“Não preciso do sol para sorrir. Minha alegria vem da alma e do meu desejo de ensinar e repassar a cultura francesa a outras nacionalidades por meio do idioma”, diz brasileira radicada na França há mais de 20 anos após a descoberta de sua nova vocação: a de educadora.

Há mais de 20 anos, ela decidiu unir sua paixão pela arte ao sonho de ter uma experiência internacional fora do Brasil. Ao visitar uma irmã que morava na França sentiu dentro do coração que num futuro próximo voltaria ao país, mas como moradora. E esse desejo se concretizou logo após formar-se em artes visuais em Goiânia, capital de Goiás. Já vivendo em solo francês descobriu uma nova vocação: a educação e fez disso sua nova razão de viver. “Me reinventei na França. Ensinar passou a ser uma de minhas missões de vida. Vejo o ensino como uma arte que me permite expressar a criatividade e ao mesmo tempo desenvolver a riqueza e a diversidade da cultura francesa mostrando-a a outras nacionalidades pelo ensino de um novo idioma. Sou completamente apaixonada por esse país e por tudo que ele me deu nestas últimas duas décadas da minha vida”.

 O depoimento emocionado foi dado pela goiana Joyce Gomes de Melo, de 55 anos. Ela é a segunda entrevistada da série SONHO FRANCÊS que conta a trajetória de imigrantes brasileiros na França-uma homenagem ao país que sedia as Olimpíadas este ano. Atualmente, Joyce mora na região da Bretanha, mas também viveu por dois anos em Rennes, outros dois anos em Saint Malo, 15 anos em Guémené sur Scorff, e há nove anos vive em Landéda, uma cidadezinha de apenas 3600 habitantes, localizada na borda do canal da Mancha, que tem um porto pitoresco chamado Aber Wrac’h. “Cada uma destas cidades me trouxe experiências diferentes e me permitiu viver em sua plenitude a cultura francesa, mas nunca deixei de lado as minhas raízes brasileiras, a minha brasilidade. Isso está presente na minha maneira de viver e de me expressar ao mundo. Nós que somos brasileiros somos facilmente conhecidos pelo nosso carisma e alegria de viver. Isso, muitas vezes, destoa do europeu que tende a ser mais recluso e fechado de temperamento”.

DESEJO DE VIVER (DV) :  Como e quando você decidiu mudar-se para a França­­ ?

Joyce: Eu me formei em artes visuais pela Universidade Federal de Goiás, aos 25 anos, mas quando vim visitar minha irmã ainda estava estudando no Brasil. Só que eu me apaixonei pela França. Tudo aqui respirava arte: das calçadas às ruas, dos prédios aos jardins e praças. Era apenas uma viagem de férias, mas já havia dentro de mim esse desejo latente de ficar, mas eu queria terminar os meus estudos. Voltei para o Brasil, mas não me afastei da França. Tudo o que podia ia consumindo sobre a cultura e isso foi me ajudando a me familiarizar com o idioma. Nos dois meses que fiquei com minha irmã tratei de fazer literalmente uma imersão local e no Brasil tratei de continuar estudando. Isso foi me dando abertura e familiaridade com o idioma, pois eu não sabia nada.  

DV: E o que te motivou a tomar essa decisão de retornar para a Europa depois de terminar a faculdade­ ?

Joyce: Acho que foi esse desejo realmente de viver uma nova experiência de vida, principalmente de estar em contato direto com um país que respira arte por todos os cantos, por isso, logo que terminei a faculdade achei que era hora de voltar, mas não de férias. Eu voltei com propósito de ficar. Terminei a faculdade em 1995. No ano seguinte vim para a França e fiquei até o ano 2000, depois fui passar uma temporada no Brasil de quase três anos. Só retornei para a França no final de 2002.

DV: Como foi o seu processo de adaptação a uma cultura totalmente diferente da brasileira?

Joyce:  Eu não tinha documentação para viver legalmente na Europa, então, uma das possibilidades seria imigrar com o visto de estudante. Decidi me inscrever numa faculdade de história da arte na França. Só que eu não sabia que as aulas aqui eram no período integral. Isso me impediria de trabalhar durante o dia. Eu necessitava de uma ocupação para ficar no país, pois não tinha bolsa ou recursos, por isso, acabei seguindo o caminho de muitos imigrantes e fui para a área de bares e restaurantes trabalhar como garçonete. O bom desse período é que conheci um amigo durante a faculdade e ele era pintor. Quando ele viajava para exposições eu o acompanhava ajudando-o na parte da comunicação visual e contato com a imprensa. Isso me fez conhecer vários países de carro e foi maravilhoso.  

DV: E como aconteceu sua entrada e migração para a área da educação ensinando outro idioma?

