Diário de um imigrante- Cap 14

Meu maior medo ao sair de casa e encarar um intercâmbio era justamente a questão financeira, pois eu já havia tido uma experiência curta no passado, em Portugal, e sabia que a vida no exterior não era nada fácil para um imigrante. Muitos pensam que viver na Europa ou nos EUA, por exemplo, é sinônimo de glamour, riqueza e status, mas enganam-se completamente. A maioria de nós brasileiros quando estamos em outro país temos que aceitar “o que vier pela frente” para sobreviver, e isso inclui muitas coisas. (contarei em outro episódio os empregos que tive que aceitar).

É a famosa lei do mais forte. Quem passa neste teste está vacinado contra qualquer outra adversidade. Isso me fez lembrar duas personagens que passaram exatamente por isso na primeira fase de “I Love Paraisópolis”: Marizete e Danda, vividas, respectivamente, pelas atrizes Bruna Marquezine e Tatá Wernek. Ambas saíram do Brasil e tiveram que encarar as adversidades de um estrangeiro em outro país.

No meu caso, eu havia viajado para Dublin como estudante, e o meu visto permitia trabalhar legalmente nas horas vagas e foi isso que me fez escolher a Irlanda, pois eu não pensava só em mim, mas também em Fernando (Fer). Éramos um casal e os dois necessitavam de trabalho, o que tornava as coisas ainda mais complicadas. Só que ninguém esperava que um intercâmbio tão sonhado e planejado por mim durante anos- o Fer nunca havia sonhado com isso antes de me conhecer- tivesse que ser interrompido na sua metade por causa da crise internacional de 2008. O mundo vivia uma onda de recessão e a Europa havia sido impactada fortemente. E , por azar, a Irlanda foi um dos países mais afetados.  

Eu estava muito triste e decepcionado, melhor, arrasado, pois eu não queria desistir na metade do processo. Tinha sido muito difícil chegar até ali. Eu amava Dublin mesmo com todas as dificuldades e perrengues que já havia passado ali desde minha chegada seis meses atrás. Por outro lado, era muito arriscado ficar só gastando em euro sem entrar nada de dinheiro. As economias estavam acabando. Eu não tinha um plano B.

O retorno ao Brasil era o único caminho que eu via diante de nossa situação, mas graças a Deus, e ao empenho do Fer, nosso destino foi mudado aos 45 minutos do segundo tempo. Não havia espaço para prorrogação. O juiz ia apitar a final da partida e eu já sabia qual seria o placar: derrota sem nenhum jogo a mais. Era o fim do campeonato prá gente.

E foi justamente quando eu começava a pensar na antecipação da nossa passagem de retorno- ia mandar um e-mail para a moça de agência de Florianópolis que havia nos vendido o curso autorizando a remarcação- quando Fer me mostrou um e-mail. Sem que eu soubesse, ele havia escrito para “O Boticário”, em Portugal, contando sua experiência bem-sucedida como maquiador do grupo no Brasil, e o gerente internacional da rede em Portugal, coincidentemente ou por obra do destino, era um brasileiro. Ele lhe fez um convite inusitado: Fer teria que ir à Portugal fazer uma entrevista e se fosse bem poderia ser contratado temporalmente. Mas não havia NENHUMA PROMESSA ou GARANTIA que ele conseguiria a vaga. “Dé, é a nossa chance de não ir embora da Europa antes de um ano. A gente vai pra Portugal, arrisca, e se não der certo minha entrevista tenta alguma coisa por lá. Como turistas podemos ficar três meses”. Essa foi a proposta de Fer.  Arriscada, ousada? Sim, mas minha vida até ali havia sido uma eterna aventura.

Mesmo com receio e muito pensativo eu disse que concordava com sua proposta. Ele ficou até espantado porque eu era sempre o que ia pela razão, ponderava os prós e os contras, mas daquela vez não houve ponderação. Era minha vontade de ficar na Europa falando mais forte. Começamos a estudar a melhor forma de viajar e decidimos que íamos de avião de Dublin até Faro, e de lá para Lisboa de trem. Era o jeito mais econômico. Decidimos que íamos deixar nossa bagagem maior na casa de amigos e só levaríamos roupas básicas porque estava começando a melhorar o tempo.

