“Isso tudo porque decidi que 2023 é o meu ano”, revela Flávia Orlando, roteirista brasileira que transitou em diferentes áreas do audiovisual criando conteúdo para o cinema e TV, e que se diz empolgada com os novos projetos, dentre eles, um filme sobre Clarice Lispector, e sua primeira experiência no teatro

Aos 24 anos, ela escreveu seu primeiro longa-metragem “Sonhos e Desejos”, baseado no livro “Balé de Utopia”, de Álvaro Caldas, e logo depois, a primeira série para a TV: “Capoeira” (TV Brasil), e não parou mais de produzir e criar conteúdo se transformando numa das mais jovens e promissoras roteiristas brasileiras . Ela navegou por diferentes segmentos: da ficção à variedade, passando pelo jornalismo, e trabalhou em distintos programas, como no “Estrelas” (apresentado por Angélica), no quadro “O que vi da vida” (Fantástico/ TV Globo), no “Superbonita” (GNT), “Sai do Chão” (TV Globo), dentre outros. “Ser roteirista é tentar acertar o final de um filme e, ao falhar, reconhecer que existe roteirista fod@ que tem ideia melhor que a sua”, explica. Envolvida em diferentes projetos simultaneamente, Flavia Orlando deu uma declaração recentemente em uma rede social de que 2023 seria o seu ano e não é para menos. Entre os novos projetos, está o roteiro de um filme de época, baseado em contos do Guy de Maupassant (todo feito com material reciclado, incluindo a cenografia e figurino). Em Pernambuco, ela fará um outro longa com a atriz Marcélia Cartaxo ao lado de atores nordestinos, e não para por aí. Flávia ainda tem outros dois longas que serão rodados no Rio e entrarão em pré-produção em breve, sendo um deles, um filme sobre Clarice Lispector. E se não bastasse, ainda tem sua primeira incursão no teatro. “Nunca fiz teatro e vou adorar a experiência, caso seja contemplada no edital. É mais um desafio. Adoro o novo”.
Flavia Orlando é a minha entrevistada especial da semana no blog Desejo de Viver. Nesta entrevista exclusiva, falamos sobre sua trajetória como roteirista, o seu despertar artístico, e também sobre a luta pela valorização dos roteiristas no Brasil. “O que precisa, definitivamente, parar por aqui, é trabalhar de graça. Ninguém, nenhum profissional, em nenhum lugar do mundo, entende essa dinâmica brasileira: a de um roteirista trabalhar sem receber. E aqui, infelizmente, isso é muito comum. Sou a favor de greve, de parar indústria, deixar transbordar o caldo até alguém resolver, mas não posso cobrar isso de colegas que não têm o mesmo privilégio que eu. Não é justo”, aponta.
Qual foi o seu primeiro projeto como roteirista?
FLÁVIA Quando o André Saddy, hoje diretor geral do Canal Brasil, saiu da LC Barreto para assumir o canal, eu fiquei no lugar dele como assistente do Luiz Carlos Barreto. Fui assistente de comercialização, depois de direção do Fábio Barreto e de outros diretores da produtora. Estudei roteiro na PUC e na Fundição Progresso com o Luiz Carlos Maciel, que se tornou meu grande amigo. Depois, fui estudar na Sorbonne, em Paris, e na Escola de Cinema Darcy Ribeiro onde, anos depois, dei aula. Comecei a escrever roteiros nessa época, com 24 anos. Quando o Marcelo Santiago começou a escrever o longa-metragem “Sonhos e Desejos, ele me chamou para colaborar no roteiro. Foi minha primeira assinatura como roteirista, e já em um longa-metragem para cinema. Logo depois, escrevi a série “Capoeira”, apresentada pelo Beto Simas, o “Mestre Boneco”. Foi meu primeiro trabalho como roteirista para a TV.

Como foi o seu despertar artístico?
