Diário de um imigrante- Cap 11- Irlanda

Quando estamos fora de casa os sentimentos se afloram com mais intensidade. É como se ficássemos mais frágeis e desprotegidos sem o apoio da família e dos nossos amigos por perto, por isso, rodear-se de pessoas boas e com energia positiva é um dos segredos para conseguir ter uma experiência positiva no exterior, pois vai ter muitas horas que baterá uma tristeza, um saudosismo, uma nostalgia, e se você não se cuidar acabará entrando em depressão. Em Dublin, graças a Deus, eu não fiquei em nenhum instante deprimido, talvez, triste, mas tive muitos amigos que tiveram depressão e anteciparam o retorno ao Brasil antes do tempo. Eu estava tão feliz de estar ali e com uma pessoa especial que eu amava incondicionalmente: Fernando (Fer), que nada mais me importava. Era o sonho de muitos anos se concretizando diante dos meus olhos depois de anos de sofrimento por escolhas erradas e por complexos que tinham me bloqueado.

Claro que fazer imersão em uma cultura totalmente diferente da nossa é um processo complicado e que requer entrega, mas eu me sentia totalmente entregue àquela experiência. Só que eu nem imaginava que o ardiloso destino que havia me dado um pouco de paz e sossego nos últimos anos voltaria a atacar-me ferozmente meses depois da minha chegada à Irlanda me obrigando a sacar um plano B de última hora da cartola.
No entanto, este capítulo do “Diário de um imigrante” é reservado a momentos de contrastes vividos por um intercambista. Neste capítulo, em especial, vou concentrar-me em contar alguns episódios engraçados e inusitados dessa minha experiência em terra irlandesa antes de entrar no terreno mais seco e triste da minha despedida precoce de Dublin em 2008 (voltaria a viver ali em 2016).
O encontro com Jéssyka (Jé), Rômulo e Davi em frente ao prédio do Correio naquela tarde chuvosa de setembro de 2008 foi só o início de uma amizade que foi se fortalecendo dia após dia, principalmente com Jé. Posso dizer com plena convicção, sem medo de errar, que apesar de pequenina de tamanho ela era uma fortaleza de mulher. Forte, expansiva, alegre, sempre com um sorriso no rosto e uma palavra amiga. Em poucos dias já éramos amigos íntimos a ponto de frequentarmos a casa um do outro. Todos estávamos no mesmo barco: desempregados! E viver com pouco dinheiro na Europa é tarefa para guerreiros. Então, depois de um dia exaustivo de busca por trabalho sempre marcávamos algum jantar ou na minha casa ou na dela. Tudo era motivo para estarmos juntos. Um dava força para o outro e não deixava a peteca cair.

Fer e eu tivemos muita sorte de encontrar uma casa praticamente colada à nossa escola. Ficava a menos de 10 minutos caminhando e cuja rua dava acesso à famosa ponte sobre o rio Liffey. O local era perfeito: em Dublin 1, região central da cidade.


O apartamento que alugamos era grande, com dois quartos, um deles, já ocupado por um casal de brasileiros: GIOVANNA e MARCELO. Nós alugamos o outro quarto, mas tivemos que compartilhar com um sueco: YOHANIS. Havia uma cama de casal e uma de solteiro. Eu adorei a ideia porque seria a minha oportunidade de praticar inglês, mas foi um ledo engano porque os horários dele quase não batiam com o nosso e ele estava de mudança para outra casa. Com sua saída, acabamos convidando ANA PAULA (a garota que encontramos no aeroporto) para viver com a gente (nosso maior erro). Com o passar dos dias, ela foi mostrando sua verdadeira faceta, assim como Giovanna. Imagina duas cobras prontas a dar o bote? Elas tinham uma energia muito pesada. Giovanna posava de amiga na frente, mas suas frases de efeito, as brincadeiras sarcásticas e seu olhar não me enganavam. Era uma vilã clássica de novela. Com o tempo, eu descobri que vivia com duas “ALICINHAS”, personagem impecável vivido pela atriz Cristiana Oliveira na novela “O Clone”. A moça de fala mansa, simpática, mas que por trás era um demônio capaz de tudo para conseguir o que queria. Tanto Giovanna quanto Ana Paula eram perfeitas neste papel e devem ter feito escola com a personagem tamanha a falsidade.

Giovanna ainda disfarçava um pouco mais, porém, Ana Paula já nem procurava disfarçar seu incômodo com a nossa presença na casa- isso porque fomos nós que a convidamos-. Ela se incomodava com tudo, principalmente quando recebíamos visita de amigos. Dizia que ali não era um parque de diversões ou uma feira, e que ela não queria contato com mais brasileiros porque havia ido ali para estudar e não para fazer amizades. Então, fazia cara feia para nossos amigos. Mexa comigo, mas não mexa com meus amigos. Coração de canceriano é assim. Sempre cabe mais um, e no nosso caso era duplo porque Fer era canceriano também. Eu fazia aniversário em 2 de julho, e ele em 9 de julho. O clímax da relação com Ana Paula foi na famosa noite “pós-cachorro quente”.
Ela se queixou para Giovanna e Marcelo, às nossas costas. que eles deviam restringir as visitas porque a casa estava virando uma sucursal de autoajuda e que as pessoas que iam até lá, nossos amigos, no caso, gastavam água, papel higiênico, e atrapalhavam seu momento de descanso. Quando descobrimos fomos tirar satisfação e dissemos que não íamos deixar de receber nossos amigos porque ela se sentia incomodada. Então, ela surtou e decidiu fazer suas marmitas da semana.
Era um domingo à noite, e Giovanna e Marcelo haviam saído para uma festa e ela aproveitou-se disso para dar seu show. Batia as panelas loucamente como uma ex-participante do Big Brother Brasil, Tina, que ficou famosa por uma cena semelhante no reality global. Ana Paula estava literalmente possuída naquela noite. Fer era mais esquentado que eu e decidiu retribuir à altura. Saiu pela casa batendo tudo que encontrava. Era um recital gratuito de panelas e colheres em diferentes tons. No outro dia, Ana Paula decidiu sair da casa e acabamos alugando sua vaga para outro rapaz (LUCAS), que se mostrou ainda mais problemático que ela (em outra oportunidade falarei sobre ele).

CONSELHO DE OURO: Escolha muitooooo bem as pessoas com quem você vai viver no exterior Antes de fechar uma vaga trate de saber sobre a rotina da pessoa, seus interesses, horários e como ela lidaria com seus hábitos, pois afinal de contas viver em um ambiente tóxico contribui muito para a mudança do seu estado de espírito e influencia diretamente no seu dia a dia. Eu passei vários perrengues com pessoas loucas, mesquinhas, falsas, maldosas e tudo isso me prejudicou bastante, mas por outro lado, também fiz amizades maravilhosas e que se transformaram em uma família para mim.
TEVE MADONNA À MODA BRASILEIRA EM DUBLIN
Já estávamos há semanas em Dublin e ainda não tínhamos saído para festejar. Fer era ainda mais festeiro que eu, mas eu ia no seu embalo. Claro que se fosse olhar nossa situação financeira não haveria muitos motivos para comemorar. Todos meus amigos estavam desempregados, mas a gente não entregava os pontos. De manhã, saíamos em grupos entregando currículos nos pubs, restaurantes, bares, padarias e mercados ou então reservávamos uma hora de internet grátis na biblioteca para mandar currículos. Tanto Fer quanto eu não tínhamos ainda computador e isso nos limitava muito.
Nos finais de semana nos permitíamos conhecer mais a cidade. Fer e Jéssyka pareciam duas crianças vendo as vitrines de lojas famosas da Grafton Street, uma das mais luxuosas de Dublin. Eles levavam cachecóis e casacos diferentes, e faziam a festa ali mesmo. Era uma sessão de fotos ao ar livre na gelada Dublin. Antes de sair de casa Fer já havia retocado a maquiagem de Jé para as fotos e feito o seu cabelo. A “loira”, como eu a chamava, era vaidosa e já que estava em Dublin tinha que brilhar, e não é que ela brilhou mesmo? De cantora à atriz sem falar nada de inglês, a danada fez história na cidade.
Era uma sexta-feira comum como qualquer outra, mas havia algo especial prestes a acontecer: nossa festa oficial de chegada à cidade. Passamos o dia planejando uma ida à noite para a “The George”, a boate gay mais animada e famosa de Dublin. Jéssyka nunca havia ido à uma festa gay e estava animadíssima, mas havia um problema: seu namorado Rômulo e o amigo Davi estavam muito reticentes com a ideia.
Para eles, meninos do interior de São Paulo, que nunca haviam convivido tão de perto com um casal gay já seria ultrapassar limites ir à uma boate gay, mas nossa convivência foi tão boa com eles que viram que éramos um casal como outro qualquer e que nunca atravessaríamos o sinal do respeito. Era uma mão de via dupla. Dávamos respeito a quem nos tratava com igualdade. Acabamos convencendo-os a ir e convidamos Lucas e Juliana (Ju), outra moradora da nossa casa e que se tornou uma grande amiga também. Vivíamos em sete adultos na mesma casa com um só banheiro. Loucuras de intercambistas para economizar dinheiro, e que aconselho só em último caso.
Naquela noite, Fer, óbvio, ficou responsável pela maquiagem e cabelo das meninas. Elas estavam lindas e radiantes. Ele era muito bom nisso e fazia com carinho e maestria. Definitivamente esse não era meu dom. Eu não entendia nada de cabelo ou maquiagem (no retorno à Portugal contarei um episódio muito engraçado sobre isso e uma situação constrangedora que vivi e onde tive que disfarçar que entendia de maquiagem).
Ir à boate era um desafio porque fazia muito frio em Dublin, e prá piorar, a chuva não dava trégua. Imagina você morar numa cidade onde praticamente chove todo dia??? O pior não é a chuva, mas o vento gelado que te congela. Eu gostava, mas meus amigos e Fer odiavam frio. Para amenizar, o que a gente fazia era um “esquenta” em casa. Comprávamos as bebidas no mercado (é muitoo barato) e bebíamos tudo que podíamos antes de chegar à festa porque lá sempre era muito caro (um copo de cerveja, no mínimo, custava 8 euros, R$ 45 no câmbio de hoje). Essa “calibrada” ajudava a tornar o frio um pouco mais “suportável”. Mesmo assim, a gente tinha que sair com cachecóis, luvas e gorros para qualquer coisa que fôssemos fazer.
A entrada na “The George” foi algo inesquecível para todos nós. Era a nossa primeira festa todos juntos. Fazia muito tempo que a gente tinha essa necessidade de sair um pouco e arejar porque a rotina de buscar trabalho durante o dia e estudar à noite não estava sendo nada fácil. Fer vivia gripado.
Os meninos estavam com muito “medo” da boate. Na cabeça deles, boate gay era um lugar onde todo mundo “se pegava” e que não havia respeito por heterossexuais. Com receio de serem “atacados” por algum rapaz mais ousadinho eles não se desgrudavam de Jéssyka e de Ju. Os três ficaram a noite toda com vontade de fazer xixi, mas não tiveram coragem de ir ao banheiro e me confessaram isso só no outro dia.


Enquanto isso, dona Jéssyka havia sido extremamente ousada. Sabendo que quem se aventurasse a subir no palco ao lado das duas drag queens da noite e se arriscasse a cantar no karaokê, ganharia uma caixa de cerveja ela não pensou duas vezes: se inscreveu secretamente no concurso mesmo sem falar nada de inglês. A única música mais conhecida da lista era “Like a virgin” da Madonna. E não é que ela se atreveu a enfrentar uma plateia repleta de irlandeses e estrangeiros por aquela caixa de cervejas? Ela fez tudo isso em segredo combinada com Fer. Quando eu ouvi no microfone o nome de Jéssyka eu estava no segundo piso com os meninos. Eu me aproximei da grade e não podia acreditar. Era ela mesmo!
A minha amiga de Botucatu, interior de São Paulo, havia vencido a timidez e estava no palco. Eu que sou cara de pau não teria tido a coragem dela, principalmente porque as drags costumam brincar antes e depois das apresentações e eu ia ficar muito constrangido, mas Jé tirou de letra. As drags começaram a falar coisas em inglês, mas com o acento irlandês carregado e com a música de fundo alta era impossível, muitas vezes, até mesmo para um irlandês nato entender o que estavam dizendo. Jé só respondia que não falava inglês e dizia: “I am from Brasil.. I am from Brasil”. A plateia a ovacionava antes mesmo da apresentação. Na Irlanda, que é um país muito festeiro como o Brasil, somos bastante respeitados por ser bons trabalhadores e por sermos pessoas alegres. E Jé era o sinônimo de alegria.
Quando começou a música, a boate praticamente parou para vê-la. Todos aplaudiam sua performance. Ela dublava e ainda fazia questão de dançar. Sem falar nada de inglês, mas com um carisma invejável Jéssyka com menos de 1, 60 m de altura incorporou lindamente a Madonna naquele palco a ponto das pessoas pedirem bis. Ela foi eleita a melhor da noite desbancando candidatos irlandeses. Realmente o carisma brasileiro era imbatível. Se não bastasse uma caixa de cerveja, ganhamos duas e celebramos aquilo como se fosse um prêmio.
Jé nos representou lindamente. Mais do que isso: ela era a prova viva e real de que nossos sonhos estão ao nosso alcance. Basta acreditar! Quem diria meses atrás que todos nós estaríamos ali juntos em um outro país, lutando e batalhando por um futuro melhor e comemorando num palco de um karaokê o fato de termos chegado até ali. Deixar o conforto de nossa casa, muitas vezes, um trabalho, e se aventurar rumo ao desconhecido não e fácil. Tem que ter muita determinação e éramos vitoriosos por isso.
A performance incrível de Jé me fez lembrar uma cena inesquecível de “Cambalacho”, novela de 1986, com Fernanda Montenegro como protagonista. Nela, a personagem da atriz Regina Casé vivia a aspirante à cantora Tina Pepper e sonhava em ser famosa como sua ídola: Tina Turner. De tanto batalhar, ela conseguiu fazer sucesso e se apresentar no programa do Chacrinha, que era o programa de auditório mais famoso da televisão brasileira. A apresentação de Tina é até hoje lembrada pelos noveleiros de plantão como uma das mais cômicas da história da teledramaturgia. Jé era a nossa Tina Pepper em Dublin.

O PRIMEIRO EMPREGO NO EXTERIOR A GENTE NUNCA ESQUECE
A noite na The George havia sido fantástica. Ver a nossa Madonna tupiniquim e ao mesmo tempo relembrar de outra diva: Tina Turner havia sido maravilhoso, mas era hora de deixar a fantasia de lado e encarar a vida real. Gastando em euro todo dia sem entrar nada de dinheiro, minha preocupação era ficar sem economias e ter que voltar para o Brasil antes do tempo. Eu me sentiria muito derrotado se isso acontecesse, mas a preocupação já batia à porta.
Havia perdido a noção de quantos currículos tinha distribuído pela cidade e nenhuma ligação. O inglês, infelizmente, não avançava, e isso também era um impedimento extra. Ana Paula ao menos tinha razão em uma coisa: o objetivo do intercâmbio era aprender inglês, mas falando português o dia todo, inclusive nas classes de inglês, não íamos sair de lá nem falando o verbo “to be”.
Fer teve a sorte de conhecer uma menina na escola que lhe indicou para fazer o cabelo de uma outra amiga, e essa moça comentou com outra amiga que havia conhecido um rapaz brasileiro e que ele e seu namorado, no caso, eu, estávamos em Dublin há mais de dois meses sem nada de trabalho. E foi assim que chegamos até SHEILA. Paulistana, ele já vivia em Dublin há mais de um ano e estava casada com um polonês chamado CEZARY, que havia conhecido em Dublin.

Sheila nos ligou dizendo que trabalhava em uma gráfica e que estavam precisando de pessoas para sua equipe e que se quiséssemos ela nos indicaria. Aquela podia ser a nossa salvação para ganhar dinheiro, pois as nossas economias estavam indo embora rapidamente e tínhamos que pensar que o dinheiro era para viver um ano. Eu não tinha mais de onde tirar, e tampouco Fer.
Assim que marcamos de conhecê-la numa manhã bem cedo, pois o expediente na gráfica começava as 9 da manhã e ia até às 17 horas. Havia uma hora de intervalo. Marcamos de encontrá-la perto do tradicional Trinity College, cuja biblioteca serviu como cenário para um dos filmes da saga do “Harry Porter”. Como sempre, era mais uma manhã fria e chuvosa em Dublin. Fer odiavaaaaaaaaa acordar cedo e sempre despertava mal humorado. Eu, pelo contrário, acordava elétrico logo de manhã.
Naquele dia tive que esforçá-lo para tirá-lo da cama, mas acabei convencendo-o porque era importante conseguir um trabalho. Fomos literalmente encapotados para o ponto de ônibus. Chovia forte e o vento era insuportável. Fer, muito irritado, dizia que não sabia até quando aguentaria aquele clima (ele era muito solar e o tempo de Dublin sempre chuvoso, cinza e frio não ajudava em nada), mas ao longo do dia o seu humor ia melhorando e ele acabava se divertindo.
Enquanto esperávamos Sheila o guarda-chuva quase foi levado pelo vento. A chuva havia apertado e para nos proteger acabamos nos abraçando, mas os sapatos já estavam enxarcados, assim como nossos casacos. Quando vimos Sheila foi empatia imediata. Assim como Jéssyka, ela tinha um sorriso encantador e acolhedor, e descobrimos ali que seriamos grandes amigos. Coincidentemente era outra canceriana, assim como Fabiana, nossa outra grande amiga. Cancerianos se entendem só com o olhar. Ela nos acolheu imediatamente e disse que ia nos ajudar.
Na viagem de ônibus até a gráfica que durava mais de 40 minutos fomos nos conhecendo melhor. Ela contou sobre sua vida na Irlanda até ali, e nós testemunhamos nossas primeiras aventuras em solo irlandês.

Ao chegar na gráfica fomos apresentados a STEVENSON, um irlandês, gerente do local, e que não se mostrou muito simpático com nossa chegada. Na verdade, ele queria só mulheres, mas acabou aceitando a indicação porque era de sua flatmate (companheira de piso),e que era amiga de Sheila. O trabalho, aparentemente, fácil se mostrou um pesadelo para mim. Tínhamos que colar algumas peças, mas era importante ter agilidade e que elas ficassem pregadas corretamente sem nenhum espaço. As instruções eram dadas em inglês e ele ficava supervisionando tudooo. Cada peça que você colasse errado era prejuízo de papel e tempo. Éramos tratados como robôs. Ele dava o comando, ditava as ordens e tínhamos que produzir em ritmo acelerado. Não era permitido conversas paralelas, exceto quando ele não estava por perto. Todas as meninas eram brasileiras. Os únicos homens éramos Fer e eu, mas sempre desconfiei que ele pudesse ser homofóbico porque não era nada simpático com a gente. O salário era a média que se pagava na Irlanda, mas o ritmo de trabalho muito puxado. Fer trabalhava e lidava muito melhor em situações de estresse. Eu, ao revés. Eu ficava nitidamente nervoso e me descontrolava. De todos da equipe, de longe, o menos produtivo era eu, e Steve havia percebido isso e não me deixava em paz. Ao invés de deixar que me dessem instruções em português, ele insistia em falar inglês mesmo sabendo que o meu era péssimo. Com isso, o meu stress só aumentava e quando ele estava se aproximando eu me descontrolava ainda mais. Todos tinham pena de me ver naquela situação, mas como todo mundo precisava do trabalho (estava impossível conseguir qualquer coisa), ninguém se atrevia a passar por cima de suas ordens. Na hora do almoço era o único momento que eu podia dizer que sorria no dia. Como era bom ouvir pessoas falando em português. A gente fazia um verdadeiro picnic com bolos, tortas, sanduiches, e depois com o tempo começamos a levar marmitas.

Fiquei nesse trabalho só duas semanas e Steve avisou que eu não precisaria voltar mais. Estava me demitindo por baixa produtividade, mas disse que ficaria com Fer caso ele quisesse por mais algumas semanas, mas ele não aceitou porque também odiava o trabalho, pois tinha que acordar muito cedo e ele não achava justo me deixar sozinho. O bom que para Fer nessa época começaram a aparecer alguns trabalhos freelancers de estética. Uma menina foi indicando para outra e ele começou a ter algumas clientes fixas, dentre elas, um grupo de garotas de programa brasileiras que lhe pagavam taxi e lhe serviam até champanhe para que ele fizesse escova e maquiagem. Jéssyka que era cabeleira no Brasil também foi ensinando corte de cabelo masculino e tintura para ele, e Fer foi se aventurando nestas áreas.
Mas, no meio do caminho veio a crise mundial de 2008 que atingiu em cheio a Irlanda. Se a busca por emprego estava difícil, ficou ainda pior. E, agora? O que íamos fazer?

O desespero bateu fortemente e pela primeira vez eu me vi sem forças. Desistir era uma opção? Não!!! Eu havia chegado até ali e iria lutar até o fim. Buscaria forças de onde eu não tinha. Minha mãe me havia ensinado isso. Era na força daquela mulher que mesmo com tantos tombos da vida nunca desistiu de lutar e de viver que eu me espelharia e venceria.
VEM AÍ: Como a crise influenciou nossa rotina, novas e importantes amizades na escola e o jantar mais inusitado e louco de nossas vidas, e que sem dúvida mereceria o troféu do maior perrengue meu como imigrante em todos os países onde vivi.