Era uma loucura o que íamos fazer, pois não tínhamos nem lugar para ficar em Portugal. Não havia dinheiro para gastar alugando hotel (isso só em último caso). Íamos tentar encontrar alguma vaga pra morar assim que chegássemos em Lisboa. Definitivamente eu era um louco aventureiro que havia encontrado outro louco para viver junto comigo minhas loucuras, e talvez por isso a gente era tão feliz porque um completava a loucura do outro. Mas chegar em outro país sem casa era muito arriscado, mas parecia que a gente gostava de correr riscos.

Decisão tomada era momento de começar as despedidas com os amigos e também de aproveitar um pouco a cidade e a vantagem dos voos internacionais na Europa serem low cost. A maioria dos nossos amigos já havia feito alguma viagem para fora da Irlanda para conhecer outros países, menos nós dois. Fer vivia brigando comigo e hoje vejo que ele tinha razão (não seria uma viagem ou outra que ia nos deixar mais pobres do que estávamos).

A gente podia ter apertado outros gastos e ter viajado para Londres, Amsterdam, Roma, e outras cidades que eram baratas (era uma oportunidade única estando tão perto). Não que eu não quisesse, pelo contrário, mas eu era mais controlador com as finanças porque se não tivesse tido esse controle talvez não tivéssemos conseguido ficar seis meses fora sem praticamente trabalho.

No entanto, eu tinha o sonho de conhecer Paris, assim como Fer. Era a Paris de tantos filmes, novelas, e de livros que eu havia lido, inclusive um deles, da Coleção Vagalume havia me marcado muito: “Meninos sem pátria”. Este livro falava de um jornalista do interior de São Paulo que, perseguido pela ditadura militar de 1964, teve que fugir do país. O livro havia sido inspirado no caso real do jornalista José Maria Rabêlo, criador do jornal mineiro Binômio, que fugiu do país com a mulher e sete filhos perseguido pela ditadura. Na história, o personagem José Maria teve dois filhos e se exilou no Chile e na França. Esse livro me fazia pensar na vida no exterior, de pessoas que têm que deixar suas casas por N motivos, e que acabam fazendo laços com outros países. Eu não imaginava que um dia também me consideraria um cidadão do mundo.

 Fer havia encontrado uma passagem muito barata, mas também era uma loucura as condições da viagem. Íamos literalmente num bate-volta Dublin/ Paris/ Dublin. O aeroporto na França era em outra cidade. Chegando ali teríamos que tomar um ônibus de mais de duas horas até Paris, ficar menos de quatro horas na cidade, regressar para a estação e pegar o ônibus de volta para o aeroporto. Se tivesse algum atraso ou nos perdêssemos, o que seria perfeitamente normal diante das circunstâncias, sem falar inglês ou francês, e sem conhecer nada de Paris, e ainda correndo o risco de atrasos no voo ou no ônibus.

Realmente acho que foi uma das viagens mais loucas que eu já fiz em toda minha vida devido à completa incerteza se daria certo, mas se eu não aceitasse fazê-la minha relação ia ter a primeira grave crise, pois Fer não estava conseguindo se adaptar com essa restrição de dinheiro e se sentia acuado. Isso estava me afetando também porque essa parte chata, mas, necessária, ficava sob minha responsabilidade.

PROVAR O FAMOSO CROISSANT DE PARIS, VER A TORRE EIFFEL, O LOUVRE ,A AVENUE DES CHAMPS-ÉLYSÉES E O ARCO DO TRIUNFO ERAM METAS A SER ATINGIDAS NAS POUCAS HORAS DE FRANÇA

A viagem até Paris foi emocionante. Como fã incondicional da personagem Maria de Fátima, da novela “Vale Tudo”, eu havia me apaixonado pela cidade há muitos anos só de ouvi-la falar tão bem da capital francesa. Fátima depois que teve a experiência internacional ao lado do marido Afonso (Cássio Gabus Mendes) não se acostumava mais com o Brasil. Confesso que eu tinha medo que isso acontecesse comigo. Não que eu fosse parecido com Fátima (eu apenas amava a personagem do ponto de vista dramatúrgico), mas eu tinha medo de que quando chegasse o dia de retornar ao Brasil eu me sentisse muito triste, e isso se cumpriu meses depois.

