Diário de um imigrante – Cap 16

Cascais, em Portugal, foi a confirmação de que eu devia seguir meu coração e lutar pelo meu maior sonho de escrever uma novela

Desde a minha adolescência eu já tinha bem definida a profissão que gostaria de seguir no futuro: a de novelista. Era isso que eu respondia quando me faziam a clássica pergunta: “o que você quer se quando crescer?”. Muitos me olhavam estranho quando eu respondia isso porque para eles isso não era uma profissão, e para falar a verdade, se ainda hoje a gente perguntar ao público em geral o nome dos autores de uma novela, série ou filme, são poucos os que vão acertar o nome dos roteiristas/autores. Isso acaba sendo bastante injusto porque afinal de contas não existe uma história sem um autor, mas quem acaba ficando famoso mesmo são os atores. Eu não tinha a pretensão de ser famoso, mas era o meu sonho ver uma de minhas obras ganhar vida e sair dos antigos cadernos- depois máquina de escrever, e hoje computador, ganhar vida.

Eu queria que as pessoas comentassem as minhas histórias e se emocionassem assim como eu me emociono quando estou escrevendo-as. E assim, aquele adolescente de 14 anos que vibrava com a novela “Vale Tudo” foi crescendo e amadurecendo essa ideia. No entanto, não existia uma faculdade para novelistas. Era preciso ter um plano B na manga, e eu não tive nenhuma dificuldade ao escolher uma profissão que eu também me apaixonasse e que me desse condições de seguir sonhando com o plano A.

Optei pela faculdade de jornalismo, e graças a Deus, não me arrependo nenhum segundo dessa minha escolha porque o jornalismo me deu tudo o que tenho hoje, mas, principalmente estofo para que eu continuasse lutando pelos meus sonhos. Hoje, posso dizer que 50 % de mim é jornalista e os outros 50 % destino ao roteirista. Ambas as profissões convivem harmoniosamente e não há conflito. Amo criar ficção, mas também amo contar histórias de vida real.

Bastidores da reportagem que me deu o 1 prêmio nacional como jornalista. Minha alma de repórter sempre conviveu lado a lado com a minha alma de roteirista

Sou um repórter de rua com sangue de comunicação na veia. Sempre estou em busca de novas histórias para contar. E por que não, no futuro, estas histórias reais não podem servir de inspiração para minhas histórias fictícias? Afinal, muitos autores bebem da fonte jornalística. A recente terminada Travessia, da autora Gloria Perez nasceu após ela ter visto um caso de fake news ter terminado em tragédia no Brasil.  

Eu não imaginava o que aconteceria comigo no meu intercâmbio. O plano inicial era passar um ano na Irlanda, e quem sabe até renovar o visto? Planos, planos e planos que, muitas vezes, fogem das nossas mãos. Eu também não imaginava que uma crise mundial afetaria em cheio a Irlanda me obrigando a buscar ajuda em Portugal. E quis o destino, o meu velho e bom companheiro de cena, me testar novamente.

Com a situação caótica na Irlanda em termos de trabalho, decidimos (Fer e eu) mudar para Portugal já que ele tinha uma proposta de trabalho ali. E essa foi uma decisão acertada, pois Fer conseguiu o trabalho, e isso ia nos aliviar um pouco em termos financeiros. Mesmo assim, eu não suportava ficar parado. Só que a rotina de enviar currículos diários por e-mail ou de deixar o material nas lojas era bastante cansativa e eu chegava no final do dia bastante cansado e também estressado, mas naquela tarde algo inusitado havia acontecido comigo.

Eu estava voltando para casa depois de ter percorrido de cabo a rabo as lojas do Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Estava bastante desanimado, pois sabia que as próprias funcionárias que pegavam meu currículo o faziam por educação. Seria um milagre alguém contratar um imigrante ilegal (meu visto de estudante permitia o trabalho na Irlanda).

