Jornalista brasileira lançará documentário nos EUA contando sua vida de imigrante e como o trabalho de palhaça a ajudou reescrever sua própria história num país estrangeiro

Há 24 anos vivendo nos EUA, a jornalista Claudineia Cardinalli está em fase de produção para o seu primeiro documentário que contará sua trajetória de imigrante em solo americano e como o trabalho de animadora infantil lhe abriu portas e intercâmbio com culturas do mundo todo

Viver o sonho americano nunca esteve nos seus planos, mas a vida e o destino traçaram uma linha diferente daquela que ela havia planejado inicialmente, e sua caminhada tomou um novo rumo. Passados mais de 20 anos desde a saída do Brasil, a jornalista mineira Claudineia Cardinalli (Néia), agora, cidadã americana, trabalha como jornalista, mas nunca deixou de lado outra profissão que conquistou o seu coração e que a fez vislumbrar novos horizontes em uma pátria estrangeira. Graças à sua palhaça “Pimentinha”, apelido dado pelo avô ainda na infância, ela conquistou uma nova carreira e se consolidou como uma das animadoras infantis mais requisitadas em todo estado de Nova Iorque e região. Entre muitos projetos futuros, um dos mais importantes será o lançamento do seu documentário de palhaça- algo que já vem planejando há muito tempo, e que Néia crê que será um dos seus projetos profissionais mais importantes, pois ela unirá num mesmo trabalho suas duas profissões e paixões: o jornalismo e a animação de festas. “Quero que as pessoas conheçam e se emocionem com minha história. Eu nunca desisti de lutar e foi essa vontade de vencer que me trouxe até aqui e que me fez ficar até agora. A minha história é como a de muitos brasileiros, calcada degrau a degrau. Eu não tinha intenção de ficar aqui, mas o sonho americano acabou me conquistando”, ressalta.

Néia é o perfil do imigrante brasileiro que não se deixa abater pelas dificuldades ou obstáculos, que vai à luta e deseja vencer. “Quando saí do Brasil, tinha acabado de me formar em jornalismo, amava a minha profissão, mas eu queria estudar inglês para voltar ao meu país e conseguir trabalhar na minha área, mas a vida foi me levando para outros caminhos, e a previsão inicial de ficar só cinco meses foi se estendendo. Hoje, já são mais de 20 anos aqui e nunca mais voltei ao Brasil”, revela.

Mineira de Poços de Caldas, Claudineia chegou aos EUA, em 1999, um ano depois de ter concluído a graduação de jornalismo. Como conselho de mãe não se discute, apenas se aceita, na bagagem de roupas ela colocou também suas fantasias de palhaça que havia usado nos últimos anos no Brasil e que a ajudaram no custeio das despesas da faculdade. Para sua surpresa, ao chegar em Nova Iorque onde já estavam os seus pais, percebeu que ali não existiam palhaços. Era a brecha que precisava para debutar na área em terras americanas.  “Não havia animadores nos EUA. Foi aí que entrei literalmente de cabeça nesta profissão e com apenas três semanas já estava fazendo festas em Nova Iorque, Connectuctic e Nova Jersey.  

No entanto, ela tinha uma meta: aprender o idioma local, afinal de contas, havia saído do Brasil por essa razão. “Ser palhaça nos EUA me dava a chance de estar em várias culturas ao mesmo tempo, já que ia sendo contratada para animar a festa de diferentes nacionalidades, e isso foi expandindo meus contatos”.  Néia se orgulha por ter sido precursora em seu Estado da atividade de palhaça, algo que hoje é muito valorizado no país, inclusive com universidade na Flórida para quem deseja ser palhaço. “O que eu mais gosto é a oportunidade que a Pimentinha, minha personagem, me dá de fazer essa imersão em tantas culturas diferentes, e eu procuro entrar no clima de cada povo respeitando a cultura de cada um deles, mas fazendo brincadeiras conhecidas no Brasil”. Uma delas, é a famosa dança das cadeiras onde ela faz questão de colocar toda a família para interagir com as crianças. Outra brincadeira é a da cordinha (na qual as pessoas passam por baixo sem tocar), e do mambo (onde ela joga uma peteca sobre uma grande lona e as pessoas têm que sacudir o pano para que a peteca vá cada vez mais alta sem cair no chão). “Tanto americanos quanto estrangeiros adoram essa alegria e espontaneidade que nós brasileiros temos, e essa acabou sendo a minha maior marca”.

Em dezembro de 2013, ela se casou com um americano e conquistou o tão sonhado green card (visto permanente de residência). Anos depois, realizou o maior sonho de sua vida: ser mãe, quando já não acreditava que isso seria possível, pois já tinha mais de 40 anos. O pequeno Robert (mesmo nome do pai), é sua grande alegria de viver. Ela incentiva que o filho também aprenda português. “Ele é americano de nascimento, mas faço questão que carregue o Brasil no coração e quero um dia levá-lo para conhecer o meu país, mostrar a minha cidade em Minas Gerais, visitar minha antiga faculdade, e passear pelo Brasil que é um lugar maravilhoso, mas que paga o preço pela corrupção e por erros de administrações passadas”.

NOTA DA EDIÇÃO: É com imenso prazer que compartilho a linda trajetória de Claudineia Cardinalli com meus leitores. Além de admirar muito o seu trabalho, a admiro como mãe, mulher e como ser humano, pois é uma das pessoas que mais dedica tempo a fazer o bem em diferentes projetos sociais. Claudineia é minha amiga pessoal. Um dos melhores presentes que a vida me deu graças à faculdade de jornalismo da PUC-Campinas, que cursamos juntos, e prá mim uma honra contar sua trajetória em um dos meus projetos mais importantes: o Diário de um imigrante, onde começo a contar a partir desta semana minhas aventuras e desventuras na terra do “Tio Sam“.

O trabalho voluntário é uma de suas maiores alegrias, e ela faz questão de ir como Pimentinha. “É algo que me faz muito bem e procuro atuar em diferentes frentes: de crianças a idosos, a campanhas de prevenção contra o câncer e violência doméstica”.

O que te levou a deixar o Brasil em 1999 foi a oportunidade de aprender um novo idioma?

NÉIA: Meu pai foi o primeiro a vir para os EUA, em 1986, e minha mãe veio dois anos depois. Na época, eu nem cogitava viver aqui. Eu estava lutando pela minha cidadania italiana que só saiu em 1998. Então, fiquei com minhas duas irmãs no Brasil. Meus pais voltaram alguns anos depois, em 92 e 93. Tive duas perdas muito difíceis na sequência. Meu pai faleceu em 95, e minha irmã mais velha morreu em julho de 99. E foi depois de sua morte que eu decidi mudar de país. Tinha me formado em jornalismo, mas sentia que uma das principais barreiras para conseguir um trabalho naquela época já era a falta do inglês. Todas as entrevistas exigiam o idioma. Então, pensei em uma maneira rápida de aprender a língua e ao mesmo tempo juntar um dinheiro. Eu estava consciente que sem documentação e sem falar inglês fluente teria que trabalhar em outras áreas para sobreviver.

Qual a principal dificuldade que você acredita que um imigrante passa nos EUA?

NÉIA:  Sem dúvida, o choque cultural. Muitos brasileiros quando chegam aqui pensam que vão carregar o Brasil literalmente nas costas e dar o jeitinho brasileiro, mas as coisas não são assim. Aqui, as leis são severas e funcionam para todos: do mais pobre ao mais rico. Não há protecionismo. O inglês faz toda diferença, por isso, é importante vir alfabetizado no idioma porque os americanos te respeitarão muito mais. Por outro lado, ,muitos imigrantes se aproveitam da boa vontade dos americanos e extrapolam da confiança fazendo coisas erradas e isso é horrível, mas os americanos são tão abertos e receptivos que a maioria das casas não têm muros, e isso me assustou quando cheguei. Eles não têm essa desconfiança que existe no Brasil de que a qualquer momento podemos ser vítimas de um assalto. Essa segurança é algo muito importante que faz toda a diferença.

O que você faz atualmente além de trabalhar como animadora infantil?

NÉIA: Sou hiperativa e muito agitada. Não sei ficar parada e estou sempre envolvida em muitos projetos ao mesmo tempo. Faço vários trabalhos. Um deles é como jornalista informando a comunidade brasileira sobre os nossos direitos e deveres. Aqui você vai preso se não pagar uma multa de velocidade, e se tiver dois crimes e não estar documentado, ou seja, legalizado, você é deportado do país. Tenho também um blog de notícias da minha região. Virei uma ponte entre a comunidade brasileira e a americana, pois o mais interessante para nós que vivemos aqui é receber notícias da nossa cidade, do Estado, das atualizações de leis, pois é isso que afetará o nosso dia a dia aqui. Outra coisa que não abro mão e que me dá muito prazer são os projetos voluntários com pessoas com câncer. Também faço uma festa anual para uma comunidade que cuida de crianças e adolescentes com autismo, mulheres que sofreram violência doméstica, entre outros. Isso me faz muito bem e me esforço para ajudar estas pessoas que precisam tanto, e no final de contas quem é ajudada sou eu, pois saio muito mais feliz e realizada destes encontros.

E como foi seu processo inicial de adaptação?

NÉIA: No meu caso o que facilitou foi o fato de eu já ter parentes vivendo aqui. Então, a adaptação não foi tão difícil porque tinha o suporte familiar, que pesa muito e que não te deixa sentir-se sozinho.  O que estranhei foram os dias no inverno que são muito curtos e quando é quatro horas da tarde já está tudo escuro. Outra coisa difícil foi a comida, pois era muito diferente do Brasil. Como sou vegetariana, comecei a buscar produtos para minha alimentação e aos poucos não tinha mais problema para comer, pois adoro frutas e saladas, e minha mãe continuava fazendo o nosso arroz e feijão de todos os dias.

Você lembra do seu primeiro trabalho nos EUA antes de atuar como palhaça?

NÉIA: Por indicação de uma prima consegui logo no meu segundo dia, uma vaga como ajudante de escritório, mas o engraçado é que o inglês que eu havia aprendido no Brasil não valia nada. A pronúncia era totalmente diferente do que eu estava acostumada, mas nada me fez desistir. Mesmo falando errado eu me esforçava para me comunicar com as pessoas na rua e foi por causa dessa minha cara de pau que fui melhorando dia após dia.  

 O que mudou na sua vida depois de ter conquistado o Green Card?

NÉIA: Depois de tantos anos como imigrante nos EUA, saber que eu tinha a minha nacionalidade americana foi uma das minhas maiores alegrias. Isso, claro, te abre portas e facilita a vida em muitos sentidos. Durante muitos anos tive o sonho de visitar minha família no Brasil, mas não podia viajar por estar ilegal. Hoje, a situação é totalmente diferente e posso me locomover sem nenhum medo, assim como buscar todos os tipos de trabalhos.

Atualmente, Néia faz vídeos de jornalismo contando as novidades e os serviços de sua região. “Os brasileiros que moram aqui buscam por informações locais de interesse público e essa é uma das minhas linhas de trabalho como repórter: a prestação de serviços à comunidade”, diz Néia.
Apesar de ter trabalhado em diferentes áreas, Claudineia nunca perdeu a paixão pelo jornalismo e lutou para trabalhar em sua área mesmo estando em outro país.
Gravação de reportagem no icônico Central Park, um dos cartões postais mais famosos de Nova Iorque
O sonho de ser mãe foi concretizado com a chegada de Robert, há quase seis anos.
Néia agradece cada uma das oportunidades que teve e que a fizeram crescer como pessoa e como profissional em um país com cultura totalmente diferente da nossa. “Mesmo tendo coração brasileiro, sou apaixonada por tudo o que os EUA me deu e não sei se me adaptaria a viver em outro lugar do mundo que não fosse aqui”.

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

One Comment

  • Joanna

    Sou Joanna
    E conheço a Claudineia( pimentinha)
    Confesso que ela e realmente sensacional e dona de um super coração recheado de bondade e muito amor pra distribuir gratuitamente para aqueles que ela conhecem e os que não conheçem também.
    Que Deus a abênçoē sempre e que ela possa receber em dobro muitas bênçãos divinas em sua vida.
    Claudineia e simplesmente maravilhosa.

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