 Joyce: Sempre fui uma boa aluna. Adorava as aulas de português e tinha facilidade com redação. Eu lia muito, tirava boas notas e na França por um período comecei a dar aulas de português para estrangeiros. Paralelo a isso, consegui tirar um diploma de francês à distância. Na época, estudava o conteúdo pelas saudosas fitas cassetes que as últimas gerações nem conheceram. Depois de um tempo vivendo na França tive uma certa nostalgia do Brasil, bateu saudades da minha família e decidi retornar por um tempo para ver se me adaptava novamente. E lá consegui entrar para uma escola tradicional de idiomas e me tornei professora de francês, mas nunca tinha me imaginado nesta posição de educadora, mas acabei me apaixonando e nunca mais parei.

DV: Qual o seu segredo para ensinar um idioma considerado por muitas pessoas como uma língua complexa e difícil de se aprender?

Joyce: Descobri com o tempo que para aprender um novo idioma você tem que se apegar a pontos de apoio. Uma vez, tive um aluno da Tailândia e a única palavra deles similar ao francês era o café. Então para ensinar aquele aluno passei a criar todo meu material tendo o café como base e assim íamos destrinchando a conversação. E, de verdade, quando você começa a estudar o francês percebe que tem muitas palavras parecidas ao português. O que muda é a forma de falar, o acento, mas é um idioma lindo que merece a pena ser falado.

DV: Você criou um método de aprendizado online que garante aprender francês em apenas três meses. Como ele funciona?

 Joyce: Tenho muito orgulho de ter criado essa plataforma online porque quero ajudar a desmistificar que o idioma francês seja complexo e difícil para se aprender. Eu sou testemunha viva disso. Cheguei neste país sem falar nenhuma palavra e em dois meses já estava me expressando. Tudo depende da sua intensidade e do seu desejo pessoal de fazer sua própria imersão. Eu disponibilizo 400 vídeos curtos sobre diferentes temas e que vão acompanhando uma progressão lógica. Além disso, faço questão de reunir os meus alunos para aulas ao vivo e os obrigo a falar durante minhas aulas. Se errarem eu estou ali para ensiná-los.

DV: Como é o seu contato com estes estudantes?

Joyce: O que mais gosto de explicar pra eles é que aprendi o idioma numa época que não havia nada dessa evolução digital. Não tinha internet. Hoje, eles têm essa facilidade. Eu fui aprendendo de tanto prestar atenção nas palavras, por isso, faço questão de que eles também falem nas aulas e repitam as palavras para memorizarem.  Sou mãezona de todos.  Gosto de ensinar brincando. Gosto de rir com eles e nunca rir deles. A receita para aprender um novo idioma é a observação.

DV: Você teve alguma dificuldade ou barreira cultural aqui na França?

Joyce:  Estou na minha segunda relação, e ambos são franceses. O meu filho Mathis tem 17 anos, nasceu aqui, mas curiosamente ele fez o processo contrário. Se considera mais brasileiro que francês e decidiu terminar os estudos dele no Brasil e mora com uma de minhas irmãs.  Na época que ele nasceu eu dava aulas particulares, mas precisava também de um trabalho fixo. Consegui uma vaga como animadora num lar de velhinhos francês. Como sempre fui muito comunicativa e alegre era a energia que eles queriam e precisavam para movimentar o local. Ali, consegui colocar em prática muitos projetos que surgiram da minha formação em artes visuais e esse período foi de muitas trocas profissionais e pessoais porque contagiava a todos naquele lugar com minha alegria. Muitos me perguntavam como eu estava sempre animada até mesmo nos dias sombrios, chuvosos e escuros e eu respondia: não preciso do sol para sorrir.

DV: Como você avalia a cultura francesa?

Joyce : Aqui temos povos de todas as nacionalidades e todos são muito respeitados, mas o grande segredo é você saber respeitar a cultura francesa. Não adianta tentar impor a sua cultura porque eles não serão receptivos. Vão te respeitar, te aceitar, mas eles são bastante patriotas. Mas o bonito é que respeitam muito o lema que os tornou mundialmente conhecidos: fraternidade, lealdade e igualdade. Tudo isso me fez permanecer por tanto tempo aqui. Amo a maneira deles de viver, o respeito à diversidade, aos direitos públicos e sociais. Aqui não tem o famoso jeitinho brasileiro.

DV: E como tem sido acompanhar a Olimpíada na sua nova pátria?

Joyce: Emocionante. Aqui em casa, só ligamos a TV em duas ocasiões: Copa do Mundo e Olimpíada e tenho acompanhado tudo o que posso. Pena que a TV francesa só mostra os jogos que têm franceses em disputa, mas eu descobri alguns sites e estou conseguindo ver os jogos do Brasil. Ontem, 30 de julho, me emocionei com a linda vitória das meninas da ginástica do Brasil. Foi lindo de se ver. Moro na França, amo esse país, mas também amo ser brasileira e nunca renunciarei às minhas origens. Todos os anos faço questão de fazer a minha festa de Carnaval. Como comida francesa, mas também faço o nosso feijão com arroz.

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Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

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