Diário de um imigrante – Cap 12

Animais e natureza em plena sintonia num dos cartões postais de Dublin: o Phoenix Park

A crise financeira de 2008 afetou muitos países em todo o mundo e a Irlanda foi uma das economias mais atingidas. Considerada por muitos economistas como a pior crise econômica desde a Grande Depressão, a crise ocorreu devido a uma bolha imobiliária nos Estados Unidos, causada pelo aumento nos valores imobiliários, que não foi acompanhado por um aumento de renda da população. Isso foi um verdadeiro golpe para muitos de nós que estávamos ali vivendo a primeira experiência de nossas vidas como intercambistas.

Eu, particularmente, havia escolhido a Irlanda porque o visto de estudante me permitia trabalhar legalmente. Minha primeira opção antes de Dublin havia sido as belíssimas paisagens de Cape Town, capital da África do Sul , inclusive, Fernando e eu havíamos tomado as vacinas contra febre amarela em Florianópolis- já que eram obrigatórias para a entrada no país.

No entanto, de última hora, fomos atraídos à “ilha da esmeralda” porque o visto de estudante nos permitia trabalhar legalmente no país, mas isso só no papel porque com a recessão as coisas pioraram muito e o desespero foi tomando conta de todos nós que estávamos ali como estudantes. Os empregos foram ficando cada vez mais escassos, e os empregadores preferiam cautela antes de contratar novos funcionários porque ninguém sabia quanto tempo duraria a crise.

Fernando e eu havíamos viajado com o dinheiro contado, ou seja, se acabassem nossas economias não teríamos de onde tirar mais. Era uma situação difícil. Eu não queria me dar por vencido. O clima frio, a chuva constante e as primeiras decepções com amizades eram o chamariz perfeito para desencadear uma depressão, e tivemos que ser fortes para não deixar que ela nos atingisse. Tive amigos que decidiram voltar ao Brasil antes que a depressão os afetasse.

No capítulo de hoje do DIÁRIO DE UM IMIGRANTE falarei, dentre outras coisas, sobre um dos temas que mais atraem a curiosidade dos imigrantes: o TRABALHO NO EXTERIOR. Para isso, contarei a trajetória de uma das minhas melhores amigas de Dublin e que entrou para a minha vida: FABIANA.  Sua trajetória na Irlanda, assim como a minha, não foi nada fácil. Espero que sua experiência sirva de exemplo e de alerta para outras pessoas que pensam em viajar.

Fabiana lutou muito para realizar o sonho de fazer um intercambio, mas o destino lhe deu várias rasteiras

“GOLPE NA GRINGA”: Muitos pensam que a vida no exterior significa status, glamour, viagens e somente coisas boas, mas isso só na teoria porque, na prática, a história é totalmente diferente para a maior parte dos imigrantes que precisam batalhar muito pra sobreviver fora de casa. A vinda da Fabiana (Fabi), por exemplo, foi motivada pelo coração. Na época, ela estava apaixonada por um rapaz alemão (MANOEL) que havia conhecido no Brasil e com quem havia tido uma relação de quatro anos entre idas e vindas. 

Com o retorno dele para a Europa, Fabi decidiu que assim que tivesse condições iria viajar e viver com ele no exterior. Tinham planos de casar. Para isso, ela se sacrificou trabalhando em dois turnos como babá e secretária. Tentou aprender alemão, mas não conseguiu e o plano B foi ir para Irlanda primeiro, aprender inglês, e depois de seis meses se mudaria para a Alemanha. Essa era sua intenção inicial.

No entanto, antes de chegar à Dublin, Fabi ficou um mês e meio na Alemanha e só depois se mudou para a Irlanda. Como queria praticar inglês pagou duas semanas de hospedagem na casa de uma família irlandesa, mas, segundo ela, essa foi uma “experiência desastrosa”. A família tinha cinco filhos pequenos, a casa era uma desordem, eles trocavam fralda na mesma mesa onde estava o seu prato de comida (ela tinha um prato feito de comida por dia). Se não bastasse isso, o inglês deles era muito difícil de ser entendido e a comunicação praticamente inexistente. Ela diz ter jogado fora seu dinheiro. Por isso, pesquisem bem se vale a pena pagar esse extra em um país estrangeiro.

