Diário de um imigrante- CAP 25

Um dos dois espelhos d´água construídos no lugar onde estavam as Torres Gêmeas, em Nova Iorque. Cada um deles leva o nome das 2977 vítimas dos atentados

Silêncio absoluto. Silêncio daqueles perturbadores que chega a incomodar porque você se sente totalmente atado diante da inexistência de qualquer ruído. É como se não houvesse necessidade de ouvir nenhum som exterior, e na verdade não há. Quando você para e reflete é difícil imaginar que ali naquele exato local morreram tantas pessoas numa única manhã, vítimas de um ódio injustificável. Essa é a sensação que senti ao estar pela primeira vez diante de um dos espelhos d´água construídos em homenagem às vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, no World Trade Center, em Nova Iorque. E neste capítulo também, além de relatar o meu sentimento trago uma ENTREVISTA EXCLUSIVA com uma brasileira que trabalhava há poucos metros das torres e que as frequentava diariamente, e que se salvou naquele dia por um atraso.

Em dezembro de 2022, eu estava visitando uma amiga em Nova Iorque e decidi retornar ao local. Havia estado ali em 2011 pela primeira vez mas, na época, não tinham ainda construído nada e só havia o projeto do espelho e do memorial. Confesso que, desta segunda vez, o impacto foi muito maior, pois quando você começa a olhar atentamente o espelho nota que em cada ponto dele há o nome de uma pessoa. São as mais de 2 mil vítimas dos atentados com seus nomes expostos ali. É triste imaginar que suas vidas foram tiradas por assassinos suicidas e que se não fossem por eles poderiam estar todas vivas. Além destas mortes, fica a dor e o vazio para os familiares e amigos, pois quem está vivo é que carrega a dor da saudade, e só quem perdeu alguém sabe a falta que isso nos faz. Toda morte é dolorosa e deixa rastros, mas quando se sabe que aquilo foi provocado pela ação de homens o sentimento de revolta é muito maior.

Minha 1 vez ao local em 2011. Ainda existia o projeto do espelho d´água e do memorial

Naquela manhã de dezembro de 2022, eu havia tomado o ônibus turístico perto da Times Square e quando eles anunciaram que estávamos nos aproximando do local eu decidi descer. Nestes ônibus, você pode escolher diferentes pontos, descer por um tempo, conhecer os lugares, e pegar o próximo para continuar o seu passeio. Fazia frio, mas não era aquele frio cortante como eu havia enfrentado em 2014 com dias seguidos de tempestade de neve. Era algo totalmente suportável e isso porque estávamos em dezembro quando as temperaturas despencam.

Quando fui me aproximando do primeiro espelho já senti a diferença. Apesar de estarmos em um ponto turístico predominava o silêncio absoluto. Algumas pessoas haviam deixado uma rosa branca em pontos diferentes da plataforma e isso quebrava um pouco o clima frio e cinza do local. Era como uma homenagem simbólica às vítimas. Mas, como em qualquer lugar do mundo, sempre há aquelas pessoas completamente sem noção ou respeito pelos demais. Presenciei ao vivo muitos turistas posando sorridentes em frente ao espelho e ao memorial e se esforçando para captar os melhores ângulos das fotos como se aquilo fosse um troféu a ser exibido sem pensar que pessoas e famílias inteiras haviam sido destruídas ali anos antes. A vontade que me deu foi de falar alguma coisa, mas acabei ficando calado porque no final das contas discutir com pessoas deste nível não me levaria a lugar nenhum. O destino se encarregaria de dizer o quanto estavam sendo patéticas e desumanas, mas isso o tempo lhes ensinaria.

Fiz uma prece silenciosa e logo decidi sair dali. Nunca soube e creio que nunca saberei lidar com o tema da morte. Há pessoas que não têm problema nenhum com cemitérios e velórios, por exemplo, mas eu tenho bastante. Como repórter de jornal tive casos bem complicados de ter que cobrir enterros, velórios e o feriado de Finados, e prá mim era a pior matéria de todas. Eu voltava para casa extremamente deprimido e triste, mas em 2013, eu tive uma ideia que me ajudou a vencer esse bloqueio. Eu estava de plantão e fui obrigado a cobrir o movimento nos três cemitérios de Piracicaba (interior de SP).  

Na época, eu trabalhava para o Grupo RAC de Comunicação. Combinei com o fotógrafo e com a assessoria de uma maternidade da cidade que eu queria fazer a cobertura de um nascimento naquele dia. E, por sorte, haviam nascido três crianças naquele Finados e eu consegui falar com uma das famílias e retratar aquele momento de felicidade. E no dia 3 de novembro de 2013, a manchete e as fotos de capa do jornal ao invés de trazer as fotos tradicionais de túmulos e movimento de cemitérios estampou pela primeira vez na história do jornal a foto de um bebê nascido em Finados. Me lembro até hoje da minha manchete: “Há vida em Finados”.  Fiz o meu dever de repórter, mas consegui inovar e terminar bem o meu dia cobrindo o nascimento de uma nova vida num dia de lembranças tão tristes para muitas e muitas pessoas. Voltando à fatalidade do World Trade Center, já relatei nos episódios anteriores que em 11 de setembro de 2001 eu estava vivendo fora do Brasil. Eu havia recém-chegado à Portugal e quando tomei consciência do que estava acontecendo fiquei apavorado. Mesmo estando em outro continente, a sensação de impotência e de vulnerabilidade diante do desconhecido era muito grande. Ouvia de muitos portugueses nas ruas que era o início de uma nova guerra mundial.

REPORTAGEM DE UMA TV PORTUGUESA NO DIA 11 DE SETEMBRO DE 2001

Outros mais céticos diziam que era o fim dos tempos e que o mundo estava acabando. A verdade é que desde então, a percepção que tenho é que as nações mais poderosas do mundo não se sentem mais tão protegidas como antes. E eu ainda fui presenciar anos depois um novo atentado, desta vez, em Barcelona (onde moro atualmente). A tragédia poderia ter sido ainda maior, mas o choque também foi bastante grande (relatarei sobre isso nos episódios da Espanha e de como foi minha primeira cobertura internacional sobre um atentado).

Se você estiver um dia em Nova Iorque, fatalmente, acabará visitando o local dos atentados, mas o conselho que tomo a liberdade de dar é que o visite, mas não como um turista ávido por fazer fotos e vídeos, e sim com o respeito que a situação exige. Você terá dezenas e dezenas de lugares para fazer fotos posadas e maravilhosas porque a cidade é deslumbrante, mas ali creio que é um lugar onde se pede mais do que tudo respeito. Mesmo que não seja religioso mentalize paz ao mundo. Tenho certeza que se cada um de nós fizer a nossa parte construiremos um mundo melhor.

PRODUÇÃO E ENTREVISTA: CLAUDINEIA CARDINALLI

ENTREVISTA EXCLUSIVA: “EU NÃO TIVE TEMPO PARA TER MEDO PORQUE NO OUTRO DIA TNHA QUE TRABALHAR. A VIDA NÃO PAROU ALI”, diz brasileira que poderia ter sido uma das vítimas do 11 de setembro

A brasileira Eliana Yarian nunca se atrasava para o trabalho, mas naquela manhã se atrasou e isso a livrou de ter sido uma das possíveis vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001

“Eu não tive tempo para ter medo porque no dia 12 de setembro eu já tinha que trabalhar por mais difícil que fosse”. O relato é da paulista Eliana  Yarian,  de 59 anos .Ela conta que, na época, trabalhava num prédio há poucos metros das torres gêmeas. Era assistente da gerência no prestigiado e renomado Wall Street Journal. E justamente naquela manhã de setembro se atrasou- algo que ela não costumava fazer nunca-. “Eu chegava sempre antes do meu horário e ficava esperando em uma livraria dentro de um dos prédios das Torres Gêmeas, mas naquele dia eu me atrasei”. (veja vídeo com o seu relato abaixo).

Se não fosse pelo atraso, Eliana, hoje, poderia ser uma das vítimas fatais dos atentados. Ela morava há quase 40 minutos do local e sempre ia ao trabalho de transporte público. Eliana relembra que quando estava se aproximando das torres o serviço de alto falante do metrô avisou que o caminho estava bloqueado e que teriam que descer ali. “Achei estranho porque nos avisaram que havia tido um problema no World Trade Center, mas eu nem imaginava que era um atentado. Isso nunca me passou pela cabeça”.    

