“Meu maior sonho é poder viver”, diz Jucélia Graciano Alves, a Ju. Ela é uma das guerreiras brasileiras que travou uma luta diária contra o câncer de mama e que celebra hoje a cura e a vida no mês de conscientização sobre a doença por meio da campanha do Outubro Rosa

Há cinco anos, a designer de interiores Jucélia Graciano Alves, de 44 anos, sentiu literalmente como se tivesse perdido o chão ao ser diagnosticada com câncer de mama. “Eu estava numa fase da minha vida muito boa e feliz. Tinha acabado de completar 39 anos, e foi como um golpe, mas não me deixei abalar. Eu pus na minha cabeça que ia lutar e ter fé para enfrentar essa doença. Eu não queria e não podia desistir”. O relato de Ju, como é mais conhecida entre os seus amigos e familiares, é o testemunho de uma sobrevivente, de uma guerreira contra a enfermidade que mais mata mulheres no país. O câncer de mama ocupa a primeira posição em mortalidade entre as mulheres no Brasil, com taxa de mortalidade ajustada por idade, pela população mundial, para 2021, de 11,71/100 mil (18.139 óbitos). Para o Brasil, foram estimados 73.610 mil casos novos de câncer de mama somente em 2023, com um risco estimado de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres, segundo dados do INCA (Instituto Nacional do Câncer). Apesar de ainda continuar usando medicação e de fazer acompanhamento médico, Ju está curada do câncer, e descobriu uma nova profissão: a de empreendedora. Há três meses, ela criou uma empresa de bolos artesanais e está fazendo muito sucesso na região de Americana (interior de São Paulo). São mais de 500 unidades vendidas. “Estou muito feliz por esse novo caminho que Deus me mostrou e pela dádiva de estar viva”.
NOTA DA EDIÇÃO : Escolhi entrevistar Jucélia (JU)porque tenho um carinho especial por ela. Ju é minha amiga de adolescência. Vivemos muitas coisas juntos, fomos confidentes e até trabalhamos juntos numa peça de teatro. Escrever sobre sua luta, mas principalmente sobre sua vitória pessoal é motivo de orgulho prá mim. Ju representa milhões e milhões de mulheres em todo mundo que lutam contra uma doença invisível, por isso, no mês de conscientização do OUTUBRO ROSA ressalto a importância de fazer os exames preventivos. Se diagnosticado no início, o câncer tem um poder de cura de até 95 %.
Como foi a descoberta da doença?
JU: No final de abril de 2018, comecei sentir que minha mama direita estava com uma parte endurecida. Eu não dei muita importância, pois treinava muita musculação e imaginava que seria talvez por conta disso. Só que no fundo eu já sabia que tinha algo de errado. Mostrei para o meu marido. Ele se assustou, então, fiquei assustada também. No outro dia já corri marcar médico, me antecipei e fiz logo uma mamografia que acusou micro- calcificações com indicação de biopsia. Depois da consulta médica vieram outros pedidos de exames, inclusive, um ultrassom que não deu absolutamente nada. Feito a biopsia, o resultado apontava que era um “carcinoma in situ” (não invasivo) e que seria um tratamento bem tranquilo sem quimioterapia. Mas o anjo do meu mastologista resolveu repetir a biopsia, e desta vez, o resultado veio completamente diferente: era um carcinoma invasivo de grau nuclear 3. Então perdi o chão, não tive muita reação, na hora não me permiti ficar abalada. Horas depois fazendo um carinho na minha filha eu desabei. Nós choramos muito, os três abraçados (ela, eu e meu marido Adão). Naquele momento imaginei que não veria minha filha crescer (a menina tinha 10 anos na época).
Como ficou sua questão emocional a partir desse momento?
JU: Quando descobri a doença, só pensava na minha filha. Pedia a Deus pelo menos mais cinco anos de vida, pois assim poderia cuidar um pouco mais dela. Eu me sentia forte, mas procurei ajuda espiritual que me ajudou a aceitar e passar pela doença da melhor maneira possível. Eu confiei em Deus, me coloquei nas mãos dele. Fiz poucas sessões de terapia, o que ajudou um pouco também. Estava sempre rodeada de amigos e pessoas queridas, e isso fez muita diferença pra mim.