Em Portugal, eu era um turista, e teoricamente, não poderia trabalhar sem nenhum contrato. Nessa altura do campeonato, o sonho de trabalhar na redação do Diário de Notícias havia ficado para trás (quando passo por uma situação desagradável, aquilo meio que me afasta das coisas), e eu sabia que se voltasse ali naquele prédio mesmo que estivesse vestindo um traje de gala não me deixariam passar. Era um “estranho no ninho”, e neste caso, aqui não cabe nenhuma menção ao famoso filme estrelado por Jack Nicholson. Eu era o estranho no ninho português e achava muito difícil me darem uma oportunidade sem documentos e sem referências no país.

DICA: Ao morar fora do seu país de origem não se feche somente a pessoas de sua cultura, pois se abrindo para os moradores locais, a tendência é que eles lembrem de você e até mesmo te indiquem para vagas que venham a saber. É muito mais fácil conseguir um trabalho assim.

E neste retorno para casa eu estava olhando para o chão e quando percebi uma revista estava prestes a cair num bueiro. Como sou viciado em leitura- de gibis a livros, não ia perder a chance de resgatá-la daquele final trágico. Sempre odiei a velha piada que faziam com os jornais impressos: a notícia de hoje serve para embrulhar o peixe de amanhã na peixaria. Achava uma tristeza ver uma matéria minha ter aquele destino. 

Revista salva, dever cumprido, porém, algo me chamou a atenção naquela publicação. Na capa, falava do investimento português em profissionais brasileiros da área do audiovisual para fortalecer o mercado de telenovelas portuguesas- eles também são apaixonados por novelas, assim como nós brasileiros. No entanto, no passado, somente compravam nossas tramas, e com o tempo passaram a produzir e a investir em suas próprias histórias e isso fez com que outras cadeias de televisão passassem a criar departamentos de dramaturgia. Notícia ótima para atores, diretores e autores. Em 2009, Portugal ganhou o seu primeiro Emmy, o maior prêmio da TV mundial, com a novela “Meu Amor” que teve 319 capítulos.

Novela “Meu Amor” rendeu o primeiro Emmy na categoria telenovelas para Portugal

Na reportagem dizia ainda que uma das emissoras locais estava investindo muito em profissionais brasileiros e quem cuidava desse departamento era justamente um brasileiro.  Não pensei duas vezes em mandar um e-mail para a emissora. Para minha grande surpresa, na manhã seguinte recebi um telefonema da secretária desse diretor me convocando para uma entrevista. Ao desligar o telefone só pedi a Deus que não me acordasse tão rápido daquele sonho, pois eu não tinha dúvidas que estava sonhando, mas queria ter o gostinho de sonhar mais um pouco. Mesmo assim, me belisquei e tal foi minha surpresa quando vi que não se tratava de um sonho. Realmente eu havia recebido uma ligação me convocando para uma entrevista numa emissora portuguesa. Era bom demais para ser verdade. Será que depois de tantas decepções, finalmente, o sol voltaria a brilhar para mim? Será que tive que cruzar nove anos depois da minha primeira vez um oceano para realizar meu sonho de adolescência em Portugal? Eram muitos serás sem nenhuma resposta em concreto. Mas havia uma possibilidade, a maior de todas que eu tinha tido até então, e dessa vez eu não sofreria uma nova decepção como aconteceu com minha ida ao Diário de Notícias.

Naquela noite eu não havia conseguido dormir. Sou ansioso por natureza e quando tenho algo importante para fazer no outro dia, como uma viagem ou uma entrevista de trabalho, fico praticamente acordado mentalizando o lugar, imaginando o passo a passo e daí o sono não vem mesmo. Eu precisava ir com a minha melhor roupa- ao contrário da ida ao Diário de Notícias. Mas também não queria parecer muito formal porque sempre imaginei um ambiente de TV como algo mais descontraído e informal.  Na história da teledramaturgia brasileira, a novela Espelho Mágico, do autor Lauro Cesar Munis, inovou ao contar tudo o que acontecia nos bastidores da própria televisão – a trama tinha até uma novela dentro da história chamada “Coquetel de Amor”.