Com a impossibilidade de chegar ao trabalho de metrô, Eliana diz que decidiu ir caminhando e que notou uma movimentação muito grande na região e que ao se aproximar do local viu uma aglomeração de pessoas, jornalistas, policiais e ambulância. “Quando olhei para o alto, as torres ainda estavam em chamas. Muitos à minha volta falavam de acidente. Pouco tempo depois eu vi as torres caindo. O desespero foi muito grande. As pessoas ficaram desesperadas e começaram a correr para todos os lados. Um guarda cruzou comigo e me aconselhou correr o mais rápido que eu pudesse e fugir dali porque desconfiavam de atentados terroristas”.

No último dia 11 de setembro, Eliana esteve no local a pedido da reportagem para gravação desta entrevista

Então, Eliana foi no embalo das outras pessoas e saiu em disparada, mas naquele momento a cidade já estava um caos. Tudo bloqueado. Na região não havia ônibus, trem, metrô ou taxi. Os veículos estavam literalmente parados nas ruas e avenidas de Manhattan- algo inimaginável- e os motoristas ouviam as notícias de rádio, pois eram as mais rápidas e precisas. Ela aproveitou para ligar para sua chefe e também para tranquilizar a família no Brasil. “Minha chefe perguntou se eu teria como voltar para casa, mas me avisou que no outro dia eu deveria vir trabalhar e que eles improvisariam um outro lugar, pois todos já imaginavam que tudo ali estaria bloqueado pela polícia”.

Segundo ela, o impacto contra as torres foi tão forte que os prédios vizinhos, incluindo o seu do trabalho, também foram atingidos. No caso do jornal, todas as janelas foram quebradas e eles nunca  mais puderam voltar ao local nem mesmo para pegar os objetos pessoais e computadores. Tudo foi para o lixo, pois desconfiava-se de contaminação química. No dia 12 de setembro pela manhã, ela e sua equipe já estavam trabalhando numa cafeteria alugada e preparando a edição especial do dia 14. “Um dos meus chefes disse que já havia estado na Guerra do Vietnã e que aquilo não era nada perto do que havia vivido e que tínhamos que seguir nossa rotina. Colocaram psicólogos à nossa disposição, mas não nos dispensaram do trabalho”.

Além dos atentados, a pior parte para Eliana foram os dias pós-tragédia porque tentaram instaurar uma “indústria do medo” e da vulnerabilidade diante de possíveis novos atentados na cidade. Existia a preocupação de atentados químicos, mas ela confessa que não teve tempo para se preocupar com nenhuma teoria conspiratória porque antes de tudo tinha que sobreviver. “Quem vivia ali em 2001 por mais difícil que fosse sabia que a vida tinha que continuar. O americano tem muito dessa praticidade e poucos anos depois já estavam com o projeto idealizado do que seria feito no local”.

Além dos espelhos d´ água, o local conta também com um memorial em homenagem às vítimas

TRAJETÓRIA: Graduada em Letras e nascida em Santo André, Grande São Paulo, em 1987, Eliana decidiu imigrar para os EUA para tentar uma nova vida. No Brasil, trabalhava como professora de inglês. Depois de estar vivendo um ano nos EUA e de trabalhar como garçonete acabou conhecendo um rapaz americano, se casou e conseguiu a documentação, mas ele queria conhecer o Brasil e acabaram decidindo retornar ao seu país natal por um tempo. O marido ficou sete meses no país e ela um ano, e depois decidiu também regressar à Nova Iorque. Eliana teve vários empregos, como em bancos brasileiros de Nova Iorque até conseguir a oportunidade de trabalhar no jornal onde ficou por quase 20 anos. Além do português, ela fala inglês e espanhol.

Apesar de falar inglês Eliana sabia que o seu nível para trabalhar nos EUA tinha que ser muito alto e fez cinco anos de inglês e literatura inglesa numa universidade americana, o que lhe deu a fluência que necessitava para alçar outros voos profissionais. Depois dos atentados, Eliana aponta que aproveitou a brecha para pedir um desligamento da empresa e voltar para o Brasil, pois precisava de um tempo. Seu chefe não aceitou a demissão e ela acabou ficando apenas três meses no país e voltou para os EUA de novo. “É o país que me abraçou e onde vejo mais oportunidades. Amo Nova Iorque porque é uma cidade que dá muitas oportunidades para imigrantes”. Atualmente, ela trabalha na gestão turística de Airbnb, e diz que não tem planos de voltar a viver no Brasil no momento. “Estou feliz aqui e adaptada à minha vida americana”.

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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