“PEDRINHO E O SINO BRILHANTE”, de Fernando Duriguello é o grande vencedor do I CONCURSO DE CONTOS DA COMUNICARE HUB

Novamente amanhecia e o cenário permanecia quase o mesmo. O céu, com seu azul tímido,

tentava em vão competir com a densa e teimosa fumaça que subia da montanha multicor.

Da banca de jornal, eu via aquele amontoado de restos estragados, desperdiçados ou

desprezados no meio do aterro da Vila Nunca Mais. Um monte de lixo empilhado sem critério

nem soberba.

Lá tinha de tudo! Pés descalços de uma mesa velha, caixinhas misteriosas, resíduos sem forma

ou propósito, batons cor bege, garfos de plástico fundidos com mãos de boneca, embalagens

de 876 ml de chorume, garrafas de sidra vencida, laços de presente cor de papel higiênico, vasos

de tubo de televisão com flores de cemitério e até paetês de um carnaval passado.

Naquela bagunça, as latinhas eram o destaque. De todo tipo, amassadas e mal bebidas em

passados festivos. Latas de cerveja de rico e de pobre. Da onipresente Coca-Cola e do Guaraná

Jesus.

E lá vem Pedrinho, meu amiguinho querido, com seu caminhar brincante após mais um dia de

catação de lixo. Ele sempre passa na banca de jornal depois de levar seu alumínio amassado

para o depósito do cruel Agripino, que se acha o senhor do aterro. Em troca da labuta da família

do menino, o desgraçado entrega uma marmita com sabor de memórias olfativas. Os talheres?

Pra quê? Tem aos montes no lixão. Ouvi dizer que o crápula também foi vítima de trabalho

escravo quando criança. Será que, como nas aristocracias, a escravidão se perpetua em

gerações? Não sei, dá medo até de pensar.

Só de ver o garotinho, meu sorriso ganha asas. Pego minha sacola secreta com mantimentos

para sustentar sua família por um dia. E, no que depender do garoto, ainda sobra para seus três

amiguinhos que catam lixo com ele. Porque sua pobre nobreza compartilha tudo o que tem seja

com quem for. E ainda procura presentes no lixão para retribuir minha ajuda.

Pedrinho, todo animado, segurando um relógio de borracha mordido pelo tempo, grita:

– Oi, seu Nevers! Olha aqui o que achei no lixo! É presente da hora pra você!

– Uau, Pedrinho! Você mal sabe escrever e já faz trocadilhos, hahaha. Que legal! Esse relógio é

da hora mesmo.

– O que é trocadilho?

– É um jogo de palavras, um dia te explico. Mas lembra do concurso de escritores infantis que o

jornal está promovendo? Que tal usar esse relógio para contar uma história? O que acha

Pedrinho?

– Ahh, seu Nevers. Eu num sei escrever direito. Só sei catar lixo, amassar latas e fazer fogueira. Eu

não sei, nem tenho todas as letras.

– Por isso mesmo! Se já tivesse todas, que graça teria? Como ainda não tem, você fica mais livre

e solto para imaginar o que quiser. Pode até inventar novas palavras, não é?

– É. Olha, eu achei outra coisa. Sabe o esconderijo onde deixo a sacola com os lanches que você

me dá?

– Sei, sim! O que você achou?

– Um sino pequeno com um desenho de asa! Maluco é que quando balanço, sai um brilho forte

e não sai som de sino, só um chiado de voz macia, hahaha.

– Incrível, Pedrinho! Você encontrou o sininho brilhante! Quando escurecer, você saia com ele e

procure mais coisas para montar sua história. Que acha?

Entreguei a sacola e lá foi o garoto, resgatando sonhos no aterro. Fechei a banca, passei na

adega do capitão, tomei umas doses de fada e voei para casa.

Sete dias se passaram, e a pilha de tesouros do Pedrinho só crescia. A magia do sininho estava

ajudando o menino a dar significado aos achados:

-uma revista em quadrinhos rasgada virou um mapa maluco;

-um novelo de lã multicolorido todo desfiado virou uma trilha de aventura;

-um espanador amarrado com canetas velhas foi batizado como “lustrador de livros sem

palavras”;

-cacos de espelhos quebrados se transformaram em um caleidoscópio espalhafatoso;

-e aquele relógio de borracha virou uma bússola flexível.

Pedrinho colocou tudo numa caixa de papelão de sabão em pó, que pra ele era pó mágico.