FLÁVIA: Cresci na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, onde minha mãe ainda mora. Eu sonhava em sair de lá porque achava tudo muito atrasado, não era um lugar efervescente, não me inspirava em nada. E não tinha cinema. Hoje, acho um lugar simpático, gostoso e até bucólico. Eu sempre fui apaixonada por cinema e ia com minha mãe à Cinelândia ou à Tijuca, naqueles cinemas de rua maravilhosos. Também sempre fui muito fantasiosa, criava histórias. Quando eu era pequena, sonhava em ser arqueóloga. Depois, como era muito ambiciosa e queria o melhor do mundo, imaginei que devia fazer algo ligado a dinheiro. Na época, não entendia que essa conexão nem sempre faz sentido. Meus pais sempre valorizaram muito os estudos. Estudei em escola particular, fiz inglês. Mas era tudo muito no rumo de uma trajetória enquadrada e tradicional. Durante muito tempo, estudar cinema passou longe do meu radar.
Qual é sua formação universitária? Você fez alguma faculdade antes de trabalhar como roteirista?
FLÁVIA: Eu sou formada em Economia pela Universidade Federal Fluminense (RJ). Comecei a pensar em estudar Cinema quando me vi infeliz no meu trabalho na Andersen Consulting, hoje Accenture, uma empresa de consultoria. Mas o que eu faria da vida? Pensei muito e caiu a ficha de que a sala de cinema era o lugar mais confortável do mundo para mim. Eu vivia no cinema. “O Quatrilho” e “O que é isso, companheiro?” já tinham ido para o Oscar e configurava-se a retomada do cinema brasileiro. Pouco tempo depois, eu trabalhava justamente para a produtora de ambos os filmes.
Você acumulou bastante experiência roteirizando programas de sucesso em diferentes segmentos, como do jornalismo ao entretenimento. Qual a principal diferença ou desafio que há na criação deste tipo de roteiro em relação aos de ficção?
FLÁVIA: Eu acho que o maior equívoco de um autor ou realizador é ser burocrático. E em programas onde você é contratado para cumprir uma demanda, é um risco que se corre. Então, o maior desafio para mim sempre foi o de imprimir a minha autoria nesses programas. Em alguns, consegui. Em outros, não. Na TV Globo, por exemplo, são milhões os espectadores. O público-alvo é estabelecido com uma margem de erro muito mais apertada, bem mais do que em um filme ou uma série. Não tem muito espaço para experimentar. Ao mesmo tempo, é muito subjetivo adivinhar o que cairá ou não no gosto do público. Em ficção, para mim, é bem mais simples. Eu só escrevo aquilo que gostaria de assistir enquanto espectadora. Como público, eu me cobro uma honestidade em relação ao que escrevo. Em variedades, esse critério não funciona. Você está a serviço de uma emissora, da história dela, das bandeiras que ela levanta, do que ela defende. A sua veia autoral entra em uma equação com muitas variáveis.
Como foi trabalhar no programa Estrelas, apresentado pela Angélica?
FLÁVIA: Havia uma demanda muito grande para levar boas matérias para a reunião de pauta, que acontecia semanalmente. A cada sábado, eram exibidas três ou quatro matérias no programa. A Angélica recebia os roteiros com antecedência. Não tive muito contato com ela porque eu não ia para as gravações, mas ela era uma pessoa muito afável, doce e educada. Foi muito difícil trabalhar no Estrelas, porque eu simplesmente não me conectava com aquele universo das celebridades. E é muito complicado trabalhar em algo que não me representa de alguma forma. Em um determinado momento, perdeu o sentido para mim, mas super valeu a experiência e eu fiz grandes amigos. Mesmo dentro de um programa já conceituado, sem muita margem para novidades, consegui escrever roteiros que me deixaram orgulhosa.
Com relação ao Superbonita, queria que você falasse da importância de ter um programa feito para mulheres num país ainda machista e preconceituoso como o nosso?