Novela “Espelho Mágico” inovou na teledramaturgia brasileira ao ter uma novela fictícia dentro da própria trama

Voltando ao tema vestuário, de tanto escolher a roupa e combinação acabei indo com um bom jeans, sapatos e camisa larga manga social dobrada. No final das contas, acho que estava apresentável para a ocasião. Cheguei com mais de 30 minutos de antecedência. Levava uma pasta com a sinopse de uma novela- a mesma que havia escrito anos antes para um concurso de novos autores da Record que escolheria o autor de sua próxima novela. A vencedora foi Gisele Joras, que escreveu “Amor e intrigas” que, por coincidência, tinha uma trama central muito parecida com a de “Vale Tudo”.

 Durante semanas havia ficado debruçado naquela escrita, e de lá nasceu “Recanto das Saudades”, o nome da minha novela- que está registrada- e que tenho fé que um dia ainda será produzida. Isso aprendi com os grandes mestres que já tive na minha trajetória como autor: uma boa história nasce da paixão que o seu autor coloca naquele trabalho, e eu acreditava mais do que ninguém nos meus personagens e na minha trama pessoal, e posso dizer que duas protagonistas de grandes escritores americanos me inspiraram na criação da minha própria protagonista: Bianca.  

Ao entrar na sala daquele diretor eu fiquei encantado. Havia portas retratos de sua família- me ganhou pela sensibilidade- e alguns quadros com obras produzidas.  Décio (nome fictício) me tratou muito bem, perguntou coisas sobre meu passado profissional e o que tinha me levado até Portugal. Ele quis ouvir também a minha sinopse, e se mostrou entusiasmado pela história, mas ao mesmo tempo me deu um banho de água fria ao dizer que pelo fato de eu não ter documentos não poderia fazer nada por mim. Vendo minha frustração até porque eu sabia que para conseguir um visto de trabalho bastava um contrato.

De qualquer forma eu entendia sua posição. Eu era uma sementinha naquele país, ainda não tinha feito trabalhos grandes na área e isso me impediria de disputar vagas com outros profissionais, na época, mais bem qualificados que eu. Mas Décio teve uma atitude que nunca vou me esquecer. Ele disse que anos atrás, assim como eu, ele era um jovem imigrante tentando a sorte em outro país e que ele teve ajuda de outras pessoas para começar, e que via em mim, nos meus olhos, esse desejo muito grande de vencer, de mostrar o meu trabalho, e que por isso ia me colocar em contato sem compromisso com um grande autor de novelas português para que ele me desse algumas dicas do mercado. Ligou na mesma hora para esse autor e marcou o nosso encontro para o dia seguinte.

UMA VIAGEM PARA CASCAIS QUE MUDOU MINHA VIDA

A beleza de Cascais impressiona em cada um dos seus detalhes. A natureza está por todos os lados

No caminho de Lisboa até Cascais que durou cerca de uma hora e meia, fiquei imaginando os mistérios que a vida nos reserva. Independentemente de nosso credo religioso, o que todos nós sabemos com 100 % de segurança é que temos determinado na nossa linha do tempo um dia para nascer e outro para morrer. O que vem depois, são meras suposições e cada religião encara de uma maneira e até mesmo os que não têm nenhuma religião possuem as suas próprias crenças. Apesar de querer acreditar que existe uma vida pós-morte neste plano, e que nela terei a possibilidade de encontrar meus entes queridos que já se foram desta vida, eu não tenho certeza nenhuma de nada. Gostaria que esse encontro fosse como na novela “A Viagem” quando Diná reencontra a mãe, dona Maroca. Cada vez que vejo essa cena me arrepio profundamente, choro e fico pensativo. Meu desejo era que fosse assim, mas e se caso não for? E se a gente quando morre não tem mais noção de nada?

Ah só de pensar nestes temas fico profundamente deprimido e triste, pois por mais dificuldades e obstáculos que a gente tenha, viver é um presente de Deus, e eu agradecia a oportunidade de estar vivo, com saúde e de poder seguir lutando pelos meus sonhos em vida, e um deles era o de participar de um processo criativo de uma novela (e esse sonho veio em 2015 com minha participação na Master Class que originou a novela “O Sétimo Guardião”, da TV Globo, da qual, sou um dos coautores da sinopse da trama).