Quando o avião posou no distante aeroporto de Beauvais, meu coração disparou. Eu estava a poucas horas de finalmente conhecer um dos maiores símbolos do mundo: a famosa “Torre Eiffel”, que eu já havia visto em tantas obras e em diferentes ângulos. Como seria vê-la de tão perto? Eu não conseguia disfarçar minha ansiedade e expectativa. Fer também estava bastante ansioso. De tanta ansiedade nem vimos a viagem passar e quando chegamos à Paris saímos em disparada porque sabíamos que o tempo era bastante curto pra fazer tudo o que a gente queria fazer. Ainda havia o risco de sair algo errado e perder o voo de volta para Dublin.

Como não falávamos inglês num nível razoável para entender bem todas as instruções, nós decidimos seguir o instinto turístico de Fer (ele era bom com os mapas). Outra coisa que nos ajudou é que fomos seguindo o fluxo de turistas. Se você vê a pessoa com uma máquina já sabe que é turista e se está em Paris, é 100 % de certeza que ela irá fotografar a torre. Então, a gente seguia os grupos maiores e isso acabou nos levando até a monumental torre.

Um dos nossos sonhos era conhecer Paris, desejo cumprido em 2009

É difícil escrever com palavras a emoção que você sente ao ver algo que você sonhou por tantos anos e que viu somente por fotos, livros, filmes e novelas estar tão perto dos seus olhos. Eu fiquei totalmente paralisado. Era a coisa mais linda que eu já havia visto em toda minha vida, e muito maior que eu havia imaginado, mas não era somente a torre que me chamava atenção, mas todos os caminhos que nos levavam até ela, como os jardins na parte de cima. Tudo era mágico, indescritível e único. Agora eu entendia porque muitos escritores criavam cenas naquele lugar. Era porque a torre, mas não somente ela, mas Paris precisa ser visitada, revisitada e explorada muitas e muitas vezes. A “cidade luz”, como é conhecida, sem dúvida, ficou no meu coração e é a minha preferida dentre todas as capitais que já conheci.

Ficamos mais ou menos uma hora por ali fazendo fotos, conhecendo cada cantinho e partimos para o segundo ponto que queríamos visitar: o Museu do Louvre. Claro que pelo lado de fora até porque não haveria tempo de entrar e tampouco porque não tínhamos dinheiro, mas só de estar ali também já valeu a pena. Faltavam ainda dois lugares para completar nossa maratona parisiense: a Avenue des Champs-Élysées uma das mais lindas e famosas do mundo (acho que é mais bela de todas), e também o arco do Triunfo. Claro que faltariam muitos outros lugares icônicos de Paris, mas pelo menos poderíamos contar que estivemos ali por algumas horas. Fizemos a promessa de que ainda voltaríamos em outras condições. E graças a Deus, tive a oportunidade de anos depois voltar já duas vezes e sempre que vou me emociono de uma maneira diferente.

Há poucos dias me dei de presente o ingresso para as Olimpíadas de Paris, em 2024. Planejamento é tudo, e finalmente, se Deus quiser, verei um jogo de vôlei de quadra feminino (espero que seja do Brasil), mas só de estar em minha primeira Olimpíada e ainda por cima na França, não tem como não agradecer.  Sempre sonhei estar em uma Olimpíada, e não pude ir na do Rio porque estava vivendo na Irlanda, em 2016. Hoje, vejo como é bom se planejar para que consiga cumprir seus sonhos.

ABAIXO DOIS MOMENTOS DIFERENTES EM PARIS: 2009 E 2022

(Se em 2009, tive só quatro horas para conhecer a cidade dos meus sonhos, em 2022, tive oportunidade de voltar com calma e viver essa nova experiência, por isso, acreditem nos seus sonhos!! Ter esperança é o que nos leva adiante).