FLÁVIA: Eu adorei escrever o Superbonita. O programa ia além de “dicas para beleza”. Era um roteiro muito detalhado e preparado. Sempre que possível, imprimíamos uma pegada socialmente relevante. Escrevi um programa chamado “Senhoras de Si”, com a Zezé Motta e a Lygia Camara, que tinha 80 anos, e praticava canoagem na Lagoa. Era um programa sobre a atitude jovem diante da vida, independente da idade. Mas o que eu queria mesmo era ver um novo “TV Mulher”, apresentado por alguém do naipe da Marília Gabriela. Um programa onde a mulherada mandasse. O mais perto disso eu acho que é o videocast “Quem pode, pod”, da Fernanda Paes Leme. Eu tenho 49 anos e posso dizer que, hoje, é mais fácil ser mulher do que era há 20 anos. Sou ouvida, respeitada, tenho um lugar à mesa. Não era assim quando eu comecei como roteirista. Mas a luta continua e ela deve ser constante.
Já o programa “O que vi da vida” era totalmente jornalístico calcado nas experiências de vida dos entrevistados. Queria que você contasse bastidores da série e qual entrevistado lhe emocionou mais?
FLÁVIA: “O que vi da vida” foi meu primeiro trabalho na TV Globo. As perguntas eram pensadas em cima de uma pesquisa bem completa que eu recebia. O bacana do quadro era que a gente “saía da casinha”. Perguntávamos dentro das “paredes do respeito”, literalmente o que queríamos. E o convidado, por algum motivo que eu até hoje não alcanço, “confessava” tudo. Uma entrevista que me emocionou bastante foi a do Neguinho da Beija-Flor. Ele falou, de forma muito corajosa e intensa, sobre a superação de um câncer. Todo mundo chorou. Ao final, dei um abraço nele.
No caso do “Sai do Chão” era um programa musical com pitadas de jornalismo. Conte sua experiência como roteirista.
FLÁVIA: O “Sai do Chão” foi um dos trabalhos mais gostosos que eu já fiz. Ia muito além do gostar ou não do artista, porque foi um dos exemplos que eu dei, onde consegui imprimir minha assinatura autoral. Escolhíamos os artistas principais, aqueles que os haviam influenciado e os influenciados por eles. A gente montava um camarim com fotos da história do artista e suas comidas preferidas. Era super emocionante porque eles se mostravam muito ali. Eu escrevia as perguntas e fazia as entrevistas. Era quase um reality, feito de camarim, ensaios e show. Uma “colagem” muito feliz em uma edição que eu acompanhava muito de perto. Depois da gravação, eu pegava todo o material e fazia um pré-roteiro de edição, que facilitava muito na hora de montar. Os diretores também participavam dessa edição e a gente apresentava, ao final, para o Luiz Gleiser, que era o diretor do núcleo. Quando a gente terminou o primeiro episódio do “Sai do Chão”, o do Michel Teló, o Gleiser me escreveu uma coisa bonita: “A equipe inteira produz o léxico, em várias camadas e modos de significar. Mas quem constrói o sentido é a sintaxe. E quem constrói a sintaxe é você. Parabéns, lindo programa.” Eu fiquei muito feliz com esse entendimento do meu trabalho.
O programa Família Shoptime, ao contrário dos outros, tinha o tom ficcional. Como foi essa experiência de trabalhar com ficção num programa de TV?
FLÁVIA: Até então, inédita para mim. Escrever esquetes de humor me parecia bastante longe do meu escopo, mas havia essa demanda: a de realizar algo nunca feito nos mais de 25 anos do Shoptime. Uma nova forma de venda em um canal, até então, exclusivamente de vendas. Fiquei muito satisfeita com o resultado. O marketing da Americanas, que é o grupo do qual o Shoptime fazia parte, nunca deu o devido destaque. Então, pouca gente ficou sabendo o que a gente realizou ali. E não foi pouca coisa. Conseguimos implementar ótimo conteúdo no Shoptime. Os apresentadores embarcaram geral na ideia. Eles eram muito bons. Um desperdício chamar aquele time de “vendedores”. Pena que ninguém assistiu, mas por falta de divulgação. Muitas esquetes tinham entre dois e três minutos, perfeitas para as redes sociais. Eram engraçadas, super bem feitas, uma venda indireta muito bem executada. O Canal Shoptime acabou e tem gente que acha que foi porque não se reinventou. Isso não é verdade. Não houve a devida divulgação do que fizemos ali.