Anos depois do meu encontro com o autor em Portugal, em 2015, eu estava criando coletivamente a minha primeira sinopse de novela: “O Sétimo Guardião”., em Petrópolis, no RJ. Foto: Casa Aguinaldo Silva.
Anos depois do meu encontro com um autor em Portugal, tive a alegria de participar do processo criativo de uma novela: “O Sétimo Guardião”, exibida pela TV Globo em 2019.

Mas, em 2009, eu ainda estava muito distante de realizar meu sonho dourado, porém, uma janela havia sido aberta e eu aproveitaria cada fresta dela. Encontrei Otávio (não vou revelar o nome do autor por privacidade) na saída da estação de trem. Ele me deu uma carona e fomos para um restaurante à beira da praia. O tempo estava maravilhoso.

No caminho até o local fiquei imaginando as voltas que a vida dá, né? Há poucos dias eu estava como louco atrás de trabalho na Irlanda. Ia de porta em porta deixando currículos, mas sem nenhuma esperança de ser chamado, passando frio e enfrentando chuva diária por uma única oportunidade, e agora, eu estava num p… carro, que eu nem sabia o nome, mas era carro de gente muito rica, sentado de frente para o mar, conversando com um dos maiores autores de novelas em Portugal. Então, não podemos desanimar quando a vida nos coloca obstáculos e dificuldades. Muitas vezes, eles fazem parte do nosso processo de aprendizado. Temos que passar por fases difíceis para que coisas boas cheguem até nosso caminho.

Praia de Cascais: é um convite para se deslumbrar com tanta beleza. Fonte: Pinterest

O charmoso centro de Cascais . Fonte: Pinterest

Apesar de um pouco intimidado de estar frente a frente com uma pessoa tão respeitada dentro da área que eu sonhava em trabalhar, tentei não demonstrar muito nervosismo. O que me ajudou foi o fato dele ter me deixado à vontade desde o início. Otávio me disse que sabia bem como era difícil entrar para aquele mercado onde imperava o velho e famoso QI. 

Ele pediu para que eu resumisse minha história central da novela, os protagonistas, o conflito base e os temas que eu gostaria de tratar, pois uma boa trama tem que ter núcleos fortes para sustentá-la, e eu me orgulhava de ter criado temas que eu gostaria de ver retratados na TV. Eles não estavam ali simplesmente para “encher linguiça”, num jargão popular. Eu os havia criado porque significavam algo para mim, e eu queria vê-los na boca das pessoas, ou seja, meu objetivo era provocar discussão e trazer questionamentos sobre diferentes problemas.

E para quem pensa que novela é algo descartável, feito apenas para distrair num momento de lazer, saibam que muitos temas levantados em tramas de sucesso contribuíram para a disseminação de assuntos que eram considerados tabus ou que nunca haviam sido pouco explorados na televisão. A autora Gloria Perez, de quem sou bastante fã, é uma das campeãs, se não for, a maior e melhor representante do que chamamos de “mershandising social na teledramaturgia”. Destaco apenas alguns: crianças desaparecidas (“Explode Coração”), drogas (“O Clone”), transexualidade ( “A Força do Querer”), pedofilia na rede (“Travessia”), dentre outros. Quando um destes temas é retratado numa obra aberta ele chega a um maior número de pessoas, já que a novela é algo popular em nosso país, e em tempos de streaming em alta, ele também chegará ao público que não vê as obras no horário tradicional.

Ivana/ Ivan de “A Força do Querer” , discutia a transexualidade e que foi um dos grandes mershandisings sociais das telenovelas brasileiras

A conversa com Otávio levou mais de uma hora. Ele me convidou a almoçar, mas eu estava tão nervoso que só aceitei mesmo uma coca-cola e ele tomou um café. Do jeito que eu era desastrado bem capaz de derrubar os pratos, rs. Melhor evitar esse constrangimento.

