Levar a música brasileira à Espanha

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar, cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Ah meu Deus, eu sei, eu sei, que a vida devia ser melhor e será! Mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita, é bonita!”. E é no embalo da clássica canção “O que é, o que é? de Gonzaguinha, que um músico brasileiro, Saulo Oliveira, tem feito história na Espanha por meio de um projeto inédito: o “Samba y algo más”, e conquistado uma legião de fãs brasileiros e estrangeiros. Aos 42 anos, Saulo é o quarto entrevistado da série especial “Estrangeiros na Espanha” que conta a trajetória de imigrantes em diferentes áreas e projetos em solo espanhol.

Seu desejo como artista é levar seu projeto itinerante para os quatro cantos da Espana. Até o momento, seu show passou pelas cidades de Madrid, Alicante, Almeria e Valência. “Esse é o meu maior sonho como músico: o de que toda Espanha conheça a nossa música popular brasileira”.   

Como você veio parar na Espanha?

Saulo: Minha trajetória é longa. Inicialmente fui para Portugal e acabei mudando depois para Espanha onde já vivo há 18 anos somente trabalhando com música, que é o meu dom e minha grande paixão. Sou de São Paulo. Vivia no Brasil, trabalhava num banco, mas não tinha possibilidade de ascensão de carreira por não ter feito uma universidade. Então, decidi mudar para Portugal onde tinha um irmão que já vivia ali e esse foi o pontapé inicial para que eu retomasse minha paixão e passasse a sonhar em viver da música profissionalmente. Viajei por um razão e o destino mudou minha história.

Então quando você se mudou do Brasil não tinha esse sonho de trabalhar como músico no exterior?

Saulo: Não porque eu tinha minhas filhas no Brasil, um trabalho estável, e eu pensava apenas em estudar e depois retornar para o banco e buscar uma promoção. Não passava pela minha cabeça que minha caminhada mudaria completamente e que minha vida daria essa guinada, mas graças a Deus a decisão de mudar de país me ajudou a chegar onde estou hoje.

E onde você está hoje? Qual o papel que o Saulo assumiu diante de uma cultura totalmente oposta à brasileira? O que você conquistou?

Saulo: Acho que o grande segredo e também o da minha felicidade atual está exatamente aí, ou seja, quando estou tocando ou cantando em português para uma plateia estrangeira e sei que eles apesar de não entenderem a letra se deixam, muitas vezes, levar pela emoção. A música tem esse poder de conectar as pessoas e isso aconteceu recentemente num show que fiz em Almeria. Cerca de 90 % da plateia era composta por espanhóis, mas quando comecei a cantar a música “O que é, o que é”, do Gonzaguinha, eu a cantei com tanta verdade que aquela plateia ficou super emocionada. Isso não tem preço que pague.

Como nasceu o projeto “Samba y algo más”?

Saulo: Quando saí do Brasil fui morar em Portugal. Foi minha primeira viagem internacional e foi ali que apareceu a oportunidade de trabalhar como músico durante as noites. Eu não tinha documentação e isso foi maravilhoso porque me deu estabilidade. Fiquei cerca de oito meses em Lisboa e a experiência foi maravilhosa. E por uma destas coincidências do destino um primo que vivia em Madrid me disse que um dos integrantes de sua banda ia de férias para o Brasil e precisavam de um baterista para substitui-lo. Então, comecei a viajar todos os domingos de Lisboa para Madrid somente para tocar. Depois de um tempo, esse rapaz voltou do Brasil e decidiu que viveria em Portugal e eu acabei assumindo a vaga definitiva dele e me mudei para Madrid. Foram oito anos com eles, muitas formações e isso me deu muita abertura no mercado espanhol.

E como foi a recepção do público espanhol a um projeto tipicamente brasileiro?

Saulo: Nestes anos todos de trabalho na Espanha só tenho que agradecer ao público que fui conquistando, mas as coisas não foram fáceis. Eu também não tinha documentação e cheguei a ser preso sete vezes, mas é aí que eu destaco a mão de Deus na minha caminhada. Não tenho mais ninguém que atribuir à minha permanência na Espanha que não seja Deus. Se não fosse pelas mãos dele eu não estaria aqui te dando essa entrevista hoje. Ele quis que eu ficasse aqui e realizasse este sonho.

