“Com 15 anos, eu pedia para que ela me deixasse escrever cenas de suas novelas. Foi a minha primeira relação com a teledramaturgia”, revela a autora Patrícia Moretzsohn ao explicar a importância da sua mãe Ana Maria Moretzsohn em sua trajetória como roteirista de TV

Toda noite ela se despedia da mãe, ia para seu quarto e fingia que estava dormindo, mas na verdade, essa era a “deixa” para ficar sozinha, pois o seu cantinho era o ambiente perfeito para deixar-se levar pelas asas da imaginação. Quando percebia que a mãe já havia dormido, acendia a luz e ali começava sua jornada de aventuras e de descobertas no mundo mágico da literatura. Lia de Agatha Christie a Monteiro Lobato, autor que, por sinal, a fez despertar seu interesse pela mitologia grega, mas ela conta que uma das suas principais influências foi o autor americano Edgar Allan Poe- considerado o inventor do gênero de ficção policial. Da paixão pela literatura veio o desejo latente de escrever novelas, assim como sua mãe, a autora de TV, Ana Maria Moretzsohn. “Com 15 anos, eu pedia para que ela me deixasse desenvolver cenas de suas novelas”, relembra a autora Patrícia Moretzsohn. O que era apenas uma paixão infanto- juvenil se transformou em sua profissão, e Patrícia conquistou seu merecido espaço na TV. De colaboradora passou ao trabalho como autora titular e o universo televisivo passou a ser uma realidade em sua vida.
Polivalente, Patrícia diz que está com alguns projetos em diferentes etapas de aprovação com distintos exibidores. “É tudo muito gratificante mas, infelizmente, não posso detalhar ainda”. Na próxima semana, dia 7 de junho, às 19h, ela ministrará uma Masterclass gratuita (via zoom), que era um desejo antigo depois de ter conciliado durante tantos anos sua vida profissional na TV junto à acadêmica – tem dois mestrados e faz doutorado, e todos na área de literatura. “Finalmente, consegui formatar alguns cursos que acho que dão conta de cruzar esses dois universos, já que quero falar de estrutura da narrativa de uma forma mais abrangente. Não são exatamente cursos para roteiristas, mas para qualquer pessoa que se dedique ao storytelling, à antiga e sempre presente arte de contar histórias, de narrar”, explica a autora.
Segundo ela, nesta Masterclass, falará um pouco da sua carreira na TV e também dos cursos que está planejando. Para o segundo semestre, os cursos serão realizados em módulos encadeados abordando a estrutura dos contos de fada, dos mitos e da mitologia grega. “Enfim, um material muito interessante e que conversa entre si. Para quem ficar curioso, recomendo assistir à Masterclass, pois ali vou poder explicar melhor a proposta”. Para se inscrever, basta enviar um e-mail para escolamoretzsohn@gmail.com.
Patrícia destaca ainda outro passo importante que está dando na sua trajetória profissional que é a criação de uma escola virtual junto com algumas amigas: a Deva (@deva_escola no Instagram). Os cursos serão realizados a partir desse espaço virtual, que tem a proposta de ser um lugar de encontro e de abrigo no qual poderão refletir juntos sobre a nossa relação com o mundo a partir de histórias, crenças, mitos e ritos. “Essa será a nossa casa. Está tudo bem no começo, mas na minha cabeça já é um universo”, destaca.
Você é filha de uma autora de grandes sucessos na teledramaturgia brasileira. De que forma ela te influenciou na carreira e qual o principal aprendizado que você teve trabalhando com ela em algumas obras?
PATRÍCIA : Como eu mencionei, minha primeira relação com teledramaturgia foi com as novelas da minha mãe. Não só fazendo o exercício de escrever cenas, mas também assistindo, visitando as cidades cenográficas, testemunhando o processo de trabalho dela e ganhando acesso a todo aquele universo encantador. Então, imagina ter 13, 14 anos e poder vivenciar a construção de uma obra-prima como “Tieta” tão de perto? Foi uma grande oportunidade que procurei aproveitar e levar para a minha vida pessoal e profissional. Como aprendizado mais relevante eu destacaria a capacidade de trabalhar em equipe de forma positiva e produtiva, acho que aprendi muito por ter tido a chance de observar a ela, Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares em ação (autores de Tieta).

Gostaria que você falasse dessa linha tênue que há entre o autor titular e o colaborador, pois para escrever cenas e diálogos sabendo que passarão pela supervisão final do titular há que ter uma sintonia bastante grande com o autor. Como você avalia esse processo.
PATRÍCIA : Não só fui colaboradora antes de ser titular, mas também fiquei bastante tempo alternando o posto de titular de “Malhação” e colaboradora em novelas, como aconteceu em “Haja Coração”, do Daniel Ortiz, e “Fina Estampa”, do Aguinaldo Silva. Sempre considerei as duas funções igualmente relevantes, porque é bom poder contar sua própria história, mas é igualmente interessante participar do processo criativo de outro autor. Sim, precisa haver sintonia, e para ser franca, nem sempre dá certo. Por outro lado, como titular, você acaba tendo que lidar com o gerenciamento de todo aquele universo criado, a equipe, produção… E quando você é colaboradora num lugar divertido, como aconteceu por exemplo em “Haja Coração” com o querido Daniel, acaba sendo confortável e frutífero poder se dedicar só à escrita, sabendo que não precisará lidar com as questões extratexto.