Depois dessa experiência com a família irlandesa, finalmente, Fabiana teve a sorte de encontrar um trabalho como cleanner (limpeza). Ela teria que limpar casas e escritórios e o gerente só contratava brasileiras (nós temos fama de ser bons trabalhadores e de fazer o serviço que eles não gostam de fazer). No início, eles pagavam certinho, mas depois de um tempo os cheques começaram a vir sem fundos. Ela trabalhava como louca. Tinha que acordar muito cedo e se sacrificava horas trabalhando pesado. Foi demitida por telefone por ter faltado um único dia e eles não lhe pagaram o restante dos dias. Ela buscou ajuda com o ex-namorado na Alemanha e ele se recusou a ajudá-la. Foi quando descobriu que ele estava saindo com outra menina, havia lhe traído e engravidado outra menina. Ela havia ido para outro país por ele, estava sem dinheiro, tinha sofrido um golpe e ainda não falava o idioma. Era o fim do seu sonho??? Não!

Fabi encontrou forças de onde não tinha, começou a buscar ajuda nas igrejas, conseguiu auxílio de cestas básicas e foi se restabelecendo pouco a pouco com alguns freelas de limpeza, e jurou ajudar a outras pessoas para que não passassem nenhuma dificuldade no país, e foi assim que a conheci num grupo da Internet antes de viajar. Acabou conseguindo um emprego de babá no litoral de Dublin, mas ali foi vítima do golpe de uma outra brasileira que morava na casa e acusada de roubo de uma máquina fotográfica e foi despedida por ser mais nova na casa. Não teve direito à defesa.

Sua vida não foi nada fácil. Fabiana teve um ato revolucionário que marcou sua passagem por Dublin. Assim que se descobriu sozinha ali logo após ter sido traída, raspou a cabeça. “Foi libertador. Uma forma de mudança. Era um novo recomeço prá mim”, disse. Nesse mesmo período conheceu um rapaz italiano (MARCO), mas a relação com ele também foi muito tensa porque ele era extremamente ciumento e obsessivo, e chegou a ser empurrada por ele uma vez, o que a fez desistir da relação. Com medo de acontecer algo pior decidiu antecipar o seu retorno ao Brasil. Acabou voltando justamente no Dia de Sant Patrick, o feriado mais famoso da Irlanda e a festa que ela queria participar.

“Eu não queria voltar para o Brasil. Era o meu sonho se desfazendo ali. Eu tinha aberto mão de muitas coisas pra estar em Dublin. Se eu tivesse que dar um conselho hoje para as pessoas é não deixar que as histórias amorosas interfiram nos seus sonhos. Se eu não tivesse deixado isso me abalar talvez eu ainda estivesse em Dublin. A Europa mexe comigo até hoje, mas deixei que as decepções me afetassem. Foi uma derrota voltar para o Brasil naquela situação, mas a vida tinha que seguir. O que levo desta história foram as amizades que o intercâmbio me deu”, resume Fabi.

Fabi foi uma das grandes amigas que Dublin me deu. Era uma fortaleza em pessoa

Fernando, Fabi e eu: ficamos amigos pela Internet antes mesmo de chegar à Dublin.

O JANTAR MAIS INESQUECÍVEL DE TODOS OS TEMPOS QUE TERMINOU COMO UMA CENA DE NOVELA

Uma das cenas clássicas da novela “Guerra dos Sexos” se repetiu com tons mais fortes em Dublin.

Fabiana também esteve presente na noite mais inesquecível e inimaginável que vivi em Dublin. Fernando e eu frequentávamos um curso de inglês voluntário em uma igreja católica três vezes por semana e nos aproximamos muito da professora, uma irlandesa chamada SINEAD. Ela era encantada pela cultura brasileira e se tornou uma grande amiga nossa. Como tínhamos muita dificuldade com o inglês, muitas vezes, nos comunicávamos por mímica. Suas aulas eram um complemento das classes que tínhamos à noite com nossa outra professora, GREICE, e que também virou uma grande amiga.

Como Sinead se mostrava muito curiosa em conhecer mais sobre o Brasil a convidamos para um jantar em nossa casa. Sabíamos que ela era vegetariana. Nosso desafio era cozinhar pratos que a agradassem e que ao mesmo tempo tivessem uma identidade brasileira já que ela queria conhecer a nossa cultura.

Convidamos Fabiana para nos ajudar com o jantar. Filha de mãe cozinheira, Fabi era muito boa na cozinha, principalmente nas sobremesas, e deixamos essa parte aos seus cuidados. Fer ficou com a lista de compras e eu fiquei responsável pelo jantar. Fiz arroz, várias saladas, feijão, uma massa quatro queijos e também uma torta de legumes – minha especialidade na cozinha. Marcamos às 20h de um domingo, mas o tempo foi passando, passando e nada dela chegar.