Resumindo o encontro: Otávio não me deu nenhuma esperança de conseguir algo de teledramaturgia no mercado português naquele momento, principalmente porque as coisas andavam paradas por causa da crise, mas, ele me disse algo que nunca esqueci: “Você tem que acreditar na sua história antes de qualquer outra pessoa. Ela é sua maior verdade. É sua cria. É como um filho que criamos para o mundo. Se você conseguir passar essa confiança que eu vejo nos seus olhos, pode ter certeza que ninguém te impedirá de produzi-la um dia, e te digo algo sério. Você tem uma linda história em mãos. Só precisa lapidar algumas coisas, mas confie e siga em frente”.

Ouvir aquilo me fez tão bem, sabe? De verdade, eu senti que ele não falava aquilo apenas por educação. Ele falava por amor à profissão, e por acreditar que o maior legado que um autor experiente pode deixar é repassar seu conhecimento aos novos talentos. É acreditar no surgimento de gente literalmente com “sangue nos olhos” para escrever e isso eu tinha desde a infância quando minha principal brincadeira já era escrever pequenas esquetes e depois encená-las com meus primos aos nossos pais e avós.

Ele me deixou na estação de Cascais, mas ao invés de voltar para Lisboa decidi dar uma volta pela cidade e fiquei encantado pela beleza daquele lugar. Hoje, ao escrever esse capítulo, fui buscar mais informação e fiquei ainda mais atraído pela história e por algumas curiosidades sobre uma das cidades mais charmosas de Portugal.

O site “Time Out”, de Portugal, listou dez curiosidades sobre Cascais, e eu aproveito para compartilhar com meus leitores:

1) Cascais tem um Laboratório de Investigação Criminal da GNR com 47 técnicos, que permitiria servir de cenário para uma eventual série CSI Cascais.

 2) A Linha de Cascais foi a primeira ferrovia do país a ser eletrificada em Portugal, em 1926. E já que estamos numa de eletrificações, Cascais foi também a primeira terra do país a ter luz eléctrica, a 28 de Setembro de 1878.

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Primeira linha ferroviária do país foi criada em Cascais

 3) O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, optou por não se mudar para a residência oficial, em Belém e continua a residir em sua casa, mesmo no centro de Cascais.

4) Ian Fleming inspirou-se no movimento de espiões instalados no Hotel Palácio Estoril, durante a Segunda Guerra Mundial, para criar a famosa personagem James Bond, no seu primeiro livro, Casino Royale, em 1953.

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5) Bryan Adams viveu em Cascais entre 1967 e 1970, dos 9 aos 12 anos, e, feitas as contas, o seu “Summer of 69” foi mesmo passado ali, e, possivelmente, serviu de inspiração para a famosa música.

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Cantor Bryam Adams em uma de suas viagens à Portugal. Ele viveu em Cascais durante a infância. Foto: Correio da Manhã
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Bryam Adams (à esquerda) em frente à uma loja de discos de Cascais, na d´recada de 70, quando comprou seus primeiros discos. Foto: Correio da Manhã

6) Cascais foi o primeiro local onde a família real portuguesa começou a “ir a banhos”, em meados do século XIX. Primeiro a aristocracia seguiu-lhe o rasto, depois veio o resto da população.

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No passado, somente a família real portuguesa podia tomar banho nas praias de Cascais

7- No Paredão de Cascais, entre as Praias da Poça e Tamariz, existe um relógio de sol, que esteve durante vários anos tapado por arbustos, mas agora está à vista de todos.

8- Existem duas praias secretas entre a Praia do Guincho e o Cabo da Roca, de difícil acesso, mas a merecer um passeio nem que seja para as ver do topo. Uma chama Praia da Grota, outra Praia do Porto do Touro.

9- Fernando Pessoa era um grande apreciador da vila – “Preciso cada vez mais ir para Cascais”, escrevia à sua amada em 1929. Chegou mesmo a candidatar-se para o lugar de conservador do Museu Condes de Castro Guimarães, em 1932.

10- O Casino Estoril é um dos maiores casinos da Europa.