O livro “Bonita Luz” foi escrito também em parceria com sua mãe Ana Maria. Como foi essa incursão pela literatura? Você pensa em adaptá-lo para outro meio?
PATRÍCIA : Foi o processo de levar a nossa experiência de trabalho na TV para outro veículo, e foi algo bastante positivo. Nós temos, sim, um projeto audiovisual baseado em “Bonita Luz”, muito bonitinho e que estamos procurando levar para a frente. Eu levo anos me dedicando ao estudo de Literatura, faço doutorado na área, então, acredito que também será um desdobramento natural passar à escrita de romances – já estou começando.
Você foi de colaboradora à autora principal de “Malhação”, projeto que lançou vários nomes para o mercado de teledramaturgia no Brasil. Você acredita que a fórmula esteja esgotada ou ela poderia ser reeditada já que era um laboratório importante para formar novos talentos? Qual das temporadas te deu mais prazer escrever enquanto autora e que atores você destacaria desta leva de “Malhação”? E qual a importância de “Malhação Vidas Brasileiras” ter sido indicada ao Emmy?
PATRÍCIA : Não acho que a fórmula esteja esgotada, não. Veja a quantidade de obras para o público adolescente que a gente encontra no streaming! E como laboratório, é algo que faz falta. Eu estava observando o sucesso de “Todas as Flores”, por exemplo, que tem à frente a Sophie Charlotte, Caio Castro, Humberto Carrão, Letícia Colin. Eu trabalhei com todos eles, tão novinhos! Eles já se mostravam a potência que são e tiveram a oportunidade de começar na profissão de uma maneira, digamos, controlada. Hoje não há mais isso, e temo que muitos talentos deixem de ser descobertos e formados por não existir mais esse tipo de preocupação. Sobre “Malhação Vidas Brasileiras”, devo dizer que foi uma experiência única na minha vida. Foi muito desafiador adaptar o original canadense, experimentando outro formato dentro da fórmula já tão estabelecida de Malhação. Tivemos críticas, principalmente ao formato, e foi um projeto, acima de tudo, muito trabalhoso. Mas eu faria tudo de novo. Conheci enormes talentos, fiz e consolidei amizades – foi ali que conheci a Natália Grimberg, diretora, e hoje uma grande parceira –, fomos indicados a duas categorias do Emmy e ganhamos o prêmio Abra de melhor Telenovela. Tem coisa que só acontece se a gente tiver coragem de ousar.
Pegando um gancho no formato de “Malhação”, você teve uma experiência na BAND com “Floribella”, mas uma trama voltada ao público infantil, e adaptada de um grande sucesso argentino. Como foi escrever essa novela que teve duas temporadas e mais de 300 capítulos? Qual o segredo para manter um produto por tanto tempo no ar sem esgotar as histórias e sem que o público se canse?
PATRÍCIA : “Floribella”, se eu não me engano, teve uns 280 capítulos, considerando as duas temporadas. “Malhação Vidas Brasileiras”, uns 240 capítulos. “Malhação 2008” ficou 14 meses no ar… Acho que o segredo para escrever por tanto tempo é ter muita fé (risos). Mas é preciso organização, força de vontade, envolvimento, e sobretudo, boas parcerias para não esmorecer no meio de caminho. Tive a sorte de contar com isso em todos esses trabalhos, e preciso destacar a qualidade das equipes maravilhosas, sem as quais eu não teria passado do cabeçalho da cena 1. “Floribella”, por ter sido uma experiência rara na época – uma novela feita por uma produtora independente, e exibida na Band, que vinha de um longo período sem fazer teledramaturgia – também trazia tudo isso e aquele orgulho de estar fazendo algo “na raça”. Foi uma experiência inesquecível na minha vida, da qual também saí com muitos amigos e a alegria de ter feito algo que até hoje me traz feedback. Muitas pessoas já adultas me abordam para dizer o quanto a novela marcou sua infância, o quanto foram impactadas por todo aquele universo de fantasia, e isso realmente não tem preço.
A novela “Estrela Guia” foi escrita especialmente para a cantora Sandy que não tinha experiência como atriz, mas que levou bem o projeto e recentemente declarou que sente vontade de voltar a atuar novamente. Como você avalia essa novela?
PATRÍCIA : Olha, em “Estrela-Guia” eu era colaboradora da minha mãe, mas de modo geral, foi um trabalho muito gratificante. A Sandy se entregou a ele, como toda a equipe, o processo de pesquisa e de criação do universo de Jagatah (comunidade alternativa em que a família da Cristal, personagem da Sandy, morava) foi um barato, e foi mais uma novela com um retorno incrível do público, que fala nela até hoje.