Como foi a experiência de trabalhar como roteirista no programa Retratos Brasileiros? Qual a importância deste tipo de programa numa sociedade acostumada a consumir produto internacional?
FLÁVIA: Eu escrevi, produzi e dirigi um Retratos Brasileiros com o Luiz Carlos Maciel, guru da contracultura, meu professor de roteiro e grande amigo. Acho o Retratos Brasileiros importantíssimo para o Brasil. Por mim, escreveria e dirigiria todos. Também tenho muita vontade de fazer uma série sobre as inspirações dos nossos artistas. Cada um contando o que influenciou a sua arte, na literatura, música, teatro e audiovisual. Voltarei a propor esse formato para o André Saddy, do Canal Brasil.
Queria que você falasse dos dois longas: “Querido Embaixador” e “Sonhos e Desejos”, exibidos em mostras internacionais de cinema. Como foi trabalhar em cada um destes projetos?
FLÁVIA: O “Sonhos e Desejos” foi meu primeiro trabalho como roteirista profissional. Com ele, a Mel Lisboa venceu Melhor Atriz no Festival de Gramado. É um filme sobre a ditadura com uma trilha sonora primorosa e músicas do Milton Nascimento. Não foi um filme bem recebido, nem pela crítica nem pelo público. Acontece. Hoje, eu faria um filme completamente diferente. Sou outra roteirista, com muito mais maturidade, observação e estudo. Já o “Querido Embaixador” foi um convite do Luiz Carlos Maciel. Escrevemos juntos. O Luiz Fernando Goulart foi o diretor do filme e a encomenda era que fizéssemos uma costura dramática com os recortes documentais. E foi justamente por essa “costura fina” que o filme foi elogiado nas universidades e festivais internacionais onde foi exibido. Apesar de ser um filme de época, é considerado de baixo orçamento. Dentro das limitações, todas as equipes fizeram um trabalho primoroso. Um filme “conseguido”, como dizia Lucy Barreto.
Pegando carona na pergunta anterior, o que vc acha que precisa para que o cinema brasileiro passe a ser mais valorizado no nosso país, assim como acontece com países vizinhos, como a Argentina, por exemplo, que tem um cinema super forte e nominações ao Oscar?
FLÁVIA: Eu defendo maior observação da natureza humana, do entorno, sem julgamentos ou preconceitos. E que autores dirijam seus filmes. Considero esse um caminho orgânico para comunicar uma intenção, dar um recado, se expor. Ainda somos muitos blasés em relação ao nosso trabalho. Temos medo da crítica, de desagradar o grupo de WhatsApp de “entendidos de cinema”, a avó, os filhos. Muitos roteiristas não são autores. Nem querem ser. Escolhem uma profissão, cumprem as demandas e recebem seu dinheiro. E tudo bem também. Mas eu desconfio que é justamente isso que nos separa dos argentinos, bem mais emocionados que a gente. Bota a cara, pô. Diz a que veio. É essa produção corajosa que formata uma identidade.
No Brasil, temos uma cultura muito forte com as novelas, mas ao longo dos últimos anos elas também passaram a ter a concorrência do streaming, por meio de filmes e séries, mas agora o streaming também está investindo em novelas. Como você vê essa mudança de comportamento?
FLÁVIA: Olha, eu não assisto às novelas. Parei há mais de 20 anos. Gosto de cenas curtas, que começam o mais tarde e terminam o mais cedo possível. Não tenho a menor doação para algo que demora a se resolver. Amo séries, mas se o primeiro episódio não é muito bom, não assisto ao segundo. Acho que, nos lares brasileiros, ainda há o hábito de “assistir” às novelas enquanto se faz outras coisas. Você chega na casa da pessoa, a novela está passando e ela está mergulhada no celular. Não escrevo para essas pessoas. Mas a novela saiu de moda? Não me parece.
Então, você escreveria novela? E projetos novos para o cinema?
FLÁVIA: Pagando bem, que mal tem? Escrevo qualquer trabalho que tenha data para terminar e para o meu pagamento entrar. Tenho um projeto de série com a Luciana Guerra Malta e o Julio Carvana. São histórias curtas. Minha coisa é o cinema. Foi por ele que eu mudei de trajetória há 25 anos. Tenho sete projetos de longa-metragem para cinema. Três, já com produtoras e distribuidoras. Um deles será produzido pelo Tuinho Schwartz, da Focus Filmes, e estamos correndo para filmar este ano, por conta do Affonso Beato, um dos maiores diretores de fotografia do mundo, que leu o roteiro e adorou. O Affonso está no Brasil e mora em Los Angeles. Nosso desejo é filmar antes que ele retorne para lá.
O que você acompanha de ficção nacional e o que destacaria no momento (TV aberta e fechada), e na TV internacional, você destacaria algum projeto ou país em teledramaturgia?
FLÁVIA: Para mim, um dos maiores filmes dos últimos tempos, dentro e fora do Brasil, é “Bacurau”. Audacioso, autoral e repleto de simbologia. É esse cinema que eu quero fazer e assistir. Vi grandes filmes nos últimos anos, como “Nomadland”, “Drive my Car”, “Titane”, “Ataque dos cães” e o extraordinário ” Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. São filmes de países e realizadores diferentes. A plataforma Mubi traz ótimas opções de filmes de vários países. É um verdadeiro deleite assistí-los. Minhas séries favoritas são: “Mad Men”, “Succession”, “Peaky Blinders”, “The Wire” e ” The Marvelous Mrs. Maisel”. Não destaco nenhuma brasileira, infelizmente.
Qual a sua opinião sobre a desvalorização da profissão do roteirista com a greve dos profissionais nos EUA? De que forma você acredita que isso possa impactar no Brasil?
FLÁVIA: Roteiristas dos EUA param a indústria. É um país rico. Eles podem. Nossa remuneração, aqui, não se compara com a deles. Como o Brasil é um país de terceiro mundo, há sempre a necessidade de pegar trabalhos sem parar para pagar as contas. Seria muito cruel cobrar engajamento em uma greve de profissionais em início de carreira, cheios de boletos vencidos. Eu entrei como roteirista em um edital em 2018, no apagar das luzes do Ministério da Cultura. Era um edital de comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil. Ganhamos e o dinheiro entrou no início de 2020. Recebi metade do meu cachê com a promessa de que a outra metade entraria quando eu entregasse o trabalho. Não recebi esse dinheiro até hoje. O produtor diz que a Ancine não pagou. E me pede para não cobrar, sob o risco de “irritar o pessoal”. Então eu, uma profissional que ajudou a vencer um edital legítimo, não tenho de quem cobrar o meu dinheiro. Só no Brasil uma coisa dessas acontece. Da minha parte, eu adoraria participar de uma greve. Sou a favor de greve, de parar indústria, deixar transbordar o caldo até alguém resolver. Mas não posso cobrar isso de colegas que não têm o mesmo privilégio que eu. Não é justo. O que precisa, definitivamente, parar por aqui é trabalhar de graça. Ninguém, nenhum profissional, em nenhum lugar do mundo, entende essa dinâmica brasileira: a de um roteirista trabalhar sem receber. E aqui, infelizmente, isso é muito comum. “Senta ali e escreve uma coisinha. É rapidinho.” Você abraça o sonho alheio e se esse sonho não der certo, só você trabalhou. Isso tem que acabar. Se a gente não valorizar o roteiro, onde tudo começa e sem o qual nada caminha, estaremos sempre lascados. Eu não escrevo de graça mesmo!
Nos últimos anos temos tido um boom de cursos de roteiro, workshops, masterclass, cursos de pós-graduação em roteiro e muita gente querendo trabalhar como roteirista. Antes, as pessoas nem se davam conta de que por trás de uma novela ou filme havia um autor. O que você acha que mudou de lá para cá?
FLÁVIA: Informação. As pessoas não sabiam mesmo o que era um roteiro. Era algo muito abstrato para a cabeça de muitos. Apesar de ser super concreto, né, é físico, está ali escrito. É tangível. Esse trabalho, o de pegar uma cena do filme e comparar com a cena escrita no roteiro foi muito importante para esse entendimento. As pessoas achavam que o ator, sei lá, inventava a fala dele. Criava na hora. Até hoje tem gente que acha que um programa de variedades, por exemplo, não precisa de roteiro. Esquecem que existe uma equipe inteira ali – cenografia, contrarregragem, direção, elenco, figurino, trilha sonora, fotografia, maquiagem, maquinário, elétrica – esperando para saber o que tem que fazer, onde bota a câmera e em que momento começa a rodar. É muito louco tudo isso.
Você também possui experiência como professora de roteiro. Queria que falasse dessa sua relação com novos roteiristas e qual você acha que seria o caminho para quem sonha em ter um trabalho como roteirista reconhecido? O que fazer para se destacar neste mercado tão fechado e baseado em QI (quem indica). Como furar a bolha?
FLÁVIA: Eu acho importante sim, construir relações pessoais. Mas ninguém vai te indicar por causa, exclusivamente, de camaradagem. Tem que saber escrever, construir cena, transformar o abstrato no concreto, a intenção na ação. Todo mundo está atrás de um bom conteúdo. Monta um portfólio de roteirista e espalha por aí. “Ah, mas vão roubar meu roteiro.” Não vão roubar nada. Menos. Você não é tão genial assim. É importante conhecerem a sua escrita. Junta seus amigos, faz um curta-metragem. Vai ganhar prêmio. E estuda. Eu conheci belíssimos projetos enquanto dava aula de roteiro. Alguns ex-alunos são meus parceiros, como a Luciana Guerra Malta e o Daniel Weller. Quando eu montar um time de roteiristas, eles estarão junto comigo porque eu conheço a escrita deles. Lê. Não caia na bobagem de que o Robert McKee, por exemplo, é um autor ultrapassado. Hoje, depois de assistir a todos esses filmes que citei aí em cima, os livros dele fazem mais sentido que nunca. Entenda quem é você e sua visão de mundo. Isso é muito importante.
PING PONG
ATOR/ATRIZ Gary Oldman/Andréa Beltrão
MELHOR NOVELA: “Vale Tudo”
MELHOR SÉRIE: Mad Men
MELHOR CENA (NOVELA, SÉRIE , FILME) Marco Aurélio dando uma banana pro Brasil, em “Vale Tudo”. A cena do episódio piloto de “Succession”, onde o Kendall Roy fala: “Se eu quero ligar para o meu pai? Você quer ligar para o seu?”, ele responde após um funcionário perceber sua fragilidade acerca de uma arriscada oferta de compra. A cena é interrompida, justamente, por uma ligação do pai. A cena final de “Mad Men”.e o final de “Bacurau”
MELHOR FILME: “Era uma vez no oeste”
PERSONAGEM DOS SONHOS QUE GOSTARIA DE TER ESCRITO: Kendall Roy
COM QUAIS ATORES GOSTARIA DE TRABALHAR Andréa Beltrão, Jesuíta Barbosa, Tomer Sisley, Marcélia Cartaxo, Zezé Motta e Lisa Eiras.