Como foi o seu tratamento?
JU: Recebi o meu diagnóstico no dia 18 de julho de 2018. Então começou a correria de outros exames e autorizações do convênio. Essa foi a pior parte: a espera para iniciar o tratamento. Resolvi escrever um diário. Nele, eu relatava diariamente o que estava acontecendo e as minhas angústias. Nessa época, eu chorava muito. Me perguntava sempre se não era um sonho. Minha primeira sessão de quimioterapia foi no dia 10 de agosto. Que ansiedade! Passei muito bem na primeira sessão. Os sintomas foram leves e 14 dias depois meu cabelo começou cair. Mas a partir da segunda eu comecei sentir mais os efeitos colaterais. Meu marido tirava o dia pra cuidar de mim e todos da família ficavam por perto. Foram 16 sessões, sendo quatro vermelhas, as mais difíceis e eu passava muito mal. Fique com cara de doente mesmo. Depois vieram as 12 brancas e foi muito mais tranquilo. Era como se não tivesse tomado nada. Tinha disposição e não sentia muitos efeitos.
Você precisou fazer cirurgia?
JU: Quando os cabelos começaram a cair eu mandei raspar, pois era muito sofrido ficar recolhendo cabelos após o banho. Fiz mastectomia quando terminei meu tratamento de quimioterapia. Foram 3 cirurgias no total onde foi retirada minha mama preservando apenas a pele. Nada me abalou, pois eu sabia que era importante esse passo. Dali cinco meses iniciei a reconstrução e coloquei uma prótese que tinha que encher toda semana pra expandir a pele. Era um procedimento difícil e doloroso. Cinco meses depois coloquei a prótese definitiva, então, caiu a ficha de tudo que tinha me acontecido. Estava feliz por poder ter minha vida de volta.
Qual foi o momento mais difícil para você?
JU: Foi receber a notícia e não ter a certeza que o tratamento daria certo, pois era um câncer agressivo e estava muito avançado. Todas as etapas foram bem difíceis, mas nada supera o medo de morrer. Considero que passei bem por cada fase. Não fiz promessas, confiei que Deus faria o melhor pra mim. Foram muitas correntes de orações. Sou muito grata por isso. Toda vez que alguém me diz que orou ou rezou por mim, eu fico muito emocionada.
Você teve contato com outras mulheres e famílias que tiveram câncer de mama?
JU: Não tive muitos contatos. Eu acompanhei muitas por rede social. No primeiro ano pós-tratamento dei uma palestra em uma empresa. Nesse mês resolvi doar todos os meus laços que usei durante o tratamento, pois até agora guardei pensando que talvez pudesse precisar novamente. Mas agora quero virar a página e seguir com a minha vida sem o terror do câncer na minha vida. Hoje, eu sou uma pessoa muito mais feliz, que ama viver. Isso aprendi com o câncer.

Como está sendo a retomada de sua vida normal e sua entrada nesse meio como empreendedora?
JU: Ainda sou uma paciente oncológica. Faço acompanhamento com exames e tratamento de hormonioterapia. Tomo uma medicação diária. No próximo ano, completo cinco anos sem câncer. Ainda não sei se tomarei essa mediação até lá ou por mais cinco anos. Depois do câncer fiquei meio sem rumo. A sensação é de que você ganhou uma nova vida e não sabe ao certo o que fazer com ela. Mas eu consegui me encontrar fazendo bolos. Foi uma decisão repentina e que deu muito certo. O meu negócio de bolos tem apenas três meses e já vendi por volta de 500 bolos. (sua trajetória de sucesso lembra a da personagem da atriz Juliana Paes na novela “A Dona do Pedaço”, que encontrou nas receitas de família a motivação para dar uma guinada em sua vida e voltar a sonhar.)Me sinto feliz em atender as pessoas. Meus bolos são puro carinho em forma de bolo. Meu maior sonho, agora, é poder viver! Ver minha filha crescer e viajar muito!


TRECHOS DO DIÁRIO DE JU
Dia 18 de julho de 2018
Extremamente ansiosa, angustiada. Hoje recebi um novo diagnóstico do câncer, muito mais agressivo e com menor chances de cura. Aceito passar por isso, mas não quero morrer. Tenho uma filha pequena que precisa de mim. Acabei de faze-la dormir, só de imaginar não poder fazer mais isso não ve- lá crescer…. Dói nem sei o quanto
24 de agosto 2018
Acordei com meus cabelos caindo, por enquanto, estou tranquila, veremos como será essa fase… O couro cabeludo está dolorido, os cabelos e pelos do corpo se soltam.
31 de agosto 2018
Já perdi metade dos meus cabelos e estou muito cansada. Hoje é o primeiro dia após a descoberta do câncer que me sinto doente.
9 de outubro 2018
As vezes ainda acho que estou vivendo um sonho. O emocional não está legal. Choro sem mesmo perceber. Quando vejo a lágrima já caiu. Eu só quero minha vida de volta.
31 de dezembro 2018
Último dia do ano, sem dúvidas, o pior ano da minha vida até agora. Foi um ano de muito aprendizado sim, mas nem de longe queria viver isso, mas enfim, não podemos escolher. Temos que aceitar isso e evoluir.
No ano de 2019 só espero conquistar minha cura e ser uma pessoa melhor. Que assim seja.
“Depois de muito tempo estou lendo esse diário…. É emocionante relembrar algumas coisas. Na verdade, luto diariamente pra esquecer o câncer, mas é importante relembrar coisas difíceis da nossa vida, e assim valorizo cada pedacinho da minha vida” (Testemunho dado quando pedi para me passar alguns trechos do diário)




