Roteirista, jornalista e escritor brasileiro lança livro sobre os bastidores de sua saga como imigrante em Los Angeles, “terra do cinema” e sua tentativa de realizar o sonho de trabalhar como ator. “Eu tinha paixão por aquela indústria e fui atrás desse objetivo”, diz.

Take 1: você vai trabalhar como segurança na cerimônia do Oscar, é expulso (e quase preso) por ter tentado assistir aos atores ensaiando no teatro. Take 2: você se infiltra na pré-estreia de “X-Men 2”, e consegue assistir junto aos atores o lançamento do filme. Take 3: você “descola” uma vaga de figurante no filme “O Terminal”, dirigido por Steven Spielberg, e estrelado pelos atores Tom Hanks e Catherine Zeta-Jones. Take 4: você consegue entrevistar em pleno tapete vermelho do Oscar, o ator Leonardo DiCaprio e o diretor Martin Scorsese, estrelas do filme “O Aviador”. Estas são apenas algumas das cenas protagonizadas e vividas pelo pernambucano André Wacemberg, de 43 anos, na “terra do cinema”: Los Angeles, e que serviram de base para a criação do seu primeiro livro: “Com um pé em Hollywood”, que será lançado essa semana pela Amazon, tanto como e-book quanto na versão impressa.
Depois de mais de 20 anos vivendo nos EUA, Wacemberg, que é pai de duas crianças, aponta que sentiu necessidade de estar perto de sua família no Brasil neste momento, e que se mudou para Curitiba, onde conseguiu finalizar o processo do seu primeiro livro que começou há 17 anos. Filho de jornalistas, ele também se formou em jornalismo, mas conta que sua paixão sempre foi pela atuação, e que, inclusive, chegou a pensar em cursar Artes Cênicas, em Pernambuco, mas que acabou desistindo por achar que o curso seria mais focado na área de professor; enquanto ele, buscava a de atuação. Segundo ele, o livro sobre os bastidores de suas aventuras na América nasceu dessa necessidade e do desejo de compartilhar suas histórias de imigrantes, que são muito diferentes de quem imagina somente o glamour de viver tão perto de Beverly Hills . “Mais do que relatos da minha vida de imigrante, este livro é a jornada de um sonhador que deixou tudo no Brasil pensando que iria se tornar um astro de Hollywood, e se deparou com uma realidade fria e diferente. Ele contém muitas referências à fé que me manteve firme nesses aprendizados, além de muita comédia também”. Nesta entrevista exclusiva ao blog “Desejo de viver”, André Wacemberg conta mais detalhes sobre o livro, que terá uma segunda temporada, fala da atual greve dos roteiristas nos EUA e também sobre a recepção dos americanos ao nosso cinema.
Na sua infância e adolescência, você já tinha esse veia literária ou inclinação para o roteiro? O que você respondia quando te faziam a clássica pergunta sobre o que “queria ser quando crescesse”?
WACEMBERG: Engraçado que eu falo disso logo no primeiro capítulo do livro. Desde pequeno, eu queria ser ator. Primeiro, de novelas. Depois, de cinema americano. Eu sou filho de jornalistas e era meio previsível estudar Jornalismo para seguir o caminho deles. Então eu já pensava em fazer Cinema, mas na época não tinha curso de Cinema em Pernambuco. O de Artes Cênicas tinha, mas eu não quis fazer por ouvir que era muito teórico, mais voltado para professor que ator. Então, segui o caminho óbvio que era estudar Jornalismo, mas terminei fazendo três peças durante o curso. E assim que me formei, fui morar em Los Angeles, onde estudei um pouco de cinema e teatro.
Você chegou a trabalhar como jornalista?
WACEMBERG: Eu fiz bons estágios, em revistas, emissoras de TV e rádios em Recife. Até numa campanha política de governador, mas também como estagiário. Nos EUA, trabalhei como editor e repórter de uma revista brasileira, e fiz alguns poucos trabalhos de repórter. Eu cheguei a entrevistar o Leonardo DiCaprio e o Martin Scorsese no tapete vermelho do filme “O Aviador”, assim como outros atores e diretores. Acho que tenho sim uma veia jornalística no sangue, mas a ficção sempre foi muito mais interessante para mim que a realidade.