Nossa viagem de quatro horas por Paris foi intensa e linda. Conseguimos cumprir nosso roteiro de viagem e voltávamos para “casa “, no caso, Dublin, felizes e realizados. Ao menos eu estava bem com Fer depois dessa viagem, pois não queria começar uma nova jornada em outro país brigado.

Quando comunicamos aos nossos amigos mais próximos que íamos nos mudar de Dublin todos ficaram muito tristes e arrasados. Fer e eu podíamos ter muitos defeitos, e temos, mas nos orgulhávamos também de ter algumas qualidades que julgávamos importantes: a lealdade com os amigos. Se éramos amigos, éramos de corpo e alma, e havíamos construído um laço forte de amizade ali naquela cidade, e muitos daquele grupo são nossos amigos até hoje.

ALERTA DE SPOILLER: Muitos que estavam com nomes fictícios no início desta série, e sem fotos, me procuraram com o desejo de que suas identidades fossem reveladas porque estavam lendo os capítulos e se emocionando com tantas lembranças. Por isso, todos os meus amigos que aparecem nas fotos estão com suas verdadeiras identidades. Foi a minha maneira de homenagear cada um deles. Quem sabe um dia não faremos como na minissérie “Queridos amigos” (retratada no capítulo passado), e reunimos toda galera para um reencontro em Dublin???

DESPEDIDA COM PERRENGUE SENÃO NÃO SERIA EU. O DIA QUE VIREI “UM GOONIE” E ME SENTÍ PERSONAGEM DO FILME

Nossa despedida de Dublin tinha que ser em um cenário paradisíaco, digno da ilha da esmeralda, e nada melhor que escolher um dos seus lugares mais famosos: os cliffs. Escolhemos o de Howth porque era o mais próximo de Dublin, e a viagem também era mais fácil e econômica. Fomos de ônibus. A viagem era relativamente curta. Ali também havia diferentes opções de trilhas. Muitos contratavam guias ou viajavam com agências especializadas. Como não tínhamos condições para essas regalias nós mesmos seríamos nossos guias.

Como sempre, e já tínhamos nos acostumado a isso, fazia bastante frio e ventava muito, por isso, fomos aconselhados a ir bastante agasalhados porque ficaríamos literalmente expostos ao vento e à provável chuva. Seria raro se aquele dia não chovesse, e São Pedro até que deu uma mãozinha, pois no momento que chegamos à cidade não estava chovendo, mas havia chovido toda manhã, por isso, toda caminhada seria mais difícil e arriscada. Era provável termos muitas quedas e nos machucarmos gravemente porque a estrada de acesso era repleta de pedras.

A caminhada mais curta que duraria cerca de uma hora e meia acabou se estendendo por mais de duas horas. Fomos nos equilibrando para não cair, mas ….como tudoooo acontece comigo, eu tinha que deixar minha marca cravada ali . Lembram do filme “OS GOONIES”, clássico da Sessão da Tarde na década de 90??? Pois bem, há uma cena fantástica ali. Nela, o grupo de amigos que busca um tesouro perdido encontra um túnel que , na verdade, é uma correnteza que os levará até o navio. Pois bem, com toda a licença poética possível e me adaptando às circunstâncias e intempéries do tempo, no meio do caminho não havia uma correnteza, mas o chão estava muito escorregadio e era uma descida muito íngreme,  bem próxima aos cliffs. E quem caiu neste corredor e foi rolando como uma bola ???? Claro que fui eu!

Cena inesquecível vivida pelo grupo de aventureiros em “Os Goonies”, clássico da minha adolescência que ficou marcado na minha mente

Eu rolava e ia me misturando às poças de água (lama, grama e pedras). Foram quase 100 metros escorregando e meus amigos não sabiam se gritavam ou se riam. Por sorte, havia uns galhos no meio do caminho e consegui me agarrar neles porque senão talvez não estivesse aqui contando essa história porque teria caído no penhasco.  Quando meus amigos e Fer chegaram até mim eu parecia um porquinho que havia acabado de sair do chiqueiro.  Mesmo quem me conhecia necessitaria de alguns minutos me observando atentamente até me reconhecer.

O máximo que me permiti chegar próximo aos cliffs (isso antes do momento “Os Goonies”)

Não preciso dizer que virei a piada do dia, sem contar que tive que passar o restante da tarde todo sujo porque não havia onde me lavar. Naquela hora eu torcia para que houvesse uma chuva muito forte porque eu poderia me limpar. Minha maior vergonha seria na hora de voltar para casa. Eu nem sei se o motorista me deixaria entrar porque realmente eu estava num estado lastimável.

Bom, o percurso até ali havia sido complicado, mas a visão realmente era fantástica, mas como tenho muitooo medo de altura, eu não me atrevi chegar mais perto dos penhascos porque é muito perigoso e tive que ficar brigando com Fernando e com meus amigos que se arriscaram pela melhor foto. Talvez de todos os passeios que fiz em Dublin esse é o que menos aproveitei porque achei muito perigoso. Não sei se voltaria, mas pra quem gosta de altura, de belas paisagens, esse passeio é imperdível.

HORA DE FAZER AS MALAS, SE DESPEDIR DA CIDADE QUE TANTO NOS MARCOU E SEPARAR-SE DOS AMIGOS QUE FORAM NOSSA FAMÍLIA

Como sou muito místico, sempre falo em astrologia. Acredito muito na influência astral, e creio que muitas coisas estão interligadas. Eu não poderia ter nascido sob influência de outro signo: Câncer. Tenho 100 % das características de um canceriano, principalmente a sensibilidade e o romantismo. E como bom canceriano sou muito apegado às amizades.  Quando gosto, gosto de verdade, e aprendi a gostar de meus amigos de Dublin como se eles fossem da minha família. E, na verdade, eles eram. Eles foram!

Uma vez ouvi uma frase que nunca esqueci: “os amigos são a família que temos o direito à escolha”. Eu havia escolhido eles como amigos e eles a mim. E eu sabia que não me arrependeria desta escolha porque muitos entrariam para minha vida, e eu não estava errado. Passados 13 anos desde a 1 vez em Dublin, todos ainda seguem comigo. Podemos não nos falar sempre e não nos falamos, mas sei que eles estarão ali quando eu precisar, assim como eu estarei aqui quando eles necessitarem de mim. “A amizade nunca foi e nunca será uma questão de presença física. Porque amigo não precisa estar. Amigo precisa ser”. (Clarice Lispector)

Antes de irmos embora tivemos uma surpresa com a decisão repentina de Jéssyka de voltar para o Brasil. Ela não estava feliz ali. Havia viajado mais porque o namorado tinha esse sonho, mas ela sentia que seu tempo em Dublin havia terminado. Ela dizia que já havia vivido coisas incríveis ali, como cantar uma música da Madonna numa boate lotada de estrangeiros sem falar inglês,  havia conhecido 3 países- também viajou a Londres e Paris, e pra finalizar, a loira, como eu a chamava, havia virado atriz nos últimos dias. Todos nós fizemos inscrição para gravação de um filme em Dublin, mas a única selecionada foi a nossa “Madonna brasileira”.  Isso mesmo! A Jé não brincava em serviço. Ela teve uma passagem curta pela Irlanda – menos de 6 meses- mas aquela cidade conheceu a “pequena grande” Jéssyka e se rendeu ao seu carisma e talento.

Lembro como se fosse hoje de nossa despedida. Eu chorava como criança. Até parecia que havia morrido alguém, mas era um choro que estava contido há muitos meses.  Era um desabafo por tudo que havíamos passado, por termos chegado até ali, pelos perrengues que passamos juntos, pela amizade que nasceu de um encontro casual, mas também era um choro de tristeza. Eu não a teria por perto para desabafar, pra rir, pra comer seu bolo de chocolate, pra passear abraçado me escondendo do vento e da chuva… Era um choro amargo porque não deixava de ser uma separação. Eu estava perdendo fisicamente um dos meus alicerces ali, e tinha medo do que viria pela frente.

Dentro de poucos dias seria minha vez de abandonar o meu sonho Irlandês e recomeçar do zero em um país onde eu não havia planejado estar naquele momento.  Foi duro e impactante a despedida de Jé, mas ela viajava feliz por ter cumprido lindamente sua missão ali e a gente sabia, sentia que essa amizade não seria apagada. O que havíamos construído ali era sólido e real.

Despedir dos outros amigos, Fabi, Ju, Davi, Claudia, Everson, dentre outros, também não foi nada fácil, mas na verdade a crise estava deixando a todos nós muito frágeis emocionalmente. Ninguém sabia ao certo até quando conseguiria ficar. Os que ainda tinham algum trabalho freelancer decidiram ficar, pois a ideia de todos no final do visto de estudante era fazer o famoso “MOCHILHÃO EUROPEU”, ou seja, com o dinheiro juntado ao longo dos meses fazer uma viagem pelos principais destinos europeus aproveitando-se do baixo custo das passagens. Infelizmente Fer e eu não tivemos essa sorte e saímos muito antes para tentar sobreviver na Europa, e ao final das contas, essa acabou sendo uma grande decisão.

Um dia antes da nossa despedida, eu fiz questão de ir sozinho nos pontos principais daquela cidade. Revisitei tudo como se fosse minha primeira vez. Fui à spire, aos mercados que eu fazia as compras mais baratas, à biblioteca (onde tantas tardes eu  havia enviado currículo). Também fiz questão de visitar a escola que tantos amigos havia me dado, incluindo minha querida e amada professora Greice, e foi justamente na escola que não consegui segurar as lágrimas. Eu havia chegado até ali por aquele curso. Tudo bem que meu inglês não havia avançado, mas tudo o que eu havia vivido ali naqueles quase sete meses ninguém nunca poderia arrancar de mim. Era como se eu tivesse vivido 10 anos naquela cidade tamanha a intensidade de acontecimentos e emoções que vivi em Dublin.

MOMENTOS DIFERENTES VIVIDOS EM DUBLIN

Última foto tirada antes da viagem para Portugal. Essa foi nossa despedida de Dublin

Parece que quando fazemos intercâmbio nossos sentimentos se potencializam e se multiplicam.  Eu fiquei parado por muito tempo em frente à escola. Eu precisava daquele momento. Eu necessitava respirar e saber que minha vida ia continuar. Era hora de abrir-me para novas experiências. Precisava ser menos canceriano e usar a praticidade do meu ascendente capricórnio. Era duro prá mim porque Fer ainda tinha a possibilidade de trabalhar em sua área quando chegasse à Portugal. Eu estava sendo obrigado a deixar o país que eu gostava para aventurar-me em um país que eu não havia sido feliz no passado pelo meu estado emocional, sem contar que eu também chegaria sem trabalho e não poderia trabalhar sem visto, ou seja, as coisas para mim continuariam bastante complicadas, mas como havíamos viajado juntos e éramos um casal eu não podia ser egoísta. Ele havia ido para Dublin por minha causa porque esse não era o seu sonho, então, era hora de eu retribuir e ir à Portugal por sua causa, pois afinal ele tinha uma oportunidade profissional que poderia mudar sua vida.

Depois de ter passado em todos os lugares que eu queria liguei para Fer e combinamos de nos encontrarmos no Centro. Íamos jantar com Sheila e nos despedirmos dela num fast food (Fer adorava esse tipo de comida e fui para agradá-lo porque eu não gosto muito). Foi bom botar o papo em dia e rir com Sheila. Tínhamos vivido muitas coisas engraçadas com ela, como buscar cestas básicas uma vez por semana, mas os produtos eram tão ruins que não sei como tinham coragem de por aquelas coisas numa cesta básica. Aproveitávamos o arroz, o macarrão, o leite e a marmelada.  O feijão era misturado com tomate (tradição deles) e esse não dava para comer de tão ruim. Lembramos do período da gráfica, contamos coisas engraçadas, enfim, foi bom revê-la e saber que teria uma amiga ali quando eu precisasse- e como foi bom reencontrá-la anos depois no Brasil (quando ela estava de férias) e depois no meu retorno à Irlanda, em 2016, no pior momento da minha vida.