A TV está vivendo uma fase de remakes. Tivemos recentemente Pantanal e teremos em breve “Elas por elas” e “Renascer”, grandes sucessos em suas exibições originais. Você foi colaboradora de uma trama, “Haja Coração”, que fazia uma releitura de outro grande sucesso da TV, “Sassaricando”. Como você avalia este projeto que ao mesmo tempo não era fiel ao original, mas mantinha a espinha dorsal (reboot)?
PATRÍCIA : Eu gosto muito dessas adaptações e releituras. Elas demonstram dois aspectos simultâneos e importantes. Primeiro, que o bom melodrama, o bom folhetim não morre, e quando você fala em espinha dorsal, é isso mesmo, a gente consegue reconhecer nela as características que atravessam séculos e fazem com que esse gênero, telenovela, seja eterno. Ao mesmo tempo, uma obra tão longa, exibida diariamente, precisa levar em conta o público que está assistindo ali e dando o feedback em tempo real. Então não pode ser anacrônica. Daí serem necessárias as atualizações, mesmo em cima de histórias já consagradas.
Atualmente temos teledramaturgia em diferentes plataformas e formatos. O que você tem visto que mais te agrada e que projetos você destacaria tanto no Brasil quanto no exterior?
PATRÍCIA : É tanta oferta que é difícil destacar alguma, né? Meu gosto é muito eclético, então, ultimamente tenho assistido a novelas turcas, espanholas, coreanas… Das séries, gosto tanto de “O Conto da Aia”, “Bom dia, Verônica”, “Succession” e “La Casa de Papel” quanto de “Game of Thrones”, “Stranger Things”, “De Volta aos Quinze”, “Wandinha”… Mas estou citando o que estou lembrando agora. Assisto muito e assino todas as plataformas.
DESAFIO: Vou te propor que reescreva o final de uma trama de sucesso dando um desfecho totalmente diferente do original.
PATRÍCIA : Vou fugir um pouco dessa sua armadilha aqui. Eu odeio com muita força o final de “Game of Thrones” e de outra série que estava gostando bastante, “The Undoing”. E não gostei por algo que alguns de nós chamam de “roteirismo” – quando o autor força a barra para as situações que armou darem certo, e o esqueleto da trama acaba aparecendo. Então reescreveria tudo. Mas não digo o que faria para não dar spoiler (risos).
Você se especializou escrevendo para a TV, tem desejo de criar histórias para o teatro e cinema? Como autora de TV, você costuma acompanhar as produções de outros países? Aceitaria o convite para produzir obras fora do Brasil, assim como sua mãe?
PATRÍCIA : Cinema e literatura sim. Teatro, nem tanto. Considero que é outra praia, outra relação com o texto, não sei se teria musculatura para isso – prefiro deixar para quem estudou e sabe o que está fazendo. Eu tenho a oportunidade de participar eventualmente como jurada do Emmy Internacional. Esse ano fiz a primeira fase, e isso é uma maneira de assistir em primeira mão a projetos recentes de todo o planeta. Além disso, claro, acompanho os lançamentos, as notícias, me informo bastante. Aceitaria sim o convite para trabalhar fora do Brasil, falo línguas, gosto de explorar outras culturas e a globalização deixa tudo mais perto. Quem sabe um dia!
Você morou na Espanha, como foi essa experiência? Tem o desejo de viver em outros países?
PATRÍCIA : Passei alguns meses na Espanha, outros na França, quando mais nova fiz intercâmbio nos EUA. Na Espanha, eu era jovem, morei num apartamento com amigas de vários lugares, foi uma farra! Tenho o desejo de viver em outros países, em outras cidades, em outros bairros… Em outras casas no mesmo bairro. Sou inquieta, mas acabo não indo para lugar nenhum porque aqui também está bom (risos). Mas a cabeça está sempre viajando por outros mundos. Acho que o importante é trazer sempre com a gente a dimensão de que fronteiras são meras convenções, e o mundo é muito maior do que os espaços em que convivemos.
Com o mercado de roteiro tão aquecido e com diferentes frentes de trabalho, como no streaming, por exemplo, que conselhos você destacaria para quem deseja entrar neste mundo da TV como autor? Como furar a bolha de muitas produtoras ou emissoras?
PATRÍCIA : Eu acho que o que a gente chama de “mundo da TV” hoje em dia açambarca o streaming, certo? Porque a gente está vendo a Globoplay, o SBT fazer parceria com a Amazon. Então, estou entendendo que o caminho agora são as feiras, as rodadas de negócios, procurar ter seu trabalho lido pelas produtoras. E tem as redes sociais que jogam a favor de quem sabe se comunicar, isso em qualquer profissão. Hoje, o mundo está muito diferente de quando eu comecei. Há formações específicas, faculdades de roteiro aqui no Brasil, algo que não existia há 30 anos. Então tem muita gente diversa que vem de experiências distintas. Isso é muito positivo, mas também torna o caminho mais competitivo. Assim, acho que a ideia é dar um jeito de ser lido, de mostrar seu trabalho e convencer os produtores dos pontos em que você se destaca.