Madrid acabou sendo uma escola em termos musicais e também laboratório para seu projeto precursor no samba?

Saulo: Sim, a cidade me acolheu e me deu oportunidade de vivenciar muitas coisas diferentes. Conheci grandes músicos como Wagner Lemos, passei por bandas, toquei em diferentes bares, e também experimentei coisas novas dentro da música porque surgiu o convite para que eu também passasse a ser vocalista, algo inédito na minha carreira, até então.  Fui convidado para assumir a vaga de um outro rapaz e durante um mês preparei meu repertório e cantei nas estações de metrô para ganhar experiência até estrear no bar Maloca, ponto importante em Madrid.

E como surgiu a ideia da implantação do seu projeto autoral?

Saulo: Foi numa das viagens que fiz a Portugal. Eu vi um espetáculo belíssimo de roda de samba feito num centro cultural e fiquei encantado. Decidi que queria fazer isso também em Madrid. Fiz três experiências somente como organizador e não atuei como cantor e depois passei a cantar também. Aprendi muito durante esse tempo e achei que era hora de dar um passo maior. Então, fiz uma proposta de levar o roda de samba para um dos bares mais emblemáticos de Madrid, o café Berlim. Eles me deram a oportunidade de fazer um teste numa terça-feira (dia sem movimento e tradição). Eu agarrei aquela chance como sendo decisiva. Escolhi músicos de Portugal e na primeira noite foi um grande sucesso. Conseguimos um bom público por ser uma terça-feira à noite, e desde então, o projeto ficou fixo no local.  

E como é esse show?

Saulo: O roda de samba é um show para a família. O objetivo é promover esse intercâmbio de brasileiros com espanhóis e de outras nacionalidades que estejam de passagem pelas cidades onde tocamos, pois o projeto foi crescendo e sendo levado para fora de Madrid. Atualmente, temos 14 músicos, cinco bailarinos e nosso grupo é bastante eclético. Temos brasileiros, argentinos, venezuelanos e italianos. Só tocamos música brasileira.  São três horas de evento onde o público se depara com muita animação, samba, capoeira, dança, música, gafieira e maculelê (dança folclórica da Bahia).

Essa sua paixão pela música é herança familiar?

Saulo : Sou de uma família que sempre incentivou a arte. Meu pai era músico e foi um dos meus grandes influenciadores. Quando era adolescente comecei a acompanhá-lo pela noite e me apaixonei por aquele mundo. Dos 14 anos aos 18 anos, a música fez parte da minha vida. Ganhei um violão de minha mãe aos 16 anos e aprendi a tocar moda de viola porque ela gostava muito. Depois migrei para o pagode e entrei para um grupo. Meu pai me ensinou a tocar bateria e comecei a acompanhá-lo nos shows. Fui do pagode para o samba ao forró, sertanejo e bolero e por ser muito curioso me tornei autodidata dentro da música.

Então na juventude você já pensava em ser músico?

Saulo: Apesar de gostar muito desta área acabei entrando para trabalhar num banco e aos 18 anos interrompi minha carreira musical para trabalhar num banco e ajudar na criação das minhas duas filhas. Fiquei anos vivendo em outra área até ter a oportunidade de mudar para Portugal onde tive um reencontro com minhas raízes e a música passou a fazer parte da minha história de novo.

E como você projeta seu futuro?

Saulo: De momento, quero levar esse projeto para outras cidades e fazer essa conexão Brasil e Espanha. A música sempre estará presente na minha vida onde estiver. Mesmo quando eu me aposentar estarei de alguma forma conectado porque essa paixão faz parte do meu DNA. Está no meu sangue. Atualmente vivo em Valência e mantenho o projeto também em Madrid e aberto a outras cidades.

 CONTATO: sambayalgomasoficial (Instagram).

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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