Então, aconteceu algo surpreendente. Ele retirou cada item e declamou uma poesia, que anotei:

Histórias coloridas, eu não sei ler,

Mas sigo sem saber para onde vão.

Sem roupas bonitas, visto a vontade de tecer.

Mesmo sem estantes, um livro vou escrever,

Em um lugar brilhante, a todos mostrar.

A cada hora, a cada passo,

Mais perto, mais tarde, não importa, vou sonhar.

Porque o espelho, mesmo no escuro,

Reflete o que sinto faltar.

Consegui convencer Pedrinho a participar com sua criação no concurso. E as recompensas

vieram!

Muitos anos depois, Pedrinho e eu nos reencontramos. Graças ao concurso, sua vida mudou e

ele se tornou um respeitado repórter, que luta contra o trabalho escravo e a exploração infantil.

– Seu Nevers! Faz mais de 30 anos! E você mesmo? Não mudou nada!

– Pedrinho. Eu era um pouco mais velho quando você era criança. Agora tudo mudou.

– Como pode isso? Estou sonhando? Nossa! Lembra daquele sininho que eu achei no

esconderijo? Olha ele aqui!

– Pedrinho. Fui eu que colocou esse sininho para você achar. E meu nome não é Nevers.

– Como assim? Qual seu nome?

– Peter Pan.

PERFIL DE FERNANDO DURIGUELLO Sou um redator que desenha conceitos. Gosto de escrever manifestos para dar tom, ritmo e vida às mensagens e imagens que traduzam o espírito da marca. Da ideia-chave aos seus desdobramentos, procuro estar presente durante todo o processo de comunicação, gerando sinergia para que o resultado seja um discurso verdadeiro, inusitado e cativante. Seja para os meios digitais como para ações ou peças em que o contato com o público deva ser presencial. Sou versátil, bem-humorado e tenho muita experiência em redação criativa para PR, redes sociais e comunicação integrada on e off-line. Também criei e apliquei workshops sobre Criatividade, Storytelling e Brainstorming Eficiente. Gosto de trabalho colaborativo, envolvente e, acima de tudo, divertido!

OUTROS 2 CONTOS FORAM ESCOLHIDOS E TIVERAM EMPATE NO 2 LUGAR : O GAROTO QUE NÃO QUIS CONHECER A TERRA DO NUNCA (Tania Miranda) e A BATALHA PERDIDA (Ana Carolina Reis).

O GAROTO QUE NÃO QUIS CONHECER A TERRA DO NUNCA” , (TANIA MIRANDA)

– Não consigo entender, Sininho!

Era Pan sentado no galho de uma árvore com um semblante preocupado… bem

diferente de seu jeito habitual. Sininho, de pernas cruzadas, estava sentada sobre a folha

de um galho à frente do garoto.

– Ofereci a liberdade, para ele! E recusou!

Pan realmente não entendia o que se passava…

Mais cedo, em suas andanças pelo mundo, encontrou um cenário inusitado… um garoto,

de pouco mais de sete anos, trabalhando em uma fornalha de carvão…. seu rosto estava

negro de fuligem e seu semblante, sério… não condizente com a sua idade. Quando viu

tal cena, Peter imediatamente pousou ao lado do menino, tomando cuidado para não ser

percebido pelos adultos…

Com as mãos para trás, pôs a observar o vai e vem do garoto, célere em terminar o forno

de argila em volta da madeira . Depois de alguns instantes, resolveu interpelar o

menino…

– Está brincando de que?

– Não estou brincando… estou trabalhando!

Pan começou a acompanhar a caminhada rápida do pequeno. De vez em quando o garoto

encostava a mão em um dos fornos, para retirá-la logo em seguida…

– O que está fazendo?

– Vendo a temperatura do forno… se não ver isso, a madeira pode estragar e o carvão não

fica bom…

– Por quê?

– Por quê o que?

– Por quê você tem que ver a temperatura do forno?

– Ué… porque tenho….

– Mas isso não é trabalho de adulto?

– Meu pai está cortando a lenha que a gente precisa para fazer o carvão, minha mãe está

empilhando a lenha…

– Você não gostaria de brincar?

– Prefiro ter comida…

– Mas se você vier comigo, comida não será problema…

– E meus pais?

– O que tem eles?

– Podem ir junto?

– Na Terra do Nunca? Adultos não podem ir para lá…

– Por que?

