O DIA QUE FUI VÍTIMA DE UM ATENTADO EM VENEZA (conto especial)

Era um dia ensolarado e radiante em Veneza, na Itália. Os canais se espelhavam nas fachadas coloridas dos prédios proporcionando um espetáculo de cores e magia. No entanto, ninguém poderia imaginar que a vida de cinco mulheres, estranhas entre si, estava prestes a se entrelaçar de forma inesperada e dramática. Gisele e Carol eram jornalistas e estavam na cidade para cobrir um festival de cinema. Ana trabalhava como especialista em gestão hospitalar e havia se dado de presente aquela viagem após ser demitida do trabalho. Priscila era consultora de carreira e participava de um evento corporativo com outras lideranças internacionais. Sofia era a mais jovem delas. Tinha apenas 18 anos e fazia intercâmbio na Itália. Em comum, carregavam o desejo de explorar cada canto daquela cidade mágica, mas o que elas não imaginavam é que seriam vítimas de um atentado terrorista e que isso mudaria para sempre seus destinos.

O sol forte logo de manhã já anunciava que seria um dia de muito calor e de fortes temperaturas em Veneza, mas os turistas não reclamavam porque a cidade ficava ainda mais linda e encantadora no verão. Naquele dia, coincidentemente, as cinco haviam tomado a mesma balsa que percorria alguns dos principais pontos da cidade até a icônica praça de São Marcos. A atmosfera estava leve, alegre, cheia de risadas e de astral em alta.  Era uma sucessão de fotos e vídeos. Ninguém queria perder a chance de ter uma foto de fundo na “cidade do amor”.  “Não posso acreditar que estou finalmente aqui!”, pensou em voz alta a sonhadora Sofia. Seus olhos brilhavam de alegria. Era estudante de turismo. “É como um conto de fadas em tempo real!”.  Essa foi a legenda dada em um dos seus posts.

Subitamente, todos foram surpreendidos por uma sirene em alta volume e o anúncio em italiano e inglês de que havia uma bomba no barco e que ela explodiria em 15 minutos. O que era alegria se transformou em desespero e o semblante daqueles turistas passou a ser de pânico e de apreensão.

Segundos após o soar da sirene um estrondo ensurdecedor ecoou, fazendo todos se entreolharem, confundidos e aterrorizados e em dúvida se aquilo havia sido uma bomba. “O que foi isso?”, perguntou Ana, com uma expressão de preocupação. O capitão da balsa, pálido e nervoso, gritou pelo alto falante: “Todos, por favor, mantenham a calma! Precisamos evacuar o barco imediatamente. Vamos deslocar os idosos para uma outra embarcação e dar coletes aos demais. A polícia marítima já foi avisada, mas não sabemos se essa bomba existe ou não, por isso, vamos nos lançar na água!”.

Um murmúrio de pânico se espalhou entre os passageiros. “Isso já foi uma bomba! O barco vai explodir. Temos que sair daqui!”, gritou um homem, e, em um instante, o caos se instalou. Todos sentiram o coração disparar literalmente ao perceberem a gravidade da situação. “Vamos! Agora!”, Carol gritou, puxando Sofia pela mão. Elas se dirigiram rapidamente para a saída, enquanto a balsa balançava perigosamente.

“Não podemos esperar! Precisamos pular!”, Ana decidiu, olhando desesperadamente para o canal abaixo.  Priscila se recusava a se lançar da balsa porque tinha medo de morrer afogada. Vários coletes salva-vidas foram distribuídos e algumas pessoas foram se lançando. Uma embarcação próxima conseguiu resgatar os mais idosos, mas a sensação era de desespero. A preocupação era que caso a ameaça fosse real o barco poderia explodir a qualquer momento. Não havia muito tempo para pensar. Haviam 35 pessoas na balsa e 20 delas, incluindo as cinco mulheres, se lançaram ao mar e outras 15 foram realocadas em uma embarcação próxima.

E como numa cena memorável de um filme de ação e aventura, pouco tempo depois da balsa ser totalmente evacuada houve uma grande explosão. O fogo foi o protagonista da vez, mas não se tratava de um cenário fictício. A mágica e poética Veneza, marcada pela beleza dos seus canais, cedeu espaço a um dos momentos mais tristes da história daquela cidade.

