiro de viagem, Fernando, e da felicidade em saber que estávamos realizando aquele sonho juntos. Subir naquele famoso ônibus de dois andares a caminho do hostel foi outra sensação inesquecível que vivemos.

Juntos, entramos na Irlanda cheios de sonhos mas, principalmente, com o coração aberto para que aquela viagem desse certo. Logo de cara amei tudo o que vi, mas no primeiro dia de aula e depois de percorrer o centro da cidade percebi que havia sido enganado numa coisa: havia muitos, mas muitos brasileiros.

Na minha classe, os 15 estudantes eram brasileiros. O meu curso de inglês acabou se transformando em “conversa de amigos”. Sei que vão me perguntar: mas o objetivo não era aprender inglês? Era, claro, mas existem outras coisas importantes num intercâmbio, como a experiência de vida que tiramos disso tudo, e eu posso dizer que essa, sem dúvida, foi a melhor da minha vida.

No total, fiquei um ano fora do Brasil: sete meses em Dublin e cinco em Lisboa. Trabalhei, estudei, fiz amigos, conheci a neve, passei muito frio, chorei, ri, enfim: vivi…

E essa foi apenas a primeira viagem. Depois, vieram muitas outras e a experiência de viver fora me contagiou completamente a ponto de me levar para outros países, como EUA, Itália e, mais recentemente, Espanha- país que vivo há dois anos e meio-, mas que já morei um ano no passado. Porém, isso é tema para outras crônicas. 

A decisão de deixar tudo para trás por um sonho, muitas vezes, pode até ser arriscada, mas só quando decidimos correr esse risco é que temos a dimensão exata se a nossa escolha foi acertada ou não.

No meu caso, posso dizer com convicção que todas as vezes que arrisquei tive um resultado positivo. O medo é uma palavra que não consta do dicionário dos sonhadores. Viver é preciso, e se vive de sonhos!

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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