– Porque lá é a terra dos sonhos… e só quem consegue sonhar pode ficar lá…

– Meus pais ficariam sozinhos?

– Sim… e você jamais teria que trabalhar dessa maneira novamente…

– Não posso…

– Mas… porque?

– Minha família precisa de mim…

– Mas você é uma criança…

– Sem mim, como eles vão sobreviver?

– Não entendi…

– Meu pai… e minha mãe… eles me amam!

– Sim, mas…

– E eles precisam de mim…

– Mas…

– Olha, um dia vou conseguir tirar meus pais dessa vida…

– Mas…

– Mas, até eu crescer… e conseguir dar uma vida melhor para eles…

– O que vai fazer?

– Não vou abandoná-los…

– Mas você pode continuar criança para sempre… Você não precisa crescer!

– Faz tempo que não sou criança… agora, tudo que eu desejo é um dia conseguir sair

daqui e cuidar de meus pais…

Peter ainda tentou contra argumentar… mas a obstinação do garoto era tamanha que

Peter, mesmo desolado, partiu com sua amiga rumo ao céu de onde tinha vindo, com o

garoto acompanhando-o com o olhar, até este sumir no infinito. E agora, Peter tentava

entender porque o garoto se recusara a acompanhá-lo para o mundo dos sonhos. Sininho

compreendia… a muito que sonhos não faziam parte da vida daquele garoto…

PERFIL DE TANIA MIRANDA : Sempre fui franco atiradora, no tocante a minha vida profissional. Se não trabalhei em todas as áreas possíveis, posso dizer que trabalhei em muitas áreas diferentes. Desde o chão de fábrica, na produção, até a área administrativa, passando pela Contabilidade e Departamento Pessoal. Trabalhei na área de tesouraria e também como segurança. Ah, sim… Tesouraria e Caixa Forte, onde fui líder de equipe (gerenciava um grupo de 20 pessoas) durante quatro anos. Atualmente sou funcionária pública do Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria de Estado de Educação, e estou emprestada para o Tribunal Regional Eleitoral, trabalhando no momento como auxiliar cartorária. Ou seja, sou uma pessoa versátil, que se adapta a qualquer ambiente…

A BATALHA PERDIDA” (ANA CAROLINA REIS)

Dessa vez, não foi o Capitão Gancho quem caiu do navio.

Peter tentou se segurar, porém, o esforço foi em vão e ele caiu como uma pena próximo às

pedras à beira-mar. Dali a sereia Iara observava tudo. Em momento algum o menino parecia

acreditar na possibilidade de perder a batalha.

— Sua arrogância ainda vai te causar problemas, Pan… – sussurrou a voz feminina

Iara começou a cantar uma melodia inebriante. Os piratas, já acostumados com o poder do

canto das sereias, taparam seus ouvidos. Mas Peter só conseguiu abrir os olhos uma última

vez, encarar a linda pele negra de Iara, e depois não se lembra do que aconteceu.

Quando voltou a si, se sentia estranho e cansado. Devia ser por sua última aventura

“vencendo” Gancho, pensou. Mas estava em um lugar escuro, com cheiro de estrume e

extremamente quente.

— Levantem, moleques!

Era uma voz brava, forte como um trovão. Leopoldo, um homem de aparência suja, barba

grisalha e chapéu de palha, tinha um olhar aterrorizante.

Mesmo sem entender, Peter levantou e se uniu aos outros garotos. Com a luz do sol surgindo

pela porta, ele percebeu algo: sua pele agora estava negra, como a da sereia que ele viu no

mar.

— O que foi? Está machucado? Mais tarde cuidamos disso. Agora é melhor correr. Vem! – O

menino Jonas pegou Peter pela mão e ambos saíram do estábulo.

— Mas que lugar é esse? E por que minha pele está… “queimada”?

— Deixa de conversa. A gente precisa começar logo, se não você já sabe.

Peter Pan não sabia de nada. Caiu de paraquedas ali e era único achando tudo estranho.

“Estou sonhando. É isso!” – pensou

— Qual é o seu nome?

— Como assim, Peter? Você sabe que meu nome é Jonas. Deixa disso.

— Então você sabe quem eu sou?

— Claro, Peter Pan. Minha avó disse que você viria. E aí, qual é o plano? Tô curioso, mas

preocupado… O Sr. Leopoldo é muito perigoso.

— Quem?