Onde e como apareceu o lado roteirista?
WACEMBERG: Depois que me mudei para Los Angeles (LA) tentando ser ator e não tive muitas oportunidades, resolvi escrever filmes e séries onde eu poderia atuar. Até porque eu não era um tipo muito desejado. Sou gordo, nada do “Latin Lover” que as pessoas esperam de um ator brasileiro. Então, comecei a escrever por isso. Eu fiz muito teatro amador nas igrejas que frequentei, e sempre foi muito natural escrever peças. Em LA, eu escrevi e dirigi um musical teatral e um curta-metragem com jovens da igreja. Depois, um amigo engenheiro da Microsoft me chamou para escrever e dirigir vídeos de treinamento para os engenheiros de lá. No Brasil, fiz outro musical em Recife. Também trabalhei como professor numa academia de teatro musical, onde desenvolvi uma peça original para a qual eu compus também as canções. E fiz parte da criação da novela “O Sétimo Guardião” para a TV Globo.
Você morou muitos anos nos EUA. O que te fez imigrar para lá? Como foi essa experiência de viver num país totalmente diferente do nosso? O que você mais gostava e o que mais detestava na cultura americana?
WACEMBERG: Eu me mudei no fim de 2002 para LA, onde fiquei até o ano passado. Na verdade, morei em Recife de 2015 a 2018, mas, no total, foram 20 anos de EUA, incluindo as idas e vindas. Eu tinha paixão pelos EUA, principalmente por conta do cinema. E fui para lá tentando ser parte daquela indústria. Fui como estudante, e trabalhei em muitos “bicos” para arcar com o alto custo de vida da cidade. Já fui manobrista, motorista, atendente do McDonalds, limpador de carpetes e fiz faxina. Também trabalhei um pouco como jornalista e terminei trabalhando como tradutor e editor de legendas de filmes e séries, algo que juntava meus dotes gramaticais com meu amor pela sétima arte. É o que faço até hoje para me sustentar dentre altos e baixos.
Você é casado, tem filhos, como foi a adaptação de sua família à cultura americana?
WACEMBERG : Sou casado e meus dois filhos nasceram lá. Somos todos cidadãos americanos hoje. Foi um processo super longo e difícil, perdi muito dinheiro com advogados e era super estressante cada etapa. Primeiro como estudante, depois trainee até o green card, e finalmente, a cidadania. A adaptação dos meus filhos de apenas quatro e um ano está sendo aqui no Brasil, mas está bem tranquila, já que sempre falamos português em casa, e, apesar de morar nos EUA, dentro de casa, nossa cultura sempre foi preservada, pois assistíamos à TV brasileira. É muito difícil fazer laços com os americanos numa cidade como LA, que tem comunidades fortes de todas partes do mundo. Assim, nossos amigos mais próximos eram todos brasileiros.

O que te fez voltar agora para o Brasil 20 anos depois quando muitos conterrâneos nossos têm o sonho de imigrar? Quais são os seus planos no Brasil?
WACEMBERG É a segunda vez que volto e, novamente, tem sido muito tranquila a adaptação. Claro que ajuda o fato de eu continuar trabalhando para empresas americanas e ganhar em dólar, que ainda está valorizado comparado ao real, mas tenho tentado entrar no mercado brasileiro também. Além do mercado publicitário, aqui é possível tentar recursos do governo para produzir nossos projetos. É bem complicado, já tentei muito antes sem sucesso, mas pretendo continuar tentando. Nós devemos retornar aos EUA quando as crianças estiverem um pouco maiores, para estudarem lá, mas, por enquanto, preferimos ficar aqui perto da família, que gera toda uma rede de apoio, que não temos lá.
Como foi a ideia deste livro? Como e quando você começou a pensar nele e quanto tempo levou para escrevê-lo? Ele foi escrito nos EUA ou no Brasil?
WACEMBERG : Na verdade, eu escrevi a maior parte deste livro há 17 anos. Ele conta principalmente minhas experiências nos dois primeiros anos em LA, quando eu me aventurava em entrar de penetra nas festas com celebridades, assim como outras aventuras que conto. Ele foi escrito de lá, mas meio que não tinha um final. Agora que voltei, consegui definir melhor o que aquela fase representou para mim, e assim pude dar um fim apropriado. Não só isso, incluí muitas histórias a mais, deixando essa voz do futuro presente nos relatos também.