Imaginamos que tínhamos tomado um grande furo e mesmo desempregados havíamos comprado as coisas para o jantar. Um grande prejuízo naquela altura de Dublin onde qualquer trocado já fazia diferença. Tínhamos gasto mais de 30 euros (isso era muito pra gente na época), mas fizemos porque éramos assim: generosos! Sempre queríamos agradar aos outros antes mesmo de pensar na gente, e ali estavam três cancerianos juntos, ou seja, três corações moles: Fabi, Fer e eu.

Perto das 21h30 Sinead me ligou e eu entendi que ela estava parada em frente da minha casa num taxi. Consegui entender também que era pra descer com 15 euros porque ela não tinha dinheiro para pagar o taxista. Essa foi a única parte que deu para entender do seu inglês. Fazia muitooo frio e chovia. A comida já estava toda fria, mas tratamos de nos animar. Fer e eu descemos e deixamos Fabi requentando a comida. Quando avistamos o taxi vimos que o motorista discutia com Sinead, mas se entender um irlandês já era difícil, imagina, dois discutindo com acento irish??? Tarefa impossível! Pagamos o taxi e Sinead saiu saltitando como um canguru. Ela nos abraçava e nos beijava eufórica. Nunca a havíamos visto tão feliz. Quando chegamos na porta do nosso apartamento, ela arrancou os tênis e entrou dançando. Pediu para que colocássemos uma música porque queria dançar muito aquela noite.

Então, descobrimos que ela estava totalmente bêbada. Fer colocou Madonna e ela ficou ainda mais desesperada. Dançava loucamente. Quando mostramos a mesa toda posta, Sinead se mostrou alucinada e começou a pegar os pedaços de torta e ia esmagando em migalhas e colocando na boca.  Ela não conseguia levantar-se do sofá. Fer teve a ideia de convidá-la para dançar, pois imaginava que isso talvez pudesse ajudá-la a curar do porre.

E foi quando ela se levantou do sofá que notamos que ele estava todo manchado com uma cor marrom. O cheiro era insuportável. Sinead havia literalmente feito cocô nas calças e era uma espécie de diarreia que se espalhava por tudo. Aos poucos, aquele líquido foi escorrendo pelo sofá, pelo tapete e infestando todo o ambiente. Fernando e Fabiana quando perceberam foram para a janela para não vomitar na sala. Ali pelo menos haviam baldes e caso vomitassem poderiam usá-los.

Sinead estava totalmente fora de si e pediu para usar o banheiro. Eu a acompanhei e imaginava que ela sairia limpa dali, inclusive, dei uma toalha, mas como ela demorava muito para sair fui ficando preocupado. Enquanto isso, Fer e Fabiana já haviam tirado as capas do sofá e jogado tudo na máquina de lavar e enrolado o tapete. Eles jogavam perfume pela casa para ver se o cheiro saia, mas era cada vez pior. Quando Sinead, finalmente, saiu do banheiro, a cena de horrores estava completa. Meu banheiro que era todo branco com piso, azulejos e banheira tudo na mesma cor havia se transformado em um mundo marrom. Sinead na tentativa de se limpar havia espalhado merda por todos os cantos daquele banheiro.

Não havia um lugar onde não tivesse um resquício de cocô, mas pior que isso era o cheiro que a essa altura já havia se alastrado por todos os cômodos da casa. Minha preocupação é que eu ainda dividia com Giovanna e Marcelo e logo eles chegariam do trabalho. Lucas e Juliana (os outros flatmates) eram nossos amigos e não teria problema, mas também haviam saído naquela noite.

Além de ter merda por todos os lugares, Sinead ainda havia vomitado no chão. A cena era de um filme pastelão. Era surreal o que tinha acontecido naquela noite. Isso me faz recordar os banhos de lama na novela “Alma Gêmea”. Outra cena icônica com cocô aconteceu no filme “Histórias Cruzadas”.

Cenas de lama e no chiqueiro eram comuns na novela Alma Gêmea e o gênero pastelão parecia meu jantar
Filme “Histórias Cruzadas” teve uma cena inesquecível onde a merda foi a protagonista

Depois de tudo tivemos que botá-la num taxi de volta pra casa e de verdade não sei como ela chegou em sua casa ou como pagou o motorista naquela noite. Prá piorar ainda tive que dar explicações pros meus flatmates. Com Marcelo foi bem tranquilo e ele ria muita da situação, mas Giovanna fechou a cara e pediu pra que limpássemos tudo na mesma noite. Coube à mim, a limpeza do banheiro porque meu estômago era mais forte do que os menino. Eles ficaram responsáveis pela limpeza da cozinha e da sala. O pior de tudo era o cheiro forte. Tentamos de tudo pra tirar o odor de merda do apartamento, mas era algo tão forte, mas tão forte que foi impossível dormir. 