A polícia marítima em diferentes barcos chegou rapidamente, e em meio à confusão e ao caos, as cinco mulheres foram resgatadas. Elas foram levadas para um barco que as conduziu ao hospital para fazer exames, mas fisicamente estavam bem. Sentadas juntas, ofegantes e molhadas, começaram a processar o que acabara de acontecer, mas ninguém se atrevia a dizer uma única palavra. Todos estavam literalmente em choque. Graças a Deus, o atentado não havia tido vítimas fatais, mas todos aqueles passageiros haviam sido vítimas de um atentado terrorista.

No hospital, o ambiente estava agitado. Enfermeiros corriam de um lado para o outro, e sirenes ecoavam ao fundo. “Precisamos ficar juntas”, Priscila sugeriu, segurando a mão de Sofia que chorava copiosamente. Carol e Gisele, apesar da dor, tinham o dever jornalístico de informar e já se preparavam para fazer uma cobertura especial como repórteres para o Brasil, mas também como sobreviventes daquela que poderia ter sido uma grande tragédia. Apesar da dor, do sentimento de impotência, do medo e trauma de tudo que haviam vivido nas últimas horas, o sentimento de cada um deles era de agradecimento por terem sobrevivido. Todos se uniam na mesma dor.

Cinco dias depois, já recuperadas do trauma, os 35 sobreviventes foram convidados para um almoço com o governo local que desejava ao menos minimizar os impactos daquele trauma e instaurar a sensação de paz na cidade. Além do almoço, hospedagem em um hotel de luxo, eles ganharam também um passeio especial até a ilha de Burano, a 45 quilômetros de Veneza e conhecida pelo colorido de suas casas.

Ilha de Burano a 45 quilômetros de Veneza

Enquanto navegavam até a ilha, Gisele observou a beleza ao seu redor e disse em voz alta ao grupo: “Sabe, eu nunca pensei que um atentado nos uniria assim. É como se o destino quisesse que nos conhecêssemos.” “É verdade. Às vezes, as coisas mais inesperadas podem trazer as melhores oportunidades, como novas amizades”, refletiu Ana.

“Essas cores são como nossos sonhos que não foram interrompidos graças a Deus! Vamos nos lembrar disso para sempre. Há colorido na vida”, destacou Priscila observando a beleza de Burano que parecia ter saído der um conto de fadas. O dia estava perfeito, e a amizade que havia nascido entre elas se fortalecia a cada momento. “Estamos começando uma nova vida, cada uma de nós. E quem sabe o que o futuro nos reserva?”, perguntou Carol.

Na ilha, cercadas por cores por todos os lados, elas descobriram que não apenas haviam escapado de um destino terrível, mas também da solidão. Estavam todas em busca de um novo amor em Veneza, mas encontraram algo ainda mais valioso: uma amizade que transcenderia o tempo e os medos. “E se fizermos um pacto? Sempre que uma de nós precisar de apoio, as outras estarão aqui”, sugeriu Sofia, com um brilho nos olhos. “Combinado!”, disseram as outras em uníssono, selando sua amizade com promessas e com uma pulseira de tecido dada por Ana para cada uma delas, o que selava para sempre a amizade daquele grupo.

Elas sabiam que, independentemente do que o futuro reservasse, sempre teriam umas às outras, e isso era apenas o começo de uma nova e emocionante jornada. Ao olharem para o horizonte, todas sentiam que a vida havia dado a cada uma delas uma nova oportunidade e que por isso deveriam ser eternamente gratas. A vida era por si uma fascinante aventura com muitos capítulos a ser contados.

Jornalista, roteirista, escritor e ator brasileiro com mais de 20 anos de experiência em comunicação.Vivo atualmente em Barcelona onde trabalho como correspondente internacional, mas já morei em outros países, como Portugal, Irlanda, EUA e Itália onde sempre estive envolvido com projetos na área de comunicação- minha grande paixão-.Como roteirista, destaco a coautoria na sinopse e no 1 capítulo da novela "O Sétimo Guardião" (TV Globo/2019), o documentário "Quem somos nós?", sobre exclusão social, e o curta-metragem "As cartas de Sofia".Como repórter, trabalhei em grandes grupos de comunicação no Brasil, como RBS, RAC e RIC. Ganhei o prêmio Yara de Comunicação (categoria impresso) em 2013 com uma reportagem sobre as diferentes famílias e histórias de vida às margens do rio Piracicaba (SP). Fui finalista do prêmio Unimed de Jornalismo/SC com uma reportagem sobre gravidez precoce.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *