A educação virou sua missão de vida
“Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. A célebre frase da poetisa Cora Coralina sintetiza o significado da educação na vida da brasileira Cris Pacino. Apaixonada por idiomas, ela encontrou muito jovem seu dom e fez dele sua missão de vida. Cris conseguiu traçar graças ao seu talento, as linhas do seu próprio destino. “Dou e recebo luz todos os dias nesta troca de aprendizado com os meus alunos”. Cris é a sexta entrevistada da série especial “Lentes Brasileiras na Espanha”, que conta a trajetória de mulheres brasileiras empreendedoras. Ela confessa que apesar de não ser mãe biológica sente que materna todos os dias no sentido figurado da palavra quando estabelece pautas e reconduz seus alunos, seja na orientação, no amparo ou no acolhimento impulsionando-os para a ação. “Dou espaço para a projeção de futuro de cada um deles por meio da educação”.
Sua história, assim como de todas as outras mulheres já entrevistadas para este projeto, foi permeada por lutas, renúncias e desafios. Decidi publicá-la especialmente hoje em uma homenagem póstuma à sua mãe (falecida há exatos 10 anos), e que foi a responsável por incentivá-la a investir no mundo da educação. “Mesmo com dificuldades ela me pagou meu primeiro curso de inglês. Nascia ali minha paixão pelos idiomas e que transformou minha vida. Dou graças à minha mãe por ter lutado e acreditado em mim”, diz.
Como foi esse despertar da paixão pelos idiomas?
Cris: Sou de uma família muito humilde. Filha de um espanhol casado com uma brasileira (filha de pais italianos) Desde muito pequena convivi com o espanhol por causa do meu pai, mas foi graças à minha mãe que era manicure que eu fui literalmente fisgada pelos idiomas. Ela trabalhava na casa de uma tradutora que era funcionária de uma editora em São Paulo. Essa mulher (Angela) disse à minha mãe que o maior e melhor investimento que ela poderia dar a suas filhas (Cris tem uma irmã mais velha), seria a educação. Éramos pobres. Não havia dinheiro para cursos, mas ela convenceu minha mãe e disse que podíamos pagar um valor pequeno pelas aulas. Fiquei dos 10 aos 17 anos estudando inglês e isso me deu a bagagem que tenho hoje e me fez vislumbrar uma nova profissão.
Então seus pais lhe incentivaram no ramo da educação?
Cris: Eles eram muito simples. Se conheceram no trabalho. Meu pai veio da Espanha nos anos 50 pós-guerra. Nunca frequentou a escola, mas sempre valorizou o aprendizado. Ele tinha vários livros de gramática em casa e quando foi ao exército aprendeu a profissão de cabeleireiro e barbeiro. Minha mãe deixou a escola muito cedo, aos nove anos, e foi trabalhar de babá. Aos 12 já trabalhava de manicure, e foi neste salão que conheceu o meu pai. Ele tinha ido trabalhar ali. O destino os uniu e eles se apaixonaram. Tiveram minha irmã e depois a mim, mas sempre nos apoiaram a estudar e a ter uma profissão.
E quando de fato você decidiu que a educação poderia ser seu caminho profissional?
Cris: Ainda em São Paulo eu comecei a dar aulas particulares de inglês no prédio onde eu morava e a trabalhar com 17 anos. Eu pensava em atuar como intérprete ou algo que me permitisse viajar conciliando com os idiomas. No entanto, a vida acabou me levando para outra área e fiz faculdade de relações públicas. Aos 30 anos, durante a fatídica crise de idade, tive um estalo. Eu tinha amigos que já haviam tido experiências internacionais e foram eles que me deram essa força. Decidi vir para a Espanha e tentar uma nova vida aqui e acabei conhecendo também meu atual marido.
Quando foi que você começou a cogitar viver no exterior?
Cris: Eu havia vindo de férias em 1999, conheci várias cidades espanholas e fiquei apenas três dias em Madrid, mas quando tive que voltar ao Brasil me senti angustiada e saí chorando. Só fui entender essa forte ligação anos depois. No Brasil eu estava muito bem profissionalmente. Trabalhava como responsável de comunicação de uma multinacional na área de software e a empresa tinha mais de 5 mil funcionários. Tinha uma carreira estável, fazia planos com meu então namorado de comprar apartamento e de me estabilizar em São Paulo, mas deu tudo errado, ou melhor, hoje vejo que tudo deu certo porque foram os erros lá atrás que me levaram a chegar onde estou. Eu tinha essa inquietude dentro de mim e algo me dizia que era a minha hora de experimentar coisas novas.
Como foi sua chegada e adaptação à uma nova cultura?
Cris: Quando cheguei à Espanha voltei a trabalhar na área de marketing e produção de eventos. Fiz isso durante os primeiros anos, mas daí algo já me inquietava novamente. Eu me questionava se queria ficar muito mais tempo diante de um computador. Na época tinha 36 anos e minha preocupação era chegar aos 40 nesta mesma rotina. Então, fiz uma viagem de férias para o Brasil e ali me desconectei completamente. Era tudo o que eu precisava. Voltei mais fortalecida e nesse retorno fiz um curso intensivo de inglês durante um mês em Madrid pela Universidade de Cambridge, e no dia seguinte comecei a dar aulas, mas sofri preconceito por ser uma brasileira ensinando outra língua.
E como você superou esse preconceito?
Cris: Uma agência chegou a me propor para que eu mentisse aos meus alunos que era nascida em outro país que falasse inglês como língua oficial, mas eu não aceitei. Eu não queria mentir. Eu já dava aulas de português porque fui estimulada a aplicar a mesma metodologia do ensino do inglês adaptando-a para o português. As primeiras aulas foram horríveis e muito difíceis, mas não me dei por vencida e persisti. Hoje acumulo 13 anos como professora de idiomas. Dou aulas de inglês, português e espanhol, mas tudo isso porque não desisti em meio às dificuldades que a vida me impôs.
Como surgiu o ensino do espanhol na sua caminhada?
Cris: Em 2019 lancei um método de ensino de espanhol online para brasileiros e passei a cuidar do meu próprio negócio criando o meu conteúdo. Os meus alunos são brasileiros que já vivem aqui e querem melhorar o idioma e outros que ainda moram no Brasil. Eu já queria dar aulas de espanhol há muito tempo porque cresci e fui educada com o idioma ao meu lado, mas por não ser formada em letras eu não conseguia. Prestei concurso na Escola Oficial de Idiomas, em Madrid, e quando fui aprovada me impediram pelo fato do diploma. Veio a pandemia, e para piorar, em 2020, perdi uma grande amiga para o câncer. A Suzana era companheira de um blog de brasileiras na Espanha. Ela não era de deixar nada para depois. E graças à força que ela nos ensinou decidi entrar de novo na faculdade e estou terminando o segundo ano de letras.
Atualmente você desenvolve quais projetos?
Cris: Dou minhas aulas particulares de inglês, português e espanhol. Tenho contrato com uma editora espanhola para ministrar aulas de português para seus funcionários porque há uma parceria com o Brasil. Estou me dedicando mais aos meus cursos online e, mais recentemente, à faculdade, porque o curso é bastante puxado e exige muito estudo, leitura e disciplina. Na minha plataforma lancei um curso novo de preparação para o DELE B2 para quem deseja tirar o certificado espanhol e estou com projeto de lançar outros dois cursos diferentes.
Como você se sente no papel de educadora?
Cris: É uma responsabilidade muito grande. Eu gosto de aprender, por isso, gosto tanto de ensinar. Existem muitas pessoas que acham que não vão conseguir aprender ou que tem dificuldade com uma palavra ou acento, mas eu tenho a obrigação enquanto educadora de acreditar nos meus alunos e de fazê-los acreditar em si mesmos.
O que você tem a dizer sobre o lado empreendedora e o conselho que daria para quem deseja imigrar?
Cris: Infelizmente a mulher ainda recebe menos que o homem no mercado de trabalho. Muitas pessoas ainda se incomodam em ter uma chefe mulher. Por outro lado, as mulheres também descobriram que podem começar um novo negócio e fazer acontecer em qualquer área que se jogarem. Participo de um grupo de WhatsApp de brasileiras em Madrid. Somos mais de 500 mulheres e nos ajudamos mutuamente. Um conselho que eu dou para quem deseja imigrar é que se planeje, ouça opiniões distintas (de pessoas que tiveram casos positivos e negativos), e estude o idioma. Ele é uma das ferramentas mais importantes neste seu recomeço em outro país. Eu cheguei aqui tendo uma boa base, e mesmo assim, tive bastante dificuldade no início para entendê-los.
Qual o seu maior sonho?
Cris: Gosto de trabalhar em comunidade, de fazer coisas em parceria, de compartilhar conhecimento, de falar com pessoas que me inspiram. Um aluno me inspira. Quero chegar ao maior número possível de brasileiros com meu trabalho e que muitos deles passem a falar espanhol e se sintam capazes de se comunicar. Essa é a minha missão de vida “A educação é uma arma de construção massiva”. (Marjane Satrapi/escritora franco/iraniana)