Dois dias depois fui na sede da igreja e Sinead me chamou para conversar. Ela estava muito constrangida e não se lembrava muito das coisas, e eu tampouco quis ficar relembrando o que havia passado. Ela explicou que naquela tarde antes de ir pra nossa casa havia estado em um pub com amigos e haviam algumas pessoas estranhas na mesa, e que talvez eles a tenham drogado, pois ela não era acostumada a beber. Sinead fez questão de pagar o taxi e também o jantar. Eu não queria receber, mas ela insistiu porque disse que sabia que estávamos desempregados. No final das contas nos abraçamos e isso não impediu que continuássemos amigos.

Ninguém nesse mundo está livre de passar por alguma situação atípica, por isso, decidi não atirar pedras, mas acolhê-la como amiga. Não era aquilo que estragaria nossa amizade, mas, sem dúvida, a cena entrou para o top 3 das mais inusitadas e marcantes de minha vida de imigrante. Hoje quando olho para trás tenho certeza que tudo acontecia comigo. Parafraseando outra novela, eu havia nascido “De quina para a lua”.

QUANDO AS NOVELAS “VALE TUDO” E “A DONA DO PEDAÇO” SE ENCONTRAM NO MESMO SET

O que as novelas “Vale Tudo” (1988 ) e “A Dona do Pedaço” (2019 ) têm em comum? Ambas tinham protagonistas muito fortes e guerreiras que não desistiram de lutar apesar do tombo que a vida lhes deu. No caso de Vale Tudo, a personagem Raquel (vivida pela atriz Regina Duarte) resolveu fazer sanduíche e vender na praia para sobreviver à vida no Rio de Janeiro após ter sido enganada pela filha Maria de Fátima e ficado sem casa para viver. Já Maria da Paz (Juliana Paes), de A Dona do Pedaço encontrou nas receitas de família a salvação para sair da crise e dar a volta por cima. Para isso, começou a fazer bolos vendendo-os pelas ruas da cidade.  

E o que estas personagens têm a ver com a minha história? Muita coisa, pois ambas encontraram no momento de desespero uma luz. Não posso dizer que Maria da Paz tenha me influenciado, já que a novela é de 2019 e viví em Dublin pela primeira vez em 2008, mas se fosse fazer uma analogia de minha trajetória com personagens de novelas (independentemente do ano de exibição), ambas seriam meu exemplo, pois encontraram na gastronomia a chave do sucesso.

Personagem de Raquel (Vale Tudo) dava uma guinada na vida ao começar vender sanduíches na praia
Maria da Paz (Juliana Paes) buscou nas receitas de família o caminho para vencer a crise e esse foi o caminho que segui na Irlanda

Eu estava longeee de ser um mestre da cozinha, pelo contrário, sabia fazer o básico do básico, mas quando você está fora de casa geralmente bate a vontade de comer coisas diferentes que só encontramos no Brasil, como coxinha, bolinho de queijo, bolo de cenoura com cobertura de chocolate, bolo coca-cola (recheado com coco e leite condensado)… A infinidade de produtos era grande. Em 2008 ainda não havia lojinhas brasileiras ou latinas em Dublin, então, a maioria dos ingredientes eu encontrava nos mercados poloneses com valores bem abaixo dos cobrados nos comércios irlandeses.

Minha saudosa mãe sempre foi uma referência em gastronomia, principalmente em doces. Se Deus havia me dado o talento e o dom da escrita, a ela tinha reservado todos os dotes culinários do mundo. Sua maior alegria era cozinhar para a nossa família. Os bolos de aniversário e de ocasiões especiais ficavam sob sua responsabilidade. Então, semanas antes dos eventos ela já estava pesquisando as receitas. Era época do videocassete ainda. Então, ela gravava todos os programas de receita para vê-los depois. Era fã da Ana Maria Braga e da saudosa Palmirinha Onofre.  

Nesse tempo, eu não pensei duas vezes em chamá-la para me passar dicas de receitas, mas também contei com a ajuda de Fabiana algumas vezes. Me recordo que em um centro de ajuda para estrangeiros (onde imprimiam currículos gratuitamente e ministravam cursos), eu peguei amizade com uma das coordenadoras, MARY, e sabendo da minha necessidade de encontrar trabalho ela encomendou um bolo de festa. Eu sabia que se caprichasse teria freguesia por um bom tempo. Nada podia sair errado. Chamei Fabiana para me ajudar porque ela era bom com os recheios e com a massa.