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Casino Estioril, é um dos mais famosos da Europa

Voltei para casa naquele dia feliz. É claro que como bom sonhador eu já imaginava sendo contratado como colaborador de Otávio em uma próxima novela, mas eu sabia que tudo tem a hora certa para acontecer, e como já disse anteriormente, essa oportunidade veio justamente seis anos depois quando eu estava vivendo, sem dúvida, os piores dias da minha vida, e mergulhado numa depressão profunda. Mistérios de Deus. Não há outra explicação.

De volta à realidade, parti para minha busca de trabalho habitual. Acabei conseguindo um trabalho que eu odiei fazer, mas que me ensinou uma lição muito grande: respeitar todos os trabalhos porque você não sabe o que as pessoas passam para fazê-lo. Era de entregador de publicidade. Eu tinha que ficar duas horas entregando papeis em um ponto determinado da cidade, e outras quatro colocando o material nas caixas de correio. O mais difícil deste trabalho é que as pessoas não querem receber a publicidade e quando você se aproxima já mudam a direção. Como sou muito agitado, o tempo não passava. Era algo extremamente monótono de se fazer. Hoje, dou muito valor aos entregadores, e por mais que a publicidade não me atraia, eu a recolho e depois sem que ele veja atiro na lixeira. É o mínimo que posso fazer por eles, pois já fui entregador um dia.

Outro trabalho que prá mim foi um tormento foi no MCDonalds. Eu já havia trabalhado como garçom anos antes em Sintra, mas havia sido um desastre, rs. No MC foi igual. O ritmo era frenético, e me colocaram logo de cara para fritar batatas. Eu deixava queimar tudo ou tirava quando ainda estavam brancas. Me perdia totalmente no tempo da fritura. Vendo que o meu negócio não era a cozinha me colocaram na limpeza. Aparentemente seria mais tranquilo, mas não foi só impressão porque a supervisora era muito grossa, sem paciência, e queria os banheiros impecáveis, e isso era impossível com o fluxo de clientes que havia. Por azar, a minha loja ficava em frente a um colégio secundário. Então, imaginem a quantidade de alunos que havia ali dentro. Definitivamente, o ramo da cozinha, da hotelaria ou restauração, como os portugueses chamam, não era pra mim. Fiquei duas semanas e pedi demissão.

A OPORTUNIDADE APARECE QUANDO VOCÊ MENOS IMAGINA

Fora estas duas experiências, fiquei dias trabalhando de graça numa vídeo clube/locadora de vídeos (sim, elas ainda existiam em 2009), com a esperança de que a dona fosse me dar uma oportunidade, e no final das contas, não me disse nem obrigado. Está certo que ela não havia me prometido nada, mas você sempre espera algo das pessoas, e talvez aí esteja o erro. Não devemos esperar nada de ninguém para não nos frustrarmos. Eu ficava horas ali limpando a loja, tirando pó das prateleiras, atendendo os clientes quando ela saia para comer e nem mesmo um copo de água recebia em troca. Fiquei quase 10 dias assim, e quando percebi que estava perdendo tempo saí e nunca mais voltei. Ela não merecia uma justificativa do meu desaparecimento, mas tenho certeza que se arrependeu por ter me deixado escapar.

Dias depois, Fernando chegou em casa com uma novidade que me trouxe esperança e me deixou feliz. Ele havia falado sobre mim com sua gerente do “O Boticário”, uma portuguesa chamada Joana, e por coincidência, em uma das lojas que ela supervisionava fora de Lisboa, em Montijo, algumas funcionárias estavam de baixa médica e a equipe trabalhava totalmente desmotivada. De um total de 55 lojas que havia em Portugal, a do Montijo, era a pior em diferentes áreas: atendimento, limpeza e faturamento. Enfim, era considerada uma “loja bomba”, prestes a explodir.