— Andem logo! Não tenho o dia todo. Quem se atrasar ficará carregando pedras até o urutau

cantar! – esbravejou a voz de trovão.

“Ah, esse velho não é páreo para Peter Pan! E ainda quer me obrigar a trabalhar?”

— Eu não vou. Preciso tomar um banho e comer.

— O quê, moleque? – retrucou Leopoldo

— Você sabe com quem está falando? Eu sou o Peter Pan da Terra do Nunca e já venci vilões

muito mais perigosos do que você.

— Hahahaha Tudo bem, “Peter”! Eu sou o primo do Gancho. Agora anda logo!

O velho puxou-o pelas orelhas e acorrentou seus pés.

— Pronto, agora você precisa andar ainda mais rápido.

Ao longo do dia, Jonas explicou tudo: sua avó, Mahin, o avisou em um sonho que o ‘menino

da Terra do Nunca’, que havia vencido piratas e crocodilos gigantes, iria trazer um plano para

libertar todas as crianças escravizadas.

Peter não conseguia entender porque logo ele estava naquela situação. Talvez o calor

insuportável tivesse “queimado sua pele”, mas e o restante? Os olhares tristes daquelas

crianças era o que mais o incomodava.

— Na verdade, minha vovó disse que você precisaria sentir na pele o que é ser alguém como

nós… A gente só trabalha, brincar é só um sonho.

Jonas apontou para os filhos do dono da fazenda: dois meninos loiros, de olhos cor do céu,

que brincavam alegres e livres pelo quintal.

A única pista que a avó havia deixado era que Peter conseguiria pedir ajuda ao Saci. Claro

que ele jamais conheceria a lenda do Saci Pererê. Porém, algo sobre estar em terras

brasileiras trouxe uma memória ancestral e natural.

— Já sei o que vamos fazer.

Naquela noite, os dois saíram escondidos e foram até a enorme árvore centenária. Peter

começou a tocar sua flauta e uma ventania se formou juntando as folhas em redemoinho.

Ali estava ele: com a pele negra como a noite, um cachimbo na boca, pulando em uma perna

só, o famoso Saci tirou seu gorro vermelho em saudação aos meninos.

— Precisamos da sua ajuda e de suas ervas!

Ao saber da história, o Saci fez questão de ajudar. Em pouco tempo preparou uma poção de

ervas e deu as instruções aos meninos. Eles colocaram a poção na bebida de Leopoldo e

esperaram.

Ao nascer do sol, o velho não apareceu no estábulo. Ele passaria aquele dia inteiro no

banheiro sentado em seu penico. Enquanto ainda se retorcia em cólicas, uma ventania abriu a

porta do banheiro e o Saci surgiu rindo e debochando:

— Cê tem um minuto pra libertar as crianças! Se não, vô ficá muito feliz de te deixá no seu

“trono” o resto dos teus dias. Hehehe E acho que cê sabe que não ando sozinho, né?

Daquele dia em diante, todas as crianças estavam livres, ganharam uma casa e voltaram para

a escola.

O velho Leopoldo nunca mais foi visto. Dizem que ele vive escondido na floresta com medo

do Saci.

Quando o sol se pôs naquele dia, Iara trouxe Peter de volta à Terra do Nunca e ele percebeu

que não havia sido um sonho.

Peter Pan aprendeu sua lição: a arrogância não o levaria a nada. Era preciso unir forças se

quisesse vencer certas batalhas.

Sua missão agora seria outra: viajar pelo mundo e libertar crianças como Jonas. Essa seria

Sua missão agora seria outra: viajar pelo mundo e libertar crianças como Jonas. Essa seria

uma grande jornada, mas nada impossível para o menino que não queria crescer.

PERFIL DE ANA CAROLINA REIS: Olá, que bom ter a sua visita aqui no meu perfil! Não se espante se encontrar diversos tipos de formações no meu currículo. “Aprender” é um prazer na minha vida. “Escrever” foi a forma que encontrei de compartilhar um pouquinho de cada coisa que absorvo nos meus estudos e vivências. Meu blog continua em desenvolvimento, mas dá para ter um gostinho: (https://acarolreis.wordpress.com/) . Sou formada em Direito, apaixonada por idiomas e Turismo. O que eu faço? Uso storytelling para criar e escrever: Legenda/posts para redes sociais. Escrevo sobre racismo e direito, turismo, meio ambiente, idiomas, marketing digital, produtividade.


Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

2 Comments

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *