“Eu e o Câncer- Sete Anos de História” é uma ode ao amor e à esperança. Mesmo após a morte da esposa este ano, marido luta para divulgar o livro que ela escreveu com o objetivo de ajudar outras pessoas que passam pela doença no Brasil

“Porque o amor nos impulsiona a lutar mesmo quando parece não existir mais força, vontade e meios para seguir lutando”. Essa é apenas uma das muitas frases impactantes do livro “Eu e o câncer, as coisas que o câncer nos ensinou”, relato autobiográfico da brasileira Julia Juliane Maria Lorenz Siqueira que lutou incansáveis sete anos contra o câncer, e que tinha a esperança de que a cura fosse descoberta antes de sua partida precoce este ano aos 43 anos de idade. Infelizmente, Juli, como era chamada pelos amigos e familiares não teve tempo de realizar muitos sonhos, porém, seu legado foi publicado neste projeto. Divulgá-lo e ajudar outras pessoas que passam pela doença transformou-se na missão do seu marido Roger Siqueira com quem foi casada por quase 20 anos. Em um dos trechos mais emocionantes do seu testemunho pessoal, Juli ressalta sobre a importância do amor e de como esse sentimento tem que ser valorizado por quem está nesta guerra pela sobrevivência. “Cada dia a mais que tenho de vida é a oportunidade de amar e ser amada pela minha família e também a chance de incentivar outras pessoas a não desistirem de lutar por suas vidas. O câncer me ensinou que ele pode me tirar várias coisas, mas que somente eu posso permitir que ele venha a tirar a minha esperança. Ela se renova e me motiva a seguir lutando contra ele”. Nascida em São Paulo, Juli foi criada no Paraná e viveu seus últimos anos de vida em Joinville, em Santa Catarina. Ela se considerava catarinense de coração.
NOTA DA EDIÇÃO: Quando vi o depoimento de Roger no Linkedin fiquei extremamente comovido até porque, coincidentemente ou não, nossos caminhos tinham que se cruzar, pois no mesmo dia que lancei o CONCURSO CULTURAL UMA SÓ VOZ (campanha de conscientização sobre o OUTUBRO ROSA), acabei conhecendo também a história de sua família. Entrei em contato com ele, o convidei para essa reportagem, e ele não só aceitou, mas como também me passou uma cópia do livro para que eu entendesse toda a trajetória de lutas, de superação e de amor à vida de sua esposa.
Comecei a ler este livro e não consegui parar enquanto não cheguei ao final. Eu chorava e me emocionava a cada parágrafo porque em muitos momentos reconheci a história de minha própria mãe- que faleceu em 2015 por uma fatalidade e que nem teve tempo de operar o seu segundo câncer. No entanto, assim como Juli, ela deixou um legado para ajudar outras pessoas a nunca desistirem de viver: o livro “Desejo de viver” e que dá o nome a este blog. Então, orgulhosamente, hoje, Juli entra para esse hall de mulheres lutadoras que honraram a palavra vida e nunca desistiram de viver e de ter esperança na cura. Ambas lutaram até o final como grandes guerreiras. E por isso, quis conhecer um pouquinho mais da história de Juli pelas lentes de seu marido.
Roger, como e quando você conheceu a Juli?
SIQUEIRA: Conheci a Juli em 2005 em um retiro de jovens da igreja Luterana, na época, ainda em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Depois, eu me mudei para Curitiba, onde ela morava, e a reencontrei. Começamos a conversar por redes sociais, saímos algumas vezes, e logo em seguida, veio o namoro. Em pouco mais de seis meses ficamos noivos e casamos depois de um ano de relacionamento em 9 de setembro de 2006. Ficamos casados por 17 anos. Tivemos uma filha, a Sara, que hoje está com 11 anos.
Como e quando foi a descoberta do câncer da Juli ?
SIQUEIRA: A Juli trabalhava como analista fiscal desempenhando a função contábil. O câncer de mama descobrimos em julho de 2015. Certo dia tomando banho ela sentiu um caroço no seio direito, por acaso, uma amiga estava voltando de um tratamento de câncer e indicou o seu médico. Fizemos alguns exames e cerca de dez dias depois veio o diagnóstico do câncer de mama.
A partir do momento do diagnóstico como foi o enfrentamento da doença?
SIQUEIRA: A primeira fase ocorreu com a quimioterapia vermelha, num total de quatro aplicações e que consiste em atacar o tumor e possíveis ramificações que ainda não são visíveis. Ao mesmo tempo são realizados outros exames para verificar se há mais ramificações da doença: as metástases. Nesse primeiro momento haviam apenas dois tumores no mesmo seio: o direito. Depois, nós passamos para dez sessões da quimioterapia branca, uma vez por semana, porém, na sexta aplicação, a Juli acabou desenvolvendo uma pneumonia devido à baixa imunidade, ficou internada 20 dias em dezembro e se optou pela cirurgia de retirada do seio direito ainda em dezembro de 2015. Depois de 30 dias, recomeçaram as quimioterapias brancas e esse primeiro tratamento durou até julho de 2016. A Juli retornou ao trabalho em novembro de 2016. Depois desta fase, retornamos a uma vida até que normal, apenas com os exames de controle, porém, em novembro de 2017 ela teve uma convulsão no trabalho e com uma ressonância magnética foi descoberto um tumor no cérebro, uma metástase, e dessa forma não tinha mais cura e nos foi dito que ela teria que conviver com a doença até a morte. Foram várias internações devido a problemas com baixa imunidade e crescimento da doença. Foram mais de 400 dias internadas em sete anos e meio desde a descoberta da doença.
Como esteve o estado emocional da Juli durante todo esse tempo? Como ela lidou com a questão da vaidade, perda do cabelo e retirada do seio?
SIQUEIRA: Você emocionalmente vive sempre com temor. Sua vida é a cada dois meses quando são repetidos os exames de controle. Você dorme mal. No meu caso, por exemplo, eu comecei a comer muito, engordei quase 20kg. Eu dormia mal e sempre com uma extrema ansiedade. O que me ajudou foi a terapia (comecei há um ano e meio). Depois vieram as caminhadas que me ajudaram a perder o peso e os relatos do e-book que escrevemos juntos.
A Juli nunca ficou curada. Um dos erros que todos que tem câncer é dizer que foram curados. Mesmo com a doença em remissão, a cura, na maioria dos casos de câncer, só ocorre após cinco anos do fim do tratamento desde que não haja nenhuma nova manifestação da doença. Antes desse tempo e mesmo sem nenhum tumor você tem câncer.
A questão física acaba pesando bastante e não apenas por perder o cabelo e emagrecer, mas porque em todo lugar as pessoas te olham diferente e ficam te encarando. Por outro lado, a doença elimina sua vontade, seu apetite sexual. Ela perdeu o cabelo mais de uma vez, emagreceu e retirou a mama direita inteira. A Juli, emocionalmente, mesmo assim, era muito forte. Ela nunca reclamava e sempre olhava as coisas pelo melhor ponto de vista. Na maioria das vezes ajudava os outros que buscavam ajuda. Ela também fazia terapia.
Como foi para a Sara esse enfrentamento da doença já que ela era muito pequena quando vocês descobriram o câncer da Juli?
SIQUEIRA: A Sara cresceu com a mãe tendo câncer. No fim, ela sabia o que era a doença. Claro que era complicado porque na maioria das vezes a atenção sempre era pra Juli, mas ela nunca nos incomodou, sempre buscou ajudar e queria sempre estar com a mãe todo o tempo possível.


Como e quando surgiu a ideia do livro?
SIQUEIRA: Foi no início de 2022. Nós tivemos uma briga feia com o Plano de Saúde porque estavam atrasando o tratamento e negando medicação. Então, nós colocamos um vídeo nas redes sociais e ele viralizou no Linkedin. Então, a Juli começou a escrever na rede como um diário.
No livro, a Juli fala muito sobre sonhos. Existe algum sonho dela não realizado que você gostaria de fazer em homenagem à ela?
SIQUEIRA: O principal sonho da Juli era ver a filha crescer. Infelizmente, isso não ocorreu. Ela tinha muita vontade de conhecer a Alemanha e a Espanha. Porém, agora não tenho pensado muito nisso.
Como tem sido para vocês estes primeiros meses sem ela? O que vocês têm feito para enfrentar esse momento?
SIQUEIRA: Esse ano é tudo estranho. Você do nada passa a dormir e acordar sozinho. Você convive com alguém por quase 20 anos e, de repente, essa pessoa já não está mais lá. Foi o primeiro aniversário da Sara sem ela. Eu estou na fase de me acostumar a fazer as coisas sozinho. E fora perder ela eu ainda passei pela perda do meu antigo trabalho 20 dias depois que ela faleceu. Mudei de apartamento, então, tudo mudou nesse tempo. Atualmente, moro em Joinville, e trabalho em uma cooperativa de transporte chamada Coopercargo, e estamos levando um dia por vez. A ideia com a venda do livro é a ajudar alguma instituição que cuida de câncer. Também estou aberto a dar palestras para ajudar outras pessoas e famílias que passam por esse drama.
COMO COMPRAR O LIVRO : Você encontra o e-book na @amazon neste link https://lnkd.in/dFYdni8R.

TRECHOS DO LIVRO
“…No entanto, a vida e luta da Juli, mostra que em uma sociedade onde a maioria das coisas é baseada na aparência e no ter, tudo perde sentido quando você se depara com a finitude da vida, com a possibilidade da despedida de quem você ama de maneira abrupta, com a difícil realidade de não ver uma filha crescer ou envelhecer ao lado daqueles que você ama”.
“…A primeira coisa que vem à mente: Por quê escrever um livro? Porque o limiar da vida nos ensina uma série de coisas, e um câncer ensina muito mais. Por isso decidi escrever esse livro. Por outro lado, o motivo é que entendo que nós que lutamos contra o câncer, incurável aos olhos da medicina atual, precisamos ser ouvidos. As pessoas precisam ver que não estamos condenados à morte, que temos uma vida pela frente pelo tempo que nos for dado como graça de Deus”.
“…Outra lição valiosa que o câncer me ensinou é que precisamos contemplar a vida, viver uma vida no automático não é viver, é apenas existir. É preciso contemplar as coisas belas, simples e sutis de um dia. Quando me deparei com a possibilidade da morte, e ao longo dos últimos sete anos isso ocorreu mais de uma vez, percebi como não contemplei a vida. Como deixei uma série de coisas de lado, porque estava ocupada trabalhando ou correndo atrás de coisas que não levarei junto ao fim da minha vida”.
“Contemplar hoje é valorizar um lindo dia de sol que lhe foi dado, com um lindo céu azul, contemplar é estar deitada na cama com quem você ama, assistindo um filme em meio a um dia frio e chuvoso, contemplar é ouvir os pássaros cantando, as ondas do mar quebrando e um lindo por sol. Porque ao aprendermos a contemplar, aprendemos a dar valor ao presente que a vida é, entendemos que tudo pelo qual corremos não tem na maioria das vezes nenhum significado e valor real dentro de nossas vidas. Essa sociedade baseada no ter nos torna objetos da nossa própria cobiça, queremos sempre mais, porém o mais nunca é suficiente para saciar a ambição que a sociedade definiu que devemos ter”.
“O câncer me ensinou que ele pode me tirar várias coisas, mas que somente eu posso permitir que ele venha a tirar a minha esperança. Esperança que renova e me motiva a seguir lutando contra ele”. Juli.


