EXCLUSIVO: O depoimento de um brasileiro que resistiu aos desafios e perigos da travessia ilegal entre a fronteira do México e os EUA em busca do seu sonho americano

A morte recente de uma brasileira na fronteira entre o México e os EUA reacendeu o alerta sobre a importância de esclarecer a população sobre os riscos e perigos que eles estão sujeitos ao tentar atravessar ilegalmente a fronteira rumo ao “sonho americano”. Pensando nesta questão, a reportagem do “Diário de um imigrante” foi atrás da história real de um sobrevivente desta perigosa travessia. Vale ressaltar que a fonte do entrevistado será preservada.
LEANDRO (nome fictício) só aceitou conceder esta entrevista nestas condições, ou seja, desde que sua identidade não fosse revelada, mas ele ressalta que concordou em abrir o seu “diário pessoal”, porque acredita que o seu depoimento possa ajudar outras pessoas a não se arriscarem por esse sonho.
Leandro chegou oficialmente aos EUA em abril de 2005. Já são quase 20 anos vivendo ali. Ele relembra que a emoção de estar em solo americano vivendo o seu sonho de menino foi algo indescritível e nem o rigoroso frio de Denver, no Colorado, o impediu de sair na neve e de brincar feito criança. “Foi muito difícil chegar até ali. Só eu sei quantas lágrimas foram derrubadas, quanto medo e desespero eu passei. Você fica totalmente frágil, refém de outras pessoas. É como uma mercadoria jogada de um lado para outro e sem saber o seu destino”.
No entanto, ele diz que todo sofrimento foi esquecido, momentaneamente, assim que pisou na neve pela primeira vez. Na casa onde foi alojado depois da chegada em Denver lhe deram um desafio, que servia como um batismo de chegada aos novos imigrantes: deitar de costas sem camisa na neve e abrir os braços várias vezes como se fosse fazer um exercício de polichinelo, pois isso faria com que o reflexo de seu corpo se assemelhasse ao de um anjo. “Eu tenho que buscar essa foto um dia, pois ela é muito simbólica na minha trajetória. É como um atestado de que eu estava sendo abençoado naquela jornada que só começava para mim, mas que Deus sabia que era o desejo do meu coração”.
Mas para chegar até o ponto de ver sua imagem refletida na neve foi uma longa travessia cheia de percalços, golpes seguidos e muitas rasteiras que lhe fizeram questionar se estava no caminho correto. Leandro tentou o visto americano no Brasil por três vezes e em todas as tentativas ele foi negado. Em sua última vez, por exemplo, estava acompanhado do seu pai, e o oficial de imigração ainda foi irônico: “Posso dar para o seu pai, mas não para você”. Isso só fez com que aumentasse sua revolta, pois era nítido que o oficial já havia visto os vistos anteriores negados e desconfiava que Leandro queria permanecer ilegalmente nos EUA após a permanência de três meses (visto de turista).
Já sem esperanças de viver nos EUA, Leandro diz que tentou um plano B: iria viver um tempo na Inglaterra, melhorar o inglês, e depois de um tempo tentaria de novo o visto americano ou talvez não- tudo dependeria de sua adaptação na Europa. Só que seus planos também não saíram como ele planejava. Ao chegar na Inglaterra acabou sendo deportado e foi parar em Portugal onde teve que esperar duas noites no aeroporto de Lisboa até conseguir autorização para retornar ao Brasil. Toda essa situação o deixou ainda mais suscetível, frágil e revoltado, já que nada estava dando certo. “Você fica totalmente de mãos atadas, sem saber o que fazer. É algo horrível. Por sorte, fui bem tratado pelas pessoas ali muitas vezes, me sentia como a personagem do ator Tom Hanks no filme ‘O Terminal’ onde ele mora dentro de um aeroporto”.
No retorno ao Brasil, Leandro foi trabalhar em um estacionamento no interior de Minas Gerais, mas estava totalmente frustrado com a sua realidade. Ele não queria estar ali. Aquele não era o seu sonho e não era o que ele havia planejado para sua vida. Foi então que um amigo de muitos anos de sua cidade natal e que vivia nos EUA o procurou dizendo que havia um jeito dele entrar no país: teria que ser ilegalmente pela fronteira com o México. E quem ajudaria seria a ex-namorada de Leandro, Suellen, que conhecia a sobrinha de um coiote (nome dado às pessoas que conduzem imigrantes ilegais na fronteira mediante o pagamento).
Naquela época, o pagamento de um coiote já era algo muito caro: cerca de 15 mil dólares. Mas Leandro teve a sorte de contar com a ajuda dessa ex-namorada que convenceu a amiga a deixar o preço em 3 mil dólares. Para isso, mentiu que Leandro era seu irmão, estava muito deprimido e necessitava de ajuda. “Eu não parei para pensar nos riscos porque senão eu não embarcaria naquela viagem, mas tive que mentir em casa para não ter problemas com minha mãe, pois ela nunca me deixaria viajar se soubesse das reais condições da viagem. Não havia garantia de nada e a chance de dar errado, de eu ser preso e perder dinheiro era muito grande, mas por outro lado, era o meu sonho que estava em jogo e decidi me lançar naquela aventura”, relembra Leandro.
Segundo ele, o primeiro passo foi comprar uma passagem para Cancún, no México, mas por trás dessa passagem começava o plano. Na verdade, ele não embarcaria para Cancín, mas sim, para uma outra cidade mexicana, e de lá passaria por várias etapas até chegar à fronteira com os EUA. Só que ao chegar nesta cidade os problemas começaram a aparecer. Ao tentar passar pela imigração local os agentes desconfiaram de sua intenção e lhe disseram que só o deixariam passar se ele pagasse 500 dólares, caso contrário, seria deportado. Sem outra alternativa, ele teve que pagar a quantia que lhe faria falta depois para pagar o coiote, mas não havia o que fazer. Era isso ou ser deportado. Passado o primeiro suborno ele se instalou em um pequeno hotel beira de estrada que já estava combinado. “Sem dúvida, foi um dos piores locais que já vi na vida. Chamava ‘El Prado’. A toalha no banheiro, o sabonete, tudo era cortado no meio para economizar. Era horrível”.
No total, Leandro ficou 10 dias neste hotel sem sair do quarto até que uma pessoa bateu em sua porta dizendo a senha combinada. Ele havia sido orientado que só deveria abrir a porta nestas condições. Saindo do hotel embarcou em um ônibus que tinha capacidade para 30 pessoas, mas que estava superlotado com mais de 70 pessoas. “Havia crianças e bebês empilhados como caixas no fundo do ônibus”. Outra orientação era para que escondesse sua cara durante toda viagem. Depois de viajar uma hora e meia nestas condições e sem falar com ninguém, o ônibus foi parado por agentes da polícia federal mexicana. Como ele era o único estrangeiro naquele dia foi colocado no banco de trás dentro de uma viatura. Leandro diz que o desespero era muito grande, principalmente o medo de ser preso ou de acontecer algo pior, mas depois de um tempo o liberaram. Ele caminhou por um tempo junto com o coiote e com outro rapaz que faria a travessia. “Foram mais de cinco horas caminhando sem parar. A gente tinha que se jogar no chão toda hora porque víamos viaturas da polícia ou raios infravermelhos. Quando havia árvores a gente conseguia se esconder também, mas era algo assustador, pois estávamos totalmente vulneráveis. A sensação era que íamos ser descobertos a qualquer momento”.
Uma das situações mais difíceis foi quando passavam por um local que tinha uma plantação com várias lombadas e alguns vácuos na estrada de terra e foi graças a isso que conseguiram se esconder dos policiais, mas as viaturas passaram literalmente sobre o corpo deles. O risco era iminente. Assim que as viaturas se distanciaram o coiote os ordenou que corressem. “Era deserto, a gente tava sem água, com fome, muito cansados, mas corremos sem parar mais de 30 minutos. Eu só pedia a Deus para me dar forças e me proteger até que eu chegasse ao Texas, e depois de lá para o meu destino”.
Quando ele já estava sem forças para correr, finalmente, encontrou um rancho deserto para dormir, mas não havia cama no local. Leandro estava só com a roupa do corpo e sem mochilas porque carregá-las era mais visado pelos policiais que desconfiavam que podia haver drogas dentro, e por isso, a ordem era para não levar roupas. “Estava muito frio. Eu colocava os meus joelhos dentro do moletom para me aquecer e me encostava ao corpo deles para pegar um pouco de calor. Foram quatro horas dormindo ali e eu nunca havia passado tanto frio na minha vida”.
A tortura psicológica estava longe do fim. Quando pensava que já estava próximo de chegar ao seu destino em Denver, Leandro foi informado que teria de ficar mais 12 dias confinado em um trailer com mais de 20 mexicanos. Havia um dia e uma hora certa para sair do local sem despertar atenção nos postos de imigração”. Após esse confinamento forçado, ainda havia uma longa jornada pela frente. Foram mais dois dias seguidos de viagem de carro até Denver e quando havia policiais tinha que se esconder no carro. “Foi uma longa e cansativa viagem em um carro super apertado e com a tensão de ser parado pela polícia”.
O ENCONTRO COM O SONHO AMERICANO

Agradecimento! Essa era a única palavra que vinha à mente de Leandro quando chegou à Denver. A sensação era de vitória. Depois de muitos dias seguidos de lutas, de incertezas, de angústias, de frustrações e onde teve que lutar ainda com o medo, frio, fome e com a vulnerabilidade de ser pego pela polícia e preso em outro país, era hora de voltar a sorrir. A ajuda da ex-namorada e de amigos brasileiros de sua cidade foram fundamentais para o seu processo de adaptação. “Nunca vou me esquecer de um amigo que me levou para uma loja e disse: compre o que você precisar de roupa e comida que eu vou pagar”. Suellen também lhe ajudou bastante e pagou ainda os 500 dólares que faltava ao coiote por causa do suborno mexicano. “Sou muito grato a cada um deles por terem me estendido a mão nesse momento da chegada que é o mais difícil até você se localizar, principalmente eu que cheguei daquela maratona sem roupas, sem documento, sujo, barbudo, cabeludo. Foi um recomeço de vida em todos os sentidos”.
Logo nos primeiros dias, Leandro conseguiu fazer documentação falsa e começou a trabalhar numa rede de fast food- algo que ele nunca havia feito. Para ajudar com as despesas de casa também pegou um outro trabalho como motorista de obras. “Eu estava com sede e com fome de vencer, e tudo o que aparecia de trabalho eu não recusava”.
Hoje, quase 20 anos depois de ter passado por essa experiência, Leandro não se arrepende de ter persistido no seu sonho, pois hoje se diz totalmente feliz com sua escolha de ter saído do Brasil e viver uma vida diferente, mas, também ressalta os riscos de fazer algo ilegal. “O preço é muito alto, e nossa vida é nossa maior riqueza. O caminho correto que deve ser seguido é o de tentar o visto pelas vias normais”.
Atualmente, Leandro vive na Flórida. Está muito feliz com a vida que leva. Trabalha em dois empregos, fala fluentemente inglês, está totalmente adaptado à vida americana e se diz feliz pela oportunidade de nestes anos todos ter conhecido muitos estados americanos. Sobre retornar a viver no Brasil ele diz que não tem esse projeto, mas que sonha com o dia que conseguirá viajar ao Brasil de férias. Enquanto isso, matará a saudade da família com a ida deles para os EUA. “Meus pais já vieram três vezes me visitar, e recentemente tive a oportunidade de conhecer minha nova sobrinha que quando saí do Brasil ainda não havia nascido. Estou muito feliz aqui e me orgulho de onde cheguei mesmo com tudo o que passei”.


NOVELA AMÉRICA TINHA A IMIGRAÇÃO ILEGAL E O SONHO AMERICANO COMO UM DOS TEMAS PRINCIPAIS
Coincidentemente a novela América passava no mesmo ano em que Leandro tentava a travessia para os EUA. “Foi algo incrível saber que a novela contava a mesma história que eu estava vivendo naquele momento”, diz Leandro.


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