A proposta deste livro é de contar sua vida de imigrante nos EUA sob uma visão mais literária dividido em duas partes. O que terá segunda parte do livro? Ele já foi lançado no Brasil?
WACEMBERG: Pro segundo, eu deixei histórias cômicas de quando fiz, como ator, uma peça, que terminou com todos atores tendo que tirar a roupa no fim. Outros relatos de trabalhos mais concretos que realizei como os musicais, uma propaganda pro Cartoon Network, os curtas que fiz, sempre com muitas peripécias. Também contarei sobre minha entrevista do green card e sobre a novela por trás da novela do “Sétimo Guardião”. O livro deve ser lançado esta semana pela Amazon, tanto como eBook quanto versão impressa que poderá ser comprada por lá.
Como roteirista, qual a sua opinião sobre a greve da categoria nos EUA? E de que forma você acha que isso pode impactar no Brasil?
WACEMBERG: Acho super importante a valorização da classe. Estamos numa era em que a Inteligência Artificial (IA) ameaça nos substituir, e a desigualdade dos grandes produtores ganhando muito mais que os roteiristas merece atenção. Espero que isso se reflita no Brasil também. Aqui, o roteirista é muito menos valorizado que nos EUA. Não só no salário, mas no poder de decisão. Aqui no Brasil, o roteirista trabalha quase como por encomenda colocando no papel as ideias do produtor. Quando deveria ele mesmo poder apresentar projetos e se tornar o produtor, além de roteirista.
Você viveu muitos anos no exterior, no principal polo de produção cinematográfica do mundo. O que você acredita que o Brasil precisa fazer para ter o nosso cinema mais valorizado no exterior?
WACEMBERG: Acho que o Brasil ainda não faz o tipo de cinema que agrada aos EUA. Ou exagera no humor caricato ou mergulha numas viagens pouco compreensíveis e apelativas. Temas que Hollywood prefere tratar com mais sutileza e delicadeza, acho que ainda tratam rasgado demais. Já vi várias vezes americanos se levantando e saindo do cinema no meio de filmes com cenas chocantes.
Nesta mesma linha, a nossa TV é muito forte e ganhou vários Emmys. Por que você acredita que a TV tem esse poder e o cinema não impacta aos estrangeiros?
WACEMBERG: Acho que você tá falando do Emmy Internacional, que é só para mídia estrangeira. Se houvesse um Oscar Internacional, o cinema também se destacaria. Então, é um produto e público diferente, muito voltado para os latinos. Os americanos não sabem das novelas brasileiras, só a comunidade latina lá. As séries que fizeram sucesso foram, tipo, “Narcos”, na Netflix, que já teve uma produção hollywoodiana.
O que você está vendo no momento na TV e no cinema?
WACEMBERG: Com um bebê de um ano, é uma missão quase impossível ir ao cinema. E quando fui, foi para levar minha filha pra ver “A Pequena Sereia”, que gostamos muito. Na TV, consegui ver as séries da moda, como “Succession”, “Rainha Charlote” e “The Last of Us”. Estou sempre vendo também pelo meu trabalho com legendas.
O que você pensa sobre esse investimento recente do streaming em teledramaturgia? Acredita que isso pode criar um novo público ou que a TV aberta não corre o risco de perder seu público?
WACEMBERG: Acho que tem público para tudo. O negócio é que a Globo quer manter um padrão de quando só competia com SBT e Band, mas não dá para esperar uma “Avenida Brasil” atrás da outra. Acho que virão outros grandes sucessos, acabamos de ter “Pantanal”, e não sei se no streaming uma novela vai conseguir tanta repercussão. Mas é bem capaz. Eu acho muito mais interessante maratonar vários capítulos no streaming que o velho formato diário. Mas, como disse, acho que há espaço pra tudo. Meu lamento é, como roteirista, ver que, mesmo com o campo se ampliando tanto, ainda é tão difícil conseguir oportunidades para trabalhar no meio.

NOTA DA EDIÇÃO: CAMINHOS QUE SE CRUZAM NUM MESMO DESTINO SONHADOR
Ao começar a escrever essa reportagem, logo de cara, me identifiquei com o projeto do meu xará André Wacemberg. Tive a oportunidade de conhecê-lo em 2015, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde ficamos por duas semanas num intensivo de aulas na Master Class de TV, ministrada pelo autor Aguinaldo Silva, e que culminou com a sinopse e primeiro capítulo da novela “O Sétimo Guardião”, produzida pela TV Globo em 2019.
Quando vi sobre o seu projeto numa rede social não pensei duas vezes em convidá-lo para estar no meu blog, afinal de contas, este projeto também nasceu da minha necessidade de contar as minhas experiências como imigrante pelo mundo, e por isso nasceu a série Diário do Imigrante. Ambas as propostas, a minha e a dele são muito parecidas. Somos brasileiros que mesmo com todas as inseguranças e medos de uma nova vida decidiram cruzar fronteiras em busca de um sonho maior. No caso de André, o desejo de ser ator, e no meu, o sonho de trabalhar como correspondente internacional e roteirista.
Por tudo isso, estou muito orgulhoso e feliz por ter o André como o meu entrevistado especial da semana. Poderia colocá-lo no link das entrevistas exclusivas, no do Diário de um imigrante, mas prefiro colocá-lo no de Correspondente Internacional, pois sua história para mim é inspiradora, e tenho o prazer de compartilhá-la hoje com meus leitores. Abaixo, reproduzo somente uma palhinha de um dos capítulos do livro “Com um pé em Hollywood”, para deixá-los literalmente com “água na boca” e com desejo de mergulhar em suas aventuras no exterior. (André Luis Cia)

TRECHO DO CAPÍTULO 1: “Eu ainda não sabia o quão distante eu estava da realidade de Los Angeles. Uma cidade que respira a Sétima Arte, mas espirra poucas oportunidades para os inúmeros insetos, que, como eu, vieram atraídos por aqueles holofotes. Uns dois meses depois, num semáforo perto de minha casa em North Hollywood, fui comprovar que estava realmente perto das celebridades, quando vi um astro do primeiro escalão de Hollywood emparelhar seu Jaguar preto junto ao meu Nissan Stanza ano 88, agora batizado de Parkinson por tremer-se além do normal e que quase se desintegrou ao lado do Jaguar do ator. Lá estava ele, em plena crise de meia-idade, com direito a brinquinho na orelha e uma juventude só explicada pelos efeitos especiais da cosmética: Mr. Harrison Ford. Quando o reconheci, quase era eu quem dava uma de Indiana Jones, possuído por uma louca vontade de persegui-lo para falar com ele. Ele chegou a rir da minha euforia ao lado, procurando uma câmera fotográfica, mesmo sabendo que não existia câmera alguma no carro. Mas antes dele se dar ao trabalho de ligar para a polícia, resolvi seguir meu curso normal para longe do astro, porém para perto do sonho, com o velho pensamento “um dia, eu chego lá”. E assim começa a história desse jovem numa terra estrangeira. Minha história. E, antes que a câmera se afaste e a tela escureça, ainda tem muito o que se contar. Histórias de contrastes entre o sonho e a realidade na terra dos astros do cinema. As dificuldades de um imigrante tentando ser parte de um povo que não era o seu. De um gordo fora dos padrões tentando achar o seu lugar no mundo. Um jovem inocente que tentou a vida toda fazer sua arte sem se vender, sem achar caminhos nem padrinhos para financiar seus projetos. De uma alma sensível que viu sua fé ser moldada ao enfrentar os diversos preconceitos e dificuldades que sua jornada trouxe. Um personagem que, por um lado manteve os pés firmados no chão para se sustentar, tentando dar continuidade à carreira jornalística, ralando em tudo que é tipo de emprego, em constante consideração sobre voltar ou não ao Brasil, mas por outro lado, com a cabeça quase perto da lua, sempre olhando para o céu, procurando novos planetas para explorar. Que, por mais que a então dita sociedade diga que nada vai dar certo, preferiu deixar seus sonhos ali mesmo: entre astros e astronautas” (André Wacemberg)