Fizemos um bolo enorme de chocolate com morango e com muito chantilly. Era um bolo que dava para mais ou menos 50 pessoas. Vendi por 50 euros e fiquei todo feliz porque era meu primeiro pagamento oficial vindo de clientes irlandeses. Eu imaginava que tinha feito um gol de placa, mas dias depois, Mary me avisou toda sem graça que eles doaram o bolo para estrangeiros que visitaram o centro e também distribuíram na rua para alguns mendigos porque para o paladar irlandês havia muito açúcar e eles não gostavam de coisas doces. Dei uma desanimada, mas não desisti. 

Decidi levar a ideia para a escola. Eu sabia que a maioria dos meus colegas de classe – todos brasileiros- e de outras turmas, não sabia cozinhar e viviam à base de fast food. Então, comecei a vender na escola. No início foi bom, me dava o dinheiro da semana e comecei a juntar para pagar o aluguel, mas semanas depois as pessoas começaram a pedir fiado e aí tudo complicou. Eu não gostava de cobrar, mas se não recebesse não teria como comprar os produtos, e eu não queria mexer nas economias. Nessa época, conheci outro anjo da guarda, MARIA EUNICE.

Nice foi uma grande amiga e me deu uma batedeira para ajudar no trabalho

Ela era prima de minhas amigas de Florianópolis: Helô e Alessandra, e sabia que nós estávamos mudando para lá, mas Nice vivia fora de Dublin e trabalhava na casa de uma família irlandesa, mesmo assim, ela fez questão de vir nos conhecer e nos presenteou com uma batedeira, pois disse que isso me ajudaria a fazer melhor os bolos. Imagine uma pessoa boa de coração e daquelas que você tem vontade de ficar abraçado porque transmite paz e segurança? Ela era como uma irmã prá gente. Mesmo sem poder vê-la com regularidade sabíamos que estaria ali para qualquer emergência, por sinal, ela foi a pessoa que nos acompanhou até o aeroporto meses depois em nossa despedida precoce de Dublin.

No final das contas, trabalhei por um tempo com os bolos e acabei desistindo porque estava tomando prejuízo. Decidi voltar a buscar trabalho como meus amigos na limpeza ou nos pubs. Alguns deles tinham tido mais sorte que eu e conseguido alguns freelancers. Nesse período conheci também um casal de gaúchos: CLAUDIA e EVERSON.  Eles eram de Porto Alegre e haviam ido para a mesma escola que eu: a DCI, mas estavam em turmas mais avançadas de inglês.  Os dois eram muito simpáticos e logo nos tornamos grandes amigos.

Claudia tinha um bom nível de inglês e havia conseguido um trabalho no caixa de um supermercado. Everson também já tinha também um nível mais avançado e conseguiu um trabalho fixo de cleanner em uma empresa que administrava vários escritórios. Eles contratavam para fazer a limpeza dos andares, e graças a ele consegui um trabalho semanal de segunda a sexta, duas horas por dia. Era meu segundo trabalho depois da gráfica e isso me ajudaria a respirar. Fer já se virava com alguns cabelos e maquiagem.

Claudia e Everson (à esquerda). Ele me ajudou a ter um emprego de novo depois de meses sem nada
Claudia e Everson entraram para minha lista de amigos especiais de Dublin graças ao intercambio

O serviço não era difícil. Cada um ficava com um andar e tinha que limpar durante as duas horas de trabalho todo o andar. A limpeza mais profunda tinha que ser nos banheiros. Depois, passávamos aspirador em todo carpete, recolhíamos o lixo das lixeiras e se desse tempo ainda tirávamos o pó das mesas e dos computadores. Ao contrário do Brasil , o serviço de cleanner em Dublin sempre foi muito respeitado e eles gostavam de contratar brasileiros porque sabiam que éramos rápidos e comprometidos.

Aquele trabalho foi uma salvação para mim por um tempo, mas meses depois com o agravamento da crise mundial houve um corte na equipe e eu acabei sendo demitido. Sem trabalho de novo me restava recomeçar, mas para quem já havia recomeçado tantas e tantas vezes isso não seria um problema. O destino me dava rasteiras, mas eu não me dava por vencido. Havia chegado até ali e não ia desistir, mas….. Sempre há um más na história….

VEM POR AÍ: -No próximo capítulo do Diário de um imigrante falarei mais sobre a importância de escolher bem seu curso no exterior, sobre novos e importantes vínculos de amizade, e também sobre o nosso primeiro Natal e Revéillon fora do Brasil, e como o amigo secreto de Natal nunca mais saiu de minha cabeça.

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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