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A vaga era para trabalhar em um shopping center de Portugal. Depois de tantas negativas de emprego, essa era uma porta que não podia se fechar e fiz de tudo para agarrá-la. Fonte: O Setubal

Fui para a entrevista. Estava extremamente ansioso. Éramos em três pessoas: duas portuguesas chamadas Teresa e Lara, além de Joana que nos entrevistava. Era nítido que elas tinham muito mais experiência que eu, pois haviam trabalhado como vendedoras antes, eram portuguesas, mas eu não me dava por vencido. A meu favor tinha o fato de ser bastante comunicativo, simpático e conhecer o produto porque “O Boticário” era uma rede tipicamente brasileira entrando em outro país- muitos portugueses e estrangeiros não a conhecia ainda.

A entrevista levou mais de uma hora. Joana fez diferentes perguntas, simulações de venda de produtos, e alguns testes de como a gente reagiria diante do comportamento de clientes. O tempo como repórter, principalmente de rua, havia me dado jogo de cintura para lidar com todo tipo de entrevistado. Então, eu imaginava que os clientes seriam os meus entrevistados.

Ao final da entrevista Joana nos pegou totalmente de surpresa ao anunciar que não era apenas uma vaga, mas três que estavam abertas, e que ela havia gostado de cada um de nós exatamente pelos nossos perfis diferentes. Fiquei muito feliz porque, de verdade, senti empatia por aquelas duas meninas mesmo sem conhecê-las.

Algo me dizia que seria uma boa experiência tê-las como companheiras de trabalho. Porém, antes que a entrevista terminasse Joana nos surpreendeu novamente ao anunciar que eu seria o novo gerente da loja.

Como assim??? Gerente??? Eu nunca havia trabalhado numa loja de cosméticos e perfumes, não me via como gerente, pois imaginava que essa era uma posição que exigiria muito mais de mim, principalmente na parte comercial que eu não sabia nada. Só que Joana deixou claro que ela me queria para a vaga exatamente por eu ser o único homem da equipe e que isso iria ajudar a mudar o comportamento das outras funcionárias que brigavam entre elas. “Precisa ter um homem para dar um pouco de balanço para aquela loja e você pelo que me demonstrou é a pessoa ideal para essa vaga”, disse Joana.

Eu não sabia também que ali nasceria uma amizade internacional que levaria para vida: Teresa. Ela não só foi minha amiga de trabalho, mas foi um presente de Deus na minha vida. Posso dizer sem nenhum medo de errar que de todos os estrangeiros que convivi nos cinco países onde vivi, que Teresa foi a mais IMPORTANTE por diferentes razões. (no próximo capítulo contarei muitooo mais sobre essa minha amizade com Teresa. TÊ, era minha loira, e LÁ, minha morena. Era assim que eu as chamava na loja).

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Teresa (Tê), a melhor de todas as amigas estrangeiras que a vida de imigrante me deu em todos os países onde vivi
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Minha última equipe de trabalho no O Boticário; Déborah (à esquerda) e Teresa.
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Lara me trazia leveza e deixava o dia mais divertido com suas loucuras e rompantes.

Eu nem imaginava como aquele trabalho mudaria minha vida. Até hoje, passados 14 anos desde a minha experiência no “O Boticário”, posso garantir que ele foi um dos lugares que mais me fez crescer como pessoa e como profissional. Creio que muito desse crescimento se deve ao fato de eu querer provar a mim mesmo que eu também merecia um trabalho legal, onde eu me sentisse feliz e útil.

Depois de tantos meses desempregado na Irlanda, fazendo “bicos” que eu havia odiado fazer e de experiências ruins em Portugal, finalmente, ter um trabalho formal, com um bom salário, horário digno era um presente, e trabalhar ali também me fez descobrir que a gente nunca pode desistir antes de tentar, pois eu fui responsável direto por uma das maiores transformações daquela loja passando das últimas posições em faturamento para as 5 primeiras colocadas do grupo.

VEM AÍ: No próximo episódio, prepare-se para rir muito com coisas incríveis que aconteceram comigo neste trabalho começando por uma simulação de falar com espíritos para forçar que uma péssima funcionária pedisse demissão (um pouco dos espíritos de “Ghost”), desmaios dentro da loja, a maquiagem que ficou na história, uma fuga emergencial de casa, os doces de madrugada à beira do rio, dentre outras tantas aventuras que Portugal me deu.

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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