No dia seguinte, nosso último dia, fomos tomar café da manhã com outra grande amiga: Nice. Ela havia se deslocado de sua cidade- vivia muito longe de Dublin- só para se despedir da gente. São ações assim que nos faz entender a importância que os amigos têm em nossas vidas. Nice tinha um coração generoso. Era uma pessoa extremamente humilde e verdadeira. Nunca vou me esquecer que num dos meus momentos de maior fragilidade e instabilidade no país, ela comprou uma batedeira para me ajudar com os doces porque sabia que eu precisava me sentir mais útil e recuperar minha autoestima. Naquela manhã, Nice fez questão de pagar nosso café (não o irish porque esse a gente não gostava porque era muito forte). Tomamos um mais natural ao nosso paladar com croissant, bolos e leite com chocolate. Em seguida, fomos para o aeroporto.

Nice foi um dos grandes presentes que este intercâmbio nos deu e fez questão de estar com a gente na despedida

Era como se muitos filmes estivessem passando na minha cabeça. Eu queria ser forte. Eu não podia ser egoísta e pessimista. Fer havia suportado o frio (ele odeia), hábitos totalmente diferentes dos nossos, acordar cedo pra buscar trabalhos embaixo da chuva (quando ele tinha trabalho no Brasil e deixou para viajar comigo). Então, era a minha vez de sacrificar-me também e de viver uma história que para ele poderia ser muito boa. Isso era amor. Isso era troca e cumplicidade.

Mesmo estando triste e com vontade de gritar que eu queria ficar até o final do meu intercâmbio, eu não deixei que o desespero tomasse conta de mim. Por dentro eu podia estar arrasado, mas, por fora, eu precisava passar ou ao menos tentar disfarçar que eu estava feliz com essa mudança para Portugal. O Fer precisava da minha força também. O abraço de despedida com Nice foi duro e prolongado. Ela já me conhecia bem e sabia que eu estava sofrendo, mas disse ao meu ouvido que “Deus sabia de todas as coisas e que era para eu descansar o meu coração e viajar em paz, e que no futuro eu poderia voltar e que ela estaria ali me esperando de braços abertos”.

Como foi bom e reconfortante ouvir tudo aquilo. Me encheu o coração de alegria e de esperança. No final, ela estava certa. Tudo é passageiro, e nada me impediria de voltar a viver ali no futuro. (eu só não sabia que quando voltasse, eu voltaria totalmente destroçado, buscando forças para reagir após uma rasteira dupla do destino, e também não imaginava que a maioria dos meus amigos de 2008 não estaria ali).

Já dentro do avião, sentei na janela e fui me despedindo da ilha da esmeralda em pensamento. Segurei mais uma vez as lágrimas, mas meu coração sofria calado. Fiz uma prece em silêncio de que tudo o que havia de ruim já tinha acontecido com a gente ali. Era hora de confiar, de ter fé, de pensar positivo, e que viesse Portugal com o que tinha que vir, pois eu sairia dali mais forte e preparado para uma nova jornada de aventuras e emoções.

 Abracei Fer, segurei forte em suas mãos e o agradeci por tê-lo ali comigo. Juntos, éramos mais fortes e o mundo estava apenas se abrindo para gente. Era hora de explorá-lo sem medo! Uma lágrima escorreu por um dos meus olhos e deixei que ela escorresse por meu rosto sem medo. Ela significava que eu estava vivo. Havia sentimentos dentro de mim e enquanto meu coração estivesse pulsando e sentindo emoções eu não deixaria de lutar. Era hora de recomeçar! E eu recomecei!

O mar sempre me acalmava e nesta viagem fui pedir bençãos para minha nova aventura em Portugal

VEM AÍ: No próximo capítulo, um retorno inesperado à Portugal, os novos perrengues em terras lusitanas, e uma surpresa que mudou minha trajetória e meu humor. Era o recomeço no primeiro país onde eu havia “fugido” em 2001 para curar-me de um trauma